Os sobreviventes do ódio e a luta em defesa da democracia
Jornalista Cristina Serra fala de livro sobre o governo Bolsonaro, lançado no último dia 14 em Belém, e adverte: "O que aconteceu no Brasil precisa ser documentado, para que esses crimes não fiquem impunes"
A jornalista e escritora paraense Cristina Serra lançou, na última terça-feira (14), em Belém, seu mais novo livro: “Nós, sobreviventes do ódio – crônicas de uma país vevastado”, obra que reúne 224 crônicas escritas pela autora e publicadas no jornal Folha de S. Paulo entre 2020 e 2023. O livro aborda as crises políticas que marcaram o Brasil nos últimos quatro anos, durante o governo de Jair Bolsonaro.
Formada pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Cristina se tornou uma das jornalistas mais respeitadas do Brasil. Trabalhou durante 26 anos na Rede Globo, além de outros veículos como Jornal da Band e Veja. Atualmente, é colunista da Folha de S. Paulo e do ICL Notícias. Em entrevista ao portal LeiaJá Pará, a jornalista falou sobre a relação entre jornalismo e política, a importância de ampliar esse debate e o processo de produção da obra.
As crônicas presentes no livro se passam em períodos marcantes da história brasileira. O que lhe levou a reuni-las em sua obra?
Eu recebi a sugestão de escrever o livro a partir de leitores, quando publiquei algumas colunas que deram maior repercussão. Vários leitores na caixa de comentários da Folha de S. Paulo sugeriram, e diziam: “Poxa, você tem escrito sobre assuntos tão importantes e que retratam tanto que a gente está vivendo. Me sinto representado pelo que você está escrevendo. Seria tão importante que você reunisse as colunas em um livro.
E foi assim que nasceu a proposta. Fui amadurecendo a ideia e decidi fazer uma seleção de 224 colunas, que retratam bem esses últimos anos durante o governo Bolsonaro. As colunas oferecem para o leitor um retrato do que foi o Brasil, sobretudo nos três últimos anos do governo Bolsonaro. O livro reúne textos de 2020 até o início de 2023, já com o governo Lula, justamente falando da transição do governo Bolsonaro para o governo Lula.
Como ocorreu o processo de seleção dos artigos no desenvolvimento do livro?
A seleção foi feita a partir de alguns critérios. As colunas refletiam esse momento que a gente viveu no Brasil, mas a partir de quatro temas específicos, que são os ataques de Bolsonaro à democracia, os ataques ao povo durante a pandemia, os ataques aos direitos humanos e ao meio ambiente. Esses foram os assuntos sobre os quais eu mais escrevi. Eu digo que esses quatro temas são a base do livro, a partir de uma reflexão que eu fiz no momento em que desenvolvia o livro, sobre o que estava acontecendo no Brasil.
Eu acho que os textos representam muito bem o que foi o governo Bolsonaro. Ele atacou as instituições e a democracia, muito a partir dos assuntos abordados no livro. E sobretudo, claro, quando eu falo de ataques ao povo brasileiro, é o que ele fez e o que ele deixou de fazer durante a pandemia. Eu considero isso ataques ao povo brasileiro, quando ele não se empenhou em comprar vacina, quando ele não recomendou o uso de máscara, quando ele recomendou a cloroquina. E isso resulta nesse número absurdo e trágico de mais de 700 mil brasileiros mortos na pandemia. Aliás, eu dedico o livro a essas vítimas.
Você acredita que o livro pode ser um instrumento de formação de opinião?
Um dos objetivos, eu diria, era sistematizar essas crônicas e fazer um retrato desse momento terrível da história brasileira. Mas o segundo objetivo, que complementa o primeiro, é fazer com que esse livro seja um documento da memória brasileira, de fato, para que não se repita mais nada parecido com o que a gente viveu nesses quatro anos de terror, de horror total. Foi o pior governo da história contemporânea brasileira, do período democrático. O que aconteceu no Brasil precisa ser documentado, lembrado, para que esses crimes não fiquem impunes. Bolsonaro precisa ser investigado, processado e, de preferência, condenado e preso. Eu espero que o livro dê uma contribuição nesse sentido.
De tudo o que é mencionado no livro, há alguma crônica em que houve maior sensibilidade ao escrever, por se tratar de uma assunto mais delicado?
Em alguns momentos foi muito difícil escrever algumas crônicas, sobretudo durante a pandemia. Foi realmente muito difícil para todos nós brasileiros que perdemos algum amigo, algum parente ou mesmo para os que não perderam, mas que vivenciaram o isolamento e a perda de empregos. O impacto disso na nossa saúde mental, emocional, os impactos da pandemia são de caráter prolongado e foram prolongados e aprofundados no Brasil pelas ações e omissões de Bolsonaro, e não precisava ter sido assim. Mas a gente tem que escrever, é o meu trabalho como jornalista e escritora. Isso precisa ficar documentado porque a sociedade brasileira precisa encarar isso para que isso não se repita.
O que você pretende despertar nos leitores com a obra?
Eu espero que o conteúdo presente no livro faça o leitor refletir sobre como a democracia é fundamental, como nós precisamos da democracia e como nós precisamos defendê-la. Democracia não é uma abstração. Nós precisamos refletir sobre a importância da democracia que foi tão atacada durante esses últimos quatro anos.
Tenho certeza que defender a democracia é uma tarefa de cada cidadão. E é o que eu procuro fazer. No jornalismo e na literatura. Você faz isso na universidade, com a sua família, com os seus amigos, conversando, debatendo com respeito, com civilidade. Eu espero que o livro seja uma contribuição nesse sentido. Eu gosto de dizer que é um "tijolinho" nessa construção democrática que todos nós precisamos fazer.
Por Messias Azevedo e Gabriel Pires (sob a supervisão do editor prof. Antonio Carlos Pimentel).