Réveillon: agradecimentos da praia e dos que vivem na rua
Enquanto uns estão à beira mar, com a mesa farta, agradecendo pelo ano que se despede, embaixo das pontes do Recife pessoas em situação de pobreza alimentam a esperança por um 2019 menos desigual
O Brasil é um país marcado por disparidade social. Alguns têm muito, outros quase nada. Em pleno Réveillon do Recife, mais precisamente em Boa Viagem, zona sul da capital, a personificação de dois mundos: daqueles que ostentam e agradecem por tudo aquilo que conquistou em 2018, outros que só agradecem pela vida – mesmo que pobre -.
Enquanto na beira mar há festa, pirotecnia, fogos de artifícios e uma massa vestida de branco pulando as setes ondinhas e fazendo todos vários tipos de ritos, embaixo das pontes que levam os carros até a praia estão centenas de pessoas que, sequer, têm um teto para chamar de seu.
Na ponte da Avenida Agamenon Magalhães, área central do Recife, Fernando Vitor de Melo passará o seu 46º Réveillon sem ter direito ao que comer. Pai de uma pequena menina de 5 anos, casado com uma, também, moradora de rua, ele não esmorece e acredita que a sua vitória vai chegar.
“Eu espero que este ano novo traga tudo de bom para a gente, principalmente para a minha filha. Eu não posso ficar triste, porque assim eu não ganho nada”, revela Fernando.
O morador de rua, que depende da boa vontade das pessoas para conseguir sustentar sua família, ainda divide o espaço onde mora com outras pessoas que passam pela mesma necessidade que ele. Como é o caso de Dona Josefa Gomes Santos, 80 anos. Ela, que ainda trabalha como catadora de recicláveis e sobrevive de uma pensão que o marido deixou, encontra na rua e na boa vontade do próximo o seu sustento pleno e o da sua filha, que tem condições especiais.
Nesse caso, dona Josefa tem casa, mas vive embaixo das pontes para conseguir angariar alimentos que são distribuídos nas noites recifenses para levar para sua residência, um pequeno barraco dentro da favela do Xié, Zona Leste da capital.
Na outra ponta, em Boa Viagem, milhares de pessoas esperando a contagem regressiva para a virada do ano. Com mesa posta na beira mar com bastante fartura, a família Lira Cavalcante se despede de 2018.
Essa família, diferente da de Fernando, tem casa e comida. Por isso e pela saúde, agradecem o ano que se foi. “Pelo Grupo de WhatsApp reunimos a família, montamos uma comissão que ficou responsável pelas comidas e agora estamos aqui nessa confraternização”, aponta Nelma Lira.
No mesmo espaço, nossa equipe de reportagem encontrou a família Cruz. São 20 pessoas reunidas para agradecer e pedir. “Sempre importante reunir a família e os amigos para confraternizar. Ano passado ficamos em Porto de Galinhas, o ano retrasado (2016) no Rio de Janeiro e este ano resolvemos passar a virada aqui em Boa Viagem. Mesmo sendo moradores daqui, nunca tínhamos nos reunido para a virada em Recife. Só temos a agradecer”, diz Agnaldo Arantes Cruz.
Mostramos um pouco a realidade em que vivem as pessoas. Umas têm muito o que agradecer, outras nem tanto, mas mesmo assim parecem não perder a fé e a esperança de que um dia o direito à moradia, uma mesa farta e a barriga cheia sejam algo para todos, e não uma exceção.
Com os seus altos e baixos, 2018 se vai e abre espaço para um novo ano em que as pessoas esperam que possa ser melhor do que os outros. Seja de branco ou de preto, embaixo da ponte ou na orla, todas as pessoas agradecem por um único bem comum: a vida.
Levantamento de pessoas em situação de rua
Em último levantamento realizado para saber quantas pessoas estão em situação de rua, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostra que o Brasil tem pouco mais de 100 mil pessoas vivendo nas ruas, sendo os grandes municípios responsáveis pela maior parte dessa população.
No entanto, o que chama a atenção é que esses dados são de 2015, de lá para cá - principalmente com a acentuada crise financeira que o país veio e ainda está enfrentando -, deve ter aumentado esse número, já que milhares de pessoas ficaram desempregadas.