Transtorno de ansiedade, o mal do século XXI

Reportagem especial produzida por concluinte de Jornalismo da UNAMA - Universidade da Amazônia alerta para problemas de saúde mental que afetam milhares de pessoas no mundo

sex, 25/01/2019 - 10:28

Falar sobre os transtornos de ansiedade divide a opinião da população  quando se trata de abordar a maneira como as pessoas vivem. Profissão, rotina e até mesmo alguma situação vivida podem resultar diretamente no aparecimento de algum tipo de transtorno ansioso. Do psiquiatra ao nutricionista, todos os profissionais entrevistados nesta reportagem acreditam que a forma como se leva a vida é fundamental para a saúde mental e reforçam que o acompanhamento de alguém capacitado no assunto é imprescindível para cuidar do quadro.

Para a psicóloga Sandra Dutra, 57 anos, há uma fartura de informação das mídias sociais sobre saúde mental. “Muita informação equivocada, inclusive que resulta no reverso e causa uma confusão e não um esclarecimento. É quase uma inflação do simbólico derramando-se sobre o imaginário”, afirma.

Segundo o psiquiatra Elenilson José dos Santos, 50 anos, o fator genético e a rotina estressante podem desencadear vários tipos de transtornos. “Levar uma vida tranquila e sem estresses excessivos pode evitar o início de um transtorno”, declara. 

Segundo a nutricionista Natália Diniz, 33 anos, a alimentação pode ser uma grande aliada para quem quer manter uma mente saudável, estimulando o corpo a produzir serotonina, que é um hormônio diretamente ligado ao bem-estar.  No meio de tantas visões a respeito da ansiedade, algumas declarações podem servir para muitos brasileiros que sofrem com o mal.

A ansiedade está no dia a dia da sociedade brasileira, por mais que a população prefira não falar do assunto. O sentimento está na inquietação de uma resposta que será dada pela manhã ou para um evento que ocorrerá à noite, ao evitar uma situação ou um certo lugar que instigue o medo, ou no pensamento excessivo sobre qualquer assunto. A ansiedade em si acaba sendo um alerta natural para proteção, mas em alguns casos esse sentimento se torna algo muito prejudicial. Existem variados tipos de transtornos em diferentes graus e com diversos tratamentos. 

O que a Psicologia diz a respeito da ansiedade? 

A Psicologia trata a ansiedade como parte da vida, mas em algumas pessoas o quadro é diagnosticado como patologia. “As pessoas estão vivendo de uma forma tão intensa e acelerada que não estão dando conta disso”, afirma a psicóloga Sandra Dutra. Segundo ela, as pessoas precisam buscar qualidade de vida, ou seja, ir desacelerando. “A ansiedade exagerada pode afetar o dia a dia da pessoa que se encontra nesta condição e pode levar à depressão. A pessoa pode sofrer ataques de pânico, fobias, pensamentos obsessivos e paralisações. Geralmente quem sofre com esses transtornos tem sua rotina prejudicada, relações pessoais abaladas e simples tarefas de sua rotina acabam virando um sacrifício a ser realizado”, diz a psicóloga.

Há diversas alternativas para enfrentar as ansiedades. Uma delas é buscar por um profissional capacitado na área que poderá orientar o paciente ou, dependendo do caso, fazer tratamentos que envolvem o uso de remédios ou apenas sessões de terapia.  

A psicóloga Sandra Dutra diz que são muitos os métodos utilizados com pacientes que apresentam transtorno de ansiedade. Para ela, o psicólogo acaba sendo parte do primeiro contato de quem lida com a doença. “Na maioria dos hospitais brasileiros você nunca vai encontrar um psiquiatra de plantão. O paciente vai encontrar a recomendação de ser atendido primeiramente por um psicólogo. É necessário que o profissional seja sempre capaz de fazer uma triagem psiquiátrica adequada e assumir o caso e levar ao encaminhamento devido”, relata.

Sandra diz que o psicólogo deseja que o paciente fale porque acredita que falando ele simboliza seus sofrimentos e assim consegue dissolver sua angústia e realizar o tratamento adequado. “Geralmente os pacientes em nível muito grande de ansiedade, quando procuram imediatamente o pronto-socorro, chegam com queixas de que estão morrendo, de que estão tendo ataque do coração ou chegam desmaiados, com relatos dos familiares de que sofreram uma convulsão”, diz. Ela complementa que após o atendimento médico da emergência de um hospital, nesses casos, geralmente não é encontrado nada de orgânico no fato. O paciente é medicado com calmante e logo é dispensado com frases do tipo “ você não tem nada”, “isto é emocional”. Esses pacientes costumam receber diagnósticos como síndrome conversiva, histeria, síndrome do pânico, distúrbio neurológico ou outros rótulos pejorativos como “chilique” e “piripaque”, afirma Sandra. 

A psicóloga diz que “o psicólogo deve fazer o diagnóstico correto e providenciar o encaminhamento para tratamento adequado”. "Não é verdade que o paciente não tem nada. Ele tem, sim. Acontece que o problema que ele tem não aparece em nenhum exame, pois o que ele tem é transtorno de ansiedade que chega a constar no CID 10, que é a classificação internacional de doenças", afirma.

 Para Sandra Dutra, o psicólogo tem o dever de ajudar um paciente que se encontra em crise. “Os ensinamentos e leituras acadêmicas nunca se comparam ao que realmente acontece no momento de crise. Por mais que haja horas de leitura e reflexão teórica sobre a temática, o psicólogo terá que aprender na prática, pois cada caso é único e requer muita atenção e cuidado”, afirma. 

Sandra cita que uma predisposição genética pode, sim, ter um papel importante no desencadeamento da doença. “Os transtornos de ansiedade podem estar sobrepostos entre si a outros tipos de transtorno mentais, como depressão, alcoolismo, abusos ou dependência de drogas. Estudos mostram que os transtornos de ansiedade ocorrem com uma grande frequência na população. No entanto, boa parte das pessoas que são acometidas por transtorno de ansiedade não procuram tratamento. Os transtornos que ocorrem com maior frequência na população são as fobias”, observa a psicóloga.

 Para Sandra, quando se fala de traço de personalidade, não se pode deixar de pensar na influência que eles têm na maneira como o indivíduo lida com a vida. Ela acredita que desse modo todos estão sujeitos a terem algum medo ou fobia durante toda a vida. A forma como se encara é que faz a diferença. “Vai de cada um achar a melhor forma de solucionar seu problema, sendo através de um psicólogo, religioso ou amigo. Buscar uma solução e evitar um problema é sempre melhor do que solucioná-lo quando o caso tiver progredido”, afirma a psicóloga.

O que sentem as pessoas que lidam com os transtornos de ansiedade? 

Há uma grande curiosidade sobre a rotina de quem lida com a ansiedade diariamente. Fobias, ataques do pânico, TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo), ansiedade mista, transtorno alimentar, tricotilomania (arrancar os cabelos). Há quem não conheça essas doenças ou não tenha encontrado a solução do seu caso.

A senhora R., 80 anos, aposentada, sofre de ansiedade há cerca de 60 anos e convive diariamente com a doença (a pedido dos entrevistados, algumas identiades foram omitidas no texto). “Eu não tinha vontade de viver”, diz R. Sua infância pacata no interior deixou boas lembranças. Nada era preocupação, a vida era tranquila. Com o passar dos anos ela se mudou para a capital, Belém, conheceu um rapaz, namoraram, casaram e tiveram filhos. O relacionamento começou a não dar certo. Brigas e desentendimentos eram cada vez mais constantes.

 A mulher alegre que sonhava em ser feliz é cada dia mais tolhida. A vida passou a girar em torno da família. Cuidar da casa e dos filhos era sua obrigação. “Eu arrumava a casa mais de quatro vezes por dia. Tudo tinha que estar impecável”, afirma R. Isso desencadeou um transtorno para toda a vida.

R. conta que a ansiedade foi aos poucos tomando sua vida. O primeiro sintoma apareceu primeiramente com uma tristeza profunda e uma falta de interesse em todos os âmbitos da vida. “Eu não tinha vontade pra nada, e qualquer coisa era desculpa para eu não sair de casa, quando eu preciso fazer algo eu me preocupo demais, é como se viesse um turbilhão de pensamentos. Nessas horas é melhor não fazer nada do que tentar solucionar”, disse.

No caso de R., a rotina estressante e a cobrança excessiva no sentido de superar as expectativas e ser uma mulher perfeita desencadearam o quadro de transtorno de ansiedade mista e depressão. O uso de remédios controlados foi necessário e acompanha a paciente até hoje.

  Uma pessoa ansiosa busca a todo momento resolver imediatamente o que nem aconteceu, o que está previsto e o que pode vir a acontecer. A pessoa se consome de maneira excessiva e luta a todo momento com o seu pensamento. Segundo o psiquiatra Elenilson José Santos, 50 anos, os tratamentos recomendados para quem sofre de transtorno de ansiedade são: psicoterapia, psicotrópico (medicação), terapia ocupacional e uma dieta rica em triptofano, aminoácido precursor de serotonina, neurotransmissor responsável pela sensação de prazer. 

A senhora F., 58 anos, é servidora pública. Apresenta desde criança transtorno de ansiedade. Sempre sofreu principalmente por não aceitar seu corpo. “Desde pequena eu me sentia retraída, sempre tive muita vergonha, não falava muito e não me abria com as pessoas, acredito que isso tenha me feito muito mal e já podia ser algum sinal”, diz F. 

Com o passar dos anos, a falta de diálogo e atenção com a doença aumentavam. Os problemas que apareciam na vida de F. eram sinônimo de desespero. “Eu já fiz um buraco na minha cabeça. Era a única maneira de liberar alguma emoção, de fazer algo. Eu queria resolver meus problemas, mas eu estava paralisada. Foram os piores anos da minha vida”, disse. 

 Há transtornos em que as pessoas se mutilam, e querem de qualquer maneira solucionar seus problemas. O caso da paciente foi detectado pelo psiquiatra que lhe acompanhava como tricotilomania (arrancar os cabelos). O ato é feito inconscientemente e pode levar à calvície. Segundo o psiquiatra Elenilson Santos, quando a doença estiver atrapalhando a rotina é hora de procurar ajuda médica. “É muito difícil você aceitar que tem um problema desse. Minha primeira experiência em arrancar meu cabelo veio mais ou menos nos 30 anos de idade. Começou com uma preocupação excessiva em relação a tudo que aparecia. Eu ficava na sala pensando e quando via já tinha arrancado vários cabelos. Eu nem sentia dor, mas percebi que não era algo normal e procurei ajuda médica”, disse F..

Segundo F., o maior desafio é ter que encarar alguma situação passando por uma crise. “Você tem uma obrigação, mas nesse dia está mal, e não quer sair de casa. É terrível.”  A falta de compreensão das pessoas é um fator relevante na vida de quem sofre de transtornos de ansiedade. Falta esclarecimento para a maior parte da população. Os transtornos mais comuns, segundo o psiquiatra Elenilson, são: transtorno do pânico, agorafobia (medo de ficar em espaços públicos), TOC, transtorno de ansiedade mista.

O psiquiatra complementa que, devido às alterações hormonais do ciclo menstrual e do climatério, mulheres são mais suscetíveis a desenvolverem algum tipo de transtorno de ansiedade. Mas ainda há casos de crianças, idosos e homens que sofrem com a doença.  

É o caso de L., 27 anos, militar. Aos 15 anos de idade L. se deparou com suas primeiras crises. Não queria sair de casa, tinha pânico de ser assaltado, medo de morrer. Logo depois vieram os pensamentos perturbadores. “Eu pensava algo surreal, eu sei, era impossível de acontecer, mas na minha cabeça ia acontecer de qualquer forma”, disse L., que no primeiro momento contou apenas com a ajuda da mãe. 

Aos 23 anos L. teve uma crise intensa. Os pensamentos eram cada vez mais perturbadores e os medos ficavam mais frequentes. L. não queria sair de casa e quando isso acontecia se sentia paralisado, chorava nos locais e tinha muito medo. 

Segundo o psiquiatra Elenilson Santos, os transtornos de ansiedade se intensificam na maioria dos casos na transição da vida adolescente para adulta. Os conflitos internos são maiores e as dúvidas em relação ao futuro aumentam. Tudo vira novidade e isso pode contribuir para o desencadeamento da doença, além do fator genético e da rotina estressante. 

L. diz que usou medicamentos por um período de três anos, mas com a melhora do quadro não faz mais uso de nenhum tipo de remédio. Esporadicamente tem consultas com sua psicóloga e consegue levar uma vida normal. Segundo o psiquiatra Elenilson Santos, a partir de dois anos com o quadro clínico estável sem apresentar sintomas da doença a pessoa pode ser liberada do uso de medicamentos.

O psiquiatra diz que o uso de remédios é recomendado quando a ansiedade é apresentada em grau moderado e grave. A pessoa precisa buscar tratamento. Quando a doença não é tratada de maneira correta é praticamente impossível o paciente obter cura, e a doença pode evoluir e se agravar até a morte. 

A senhora P., 56 anos, trabalha como autônoma e se viu desesperada após o fim do casamento. A paciente sentia necessidade de comer tudo o que via. “Eu tinha 30 anos na época. Meu casamento não estava indo bem e me separei. Parece que tudo ia mal. A minha forma de descontar era na comida. Eu comia sem prazer nenhum, eu só queria liberar de alguma forma aquilo que eu estava sentindo, mas era pior, depois eu me sentia mais mal ainda.”

P. conta que sentia um misto de emoções, e nada parecia fazer sentido. “Tinha horas que nem eu sabia o que eu queria, mas graças a Deus, quando eu comecei meu tratamento e uso de remédios, eu me vi melhor”, disse. Os remédios são os ansiolíticos, antidepressivos ou beta-bloqueadores, por exemplo, e só devem ser usados se forem indicados pelo clínico geral ou psiquiatra. Há também quem busque métodos naturais e aposte na alimentação, complementa o psiquiatra Elenilson. 

A alimentação  como aliada no controle da ansiedade

A nutricionista Natália Diniz, 33 anos, especializada em Terapia Nutricional, apontou a importância da alimentação no controle da ansiedade. “O que poucos sabem é que os alimentos influenciam diretamente nesse processo”, diz a nutricionista. “Sentir ansiedade antes de situações consideradas desesperadoras é natural. Mas existem formas de equilibrar os níveis de ansiedade e aquilo que você come influencia no seu organismo de dentro para fora”, completa.

A nutricionista fala que é necessário o alerta em relação aos tipos de alimentos consumidos e principalmente à qualidade deles. Ela reforça que os alimentos pobres em nutrientes e ricos em açúcares, sódio e gorduras saturadas acabam escondendo a ansiedade por pequenos períodos e pioram o quadro.  “O consumo excessivo de açúcares pode ter ligação com mudanças na flora bacteriana do intestino. Esses consumos podem permitir o crescimento de bactérias que se alimentam preferencialmente de açúcares e estas bactérias desenvolvem a capacidade de inibir a produção cerebral de serotonina”, afirma Natália. 

A nutricionista reforça que é importante introduzir na rotina alimentos que transportam neurotransmissores ao cérebro. “São eles que regulam o humor, energia, apetite e levam informação ao cérebro” , complementa 

Segundo Natália, os piores alimentos para aumentar a ansiedade e que precisam ser evitados, além de carboidratos, frituras e alimentos processados, são:

açúcar e álcool - provocam alteração no humor e o aumento da ansiedade, mudam níveis de serotonina e causam danos;

café - aumenta o nível de ansiedade, deve ser reduzido para 1 xícara ao dia.

Os melhores alimentos para aliviar o nível de estresse e controlar os transtornos de ansiedade e que são eficazes contra a depressão e relaxam os nervos, segundo a nutricionista, são:

gordura EPA - encontrada principalmente no ômega3, peixes gordurosos, frutos do mar, linhaça, chia, nozes e óleos de peixe;

cálcio - encontrado na couve, gergelim, sardinhas, grão de mostarda, brócolis, amêndoas, agrião e quiabo;

vitamina B12 Kefir - encontraa no salmão selvagem, ovos, aves domésticas, peixes e vegetais verdes (folhosos);

magnésio - encontrado no salmão, figo, abacate, coentro, algas, castanha de caju, espinafre, acelga, banana e chocolate amargo.

As vitaminas B12 e B também são essenciais para manter e apoiar a saúde do sistema neurológico, energia e equilíbrio hormonal, o que influencia no humor e no bem-estar. A vitamina B ajuda a produzir serotonina. “Vale ressaltar que a reeducação alimentar é benéfica para o bom funcionamento do corpo e da mente. Assim como a qualidade de vida em geral. Nunca deixe de procurar um bom profissional médico”, destacou a nutricionista.

Por Maria Rita Kapazi, jornalista, especialmente para o LeiaJá.

 

 

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