Bélgica, rota de trânsito para traficantes de migrantes

Atualmente, em solo belga, há entre 800 e 1.000 migrantes aguardando uma solução para atravessar o Canal da Mancha através de Zeebrugge ou nos portos franceses próximos à fronteira belga

qui, 24/10/2019 - 12:15
Ben Stansall A polícia levou o caminhão onde 39 corpos apareceram em 23 de outubro de 2019 em uma área industrial em Grays, leste de Londres Ben Stansall

A Bélgica é uma importante rota de trânsito para migrantes e redes de traficantes que buscam aproveitar a proximidade do Reino Unido, como demonstra a recente descoberta de 39 pessoas mortas em um caminhão, em área industrial a leste de Londres.

A promotoria belga logo iniciou uma investigação, paralelamente às investigações britânicas.

Embora o contêiner acoplado ao caminhão tenha viajado em uma balsa que partiu do porto belga de Zeebrugge, na tarde de terça-feira (22), ninguém prova "por enquanto", segundo a promotoria, que as vítimas estavam à bordo na Bélgica. A polícia britânica anunciou que eram de nacionalidade chinesa.

"A investigação determinará desde quando estão mortos. É possível que o contêiner tenha atravessado o Canal da Mancha com os migrantes já mortos a bordo", afirmou à AFP François Gemenne, especialista em migração.

A rota usada mostra que a Bélgica, devido à sua localização geográfica a cem quilômetros da costa inglesa, é um eixo privilegiado para chegar ao Reino Unido.

Atualmente, em solo belga, há entre 800 e 1.000 migrantes aguardando uma solução para atravessar o Canal da Mancha através de Zeebrugge ou nos portos franceses próximos à fronteira belga.

Esse número se mantém estável há três anos, quando a Bélgica sentiu as consequências do desmantelamento de um gigantesco campo improvisado que recebeu mais de 8.000 pessoas em Calais (norte da França).

Os migrantes e, seguindo seu rastro, os traficantes que administram suas viagens, retiraram-se em parte para a Bélgica.

"Existe um triângulo Paris-Bruxelas-Calais no qual os migrantes se deslocam", afirma Mehdi Kassou, que atua junto a uma rede de cidadãos que abrigam migrantes em situação irregular, geralmente do Sudão, Eritreia e Etiópia.

Segundo Kassou, "se há uma evacuação de um acampamento na França, como aconteceu recentemente em Grande-Synthe, entre 70 e 80 pessoas tentam nos dias seguintes chegar a Bruxelas ou Paris para encontrar ajuda".

- "Ninguém reivindica a mercadoria" -

Gemenne, cientista político da Universidade de Liège, explica que as operações policiais determinam atualmente "as rotas migratórias".

Na Bélgica, a vigilância policial foi reforçada em estacionamentos de auto-estradas, onde estacionam caminhões a caminho do Reino Unido, nos quais migrantes tentam se esconder durante a noite.

Isso levou os traficantes a adaptarem seus métodos. Uma rede desmontada no final de setembro organizou, por exemplo, travessias clandestinas da Albânia a partir de sua base, localizada em um hotel em Gante (noroeste) e com a cumplicidade de vários motoristas de caminhão.

Precisa-se de mais meios para combater o tráfico de seres humanos? Para os especialistas consultados pela AFP, a velocidade com que os políticos acusam essas redes quando ocorre um drama oculta sua incapacidade de alcançar "soluções duradouras" para esse problema conjuntural.

O regulamento de Dublin confia aos países por onde os migrantes entram na Europa, especialmente através da Grécia, Itália e Espanha, o gerenciamento de suas solicitações de asilo, mas o bloco tenta há anos, sem sucesso, reformar essa política de asilo.

"Estamos presos em uma situação que inevitavelmente leva pessoas à morte ou aos braços de traficantes que as levarão à morte", estima Kassou.

Para Gemenne, "enquanto a Inglaterra continuar sendo um destino atraente, como ocorre há muito tempo e continuará ocorrendo sem dúvida, mesmo após o Brexit, haverá migrantes que absolutamente desejarão atravessar essa fronteira".

Gemenne sugere negociar com Londres para estabelecer "talvez uma cota anual [de migrantes] ou, em qualquer caso, rotas legais e seguras" de trânsito.

"Os traficantes não dão a mínima para o destino dos migrantes", acrescenta o cientista político, para quem "a característica sórdida desse tráfico é que, se a mercadoria é perdida, ninguém a reivindica".

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