Violência doméstica, outra epidemia em um Iraque confinado

Desde o início do confinamento, a violência doméstica no país aumentou 30%

dom, 26/04/2020 - 12:27
Hussein FALEH Crianças iraquianas olham pela janela em meio ao confinamento devido à pandemia fr COVID-19, na cidade de Basra, no sul, em 25 de abril de 2020 Hussein FALEH

A mãe de Malak, de 20 anos, pede morfina para a filha. Sob as ataduras está a mais recente vítima da "epidemia de violência doméstica" no Iraque, que foi agravada pelo confinamento.

Nas últimas semanas, quando as famílias se trancaram em suas casas por ordem de um governo preocupado com a sobrecarga em seus hospitais por pacientes com Covid-19, ativistas e autoridades internacionais viram outro triste balanço crescer.

"Em uma semana, computamos o estupro de uma mulher com deficiência, violências conjugais, queimaduras, mutilações de mulheres vítimas de abusos, menores vítimas de abuso sexual e um suicídio, entre outros crimes", segundo agências da ONU que operam no Iraque.

Malak al Zubeidi "só queria receber a visita de sua família", conta à AFP Hana Edward, ativista pelos direitos das mulheres no Iraque há décadas.

Seu marido, um policial, a proibia há oito meses. Em 8 de abril, "movida pela emoção, [a mulher] ameaçou se incendiar". "O marido respondeu: 'Vá em frente, faça', e ela fez", explica Edward.

"Ele a viu queimar por três minutos", continua a ONG Human Rights Watch (HRW), que cita a mãe de Malak. "E ele não a levou ao hospital até uma hora depois".

Dez dias depois, a mulher faleceu.

Trancados juntos

Desde o início do confinamento, a violência doméstica no país aumentou 30% - e até 50% em alguns lugares -, assegura à AFP o general Ghalib Atiya, chefe da seção de polícia responsável pelos assuntos de família.

Para Hana Edward, isso ocorre porque o confinamento deixou muitos chefes de família sem ocupação, e acima de tudo sem renda, e seus filhos sem escola.

"As pessoas ficam trancadas em casa por muitas horas e, às vezes, as coisas mais insignificantes levam a disputas que terminam em violência", diz.

Na província de Wassit, na fronteira leste com o Irã, um médico de 58 anos matou sua esposa porque ela não permitia que ele vendesse um terreno em seu nome, disse à AFP Sajjad Hussein, advogado de direitos humanos.

Em Samarra, norte de Bagdá, a imagem de uma menina de 10 anos de idade chorando comoveu nas redes sociais. Com os dois braços quebrados pelos golpes de seu pai, Saba implora: "Não quero ver meu pai, ele me bate todos os dias".

"Ele nos diz que é 'para educar'", insiste sua mãe, divorciada.

Educar e punir são as palavras preferidas dos agressores. A lei não é clara em um país onde, segundo a ONU, 46% das mulheres casadas dizem ter sido vítimas de violência doméstica e um terço delas de violência física e sexual.

Deputados ausentes, tribos no comando

Por seu lado, 85% dos iraquianos dizem que impediriam uma mulher de sua família de registrar uma queixa, diz a Organização Internacional para as Migrações (OIM).

Além disso, na ausência de casas ou estruturas de acolhida, a polícia geralmente é forçada a oferecer prisão como alternativa às mulheres que denunciam.

No outro lado da moeda, os autores de crimes têm a lei do seu lado.

De acordo com o artigo 41 do código penal iraquiano, o marido tem o direito de "punir" sua esposa e filhos "dentro dos limites da lei e dos costumes" e fornece, como em outros países da região, penas mais leves para crimes de "honra".

Há anos, Afrah al Qaissi e outros defendem que a lei seja mais rigorosa.

"Em cada ocasião, há um bloqueio dos deputados que afirmam se identificar com sentimentos religiosos e islâmicos ou argumentam que desejam descongestionar os tribunais".

"Não deveríamos precisar de uma pandemia para os parlamentares lidarem com a outra pandemia, a da violência doméstica", alerta Belkis Wille, da HRW.

No caso de Malak, por exemplo, embora seu marido, sogro e tio tenham sido detidos, eles pegariam apenas seis meses de prisão por "negar ajuda a uma pessoa em perigo".

Além disso, como costuma ser o caso no Iraque, podem escapar da justiça, pois geralmente são as tribos que solucionam os problemas de família.

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