Em Serra Leoa, o medo do coronavírus favorece a malária
Médicos ficam assustados com a gravidade dos casos que chegam às clínicas
Nas zonas rurais de Serra Leoa, os médicos ficam assustados com a gravidade dos casos que chegam às clínicas, mas a situação de um bebê de 18 meses surpreendeu pelo acúmulo de patologias, incluindo a malária, uma enfermidade antiga que avança com o medo do coronavírus.
Quando a menina foi internada em julho no hospital de Hangha, sudeste do país, o diagnóstico não era habitual, mesmo neste país do oeste da África que tem uma das taxas de mortalidade infantil mais elevadas do planeta. Ela apresentava um quadro de pneumonia grave, diarreia e malária.
"Ela não conseguia nem sentar", conta a mãe, Adama Ansumana, na UTI, com a filha adormecida no colo. A criança está fora de perigo, mas os médicos constataram com preocupação o aumento de casos extremos desde que os pacientes deixaram de comparecer aos hospitais por medo de infecção do novo coronavírus.
A ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF), que coordena o hospital de Hangha, que fica a alguns quilômetros de Kenema, terceira maior cidade do país, a 300 km da capital Freetown, afirma que desde março as internações caíram 40% nesta estrutura de 63 leitos.
A falta de acompanhamento médico é particularmente perigosa para as crianças durante a temporada de chuvas, pois os casos de malária disparam com o aumento da presença de mosquitos.
Remédios tóxicos
A malária é uma das doenças mais antigas e devastadoras do continente africano. Causada pelos parasitas transmitidos pelas picadas dos mosquito 'anopheles' infectado, a enfermidade provoca febres altas, dores de cabeça e dores musculares, que podem resultar em uma anemia grave, problemas respiratórios e afetar os órgãos ou o cérebro sem um tratamento rápido.
No ano de 2017 foram registrados 219 milhões de infecções no mundo, com 435.000 mortes. Mais de 90% das vítimas são africanas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
"Enfrentamos a epidemia de malária, com sintomas de desnutrição severa na maior parte dos casos de menores que chegam ao hospital", explica a pediatra belga Laure Joachim, que integra a equipe da MSF no hospital de Hangha.
Com o temor de contágio do novo coronavírus, muitos pais recorrem à medicina tradicional, algo que frequentemente agrava as patologias.
"Muitas crianças estão gravemente enfermas, com falência de vários órgãos, já que as plantas tradicionais são tóxicas", diz a pediatra.
Apesar do solo repleto de diamantes, em particular na região de Kenema, Serra Leoa é um dos países mais pobres do planeta, com um sistema de saúde particularmente deficiente.
Trauma e desinformação
A ex-colônia britânica de 7,5 milhões de habitantes foi muito afetada pela epidemia de ebola no oeste da África, que matou quase 4.000 pessoas no país entre 2014 e 2016, e tem dificuldades para se recuperar de uma guerra civil que deixou 120.000 mortos, quase duas décadas após o final do conflito.
O temor da médica se explica em grande parte pelo trauma da epidemia de ebola, afirma Sahr Abdulai Surkiti, profissional da saúde que percorre as zonas rurais para conscientizar população, apesar do salário muito pequeno.
"Quando a ambulância levava um paciente de ebola, nunca retornava", recorda. De acordo com a MSF, 200 profissionais da saúde da região de Kenema morreram na epidemia.
As informações falsas sobre a COVID-19 também afastam os pacientes dos hospitais e centros de saúde, que em geral estão mal equipados.
"As pessoas têm medo. E nós não temos água, não temos sequer uma moto para o deslocamento", explica Sarah Vandi, enfermeira no vilarejo isolado de Talia.
"O resultado: a malária continua provocando um grande sofrimento e dizimando famílias em Serra Leona, apesar de o governo ter distribuído desde março quatro milhões de mosquiteiros", lamenta o diretor do departamento de doenças infecciosas do ministério da Saúde, Samuel Juana Smith.