Memorial da Democracia de PE será no Sítio da Trindade
A ideia é que o memorial se transforme em um espaço de visitação, pesquisa e reflexão
Para preservar as memórias que delimitam as fronteiras da democracia, o prefeito João Campos e o governador Paulo Câmara formalizaram, na tarde desta quinta-feira (24), um protocolo de intenções para a criação do Memorial da Democracia de Pernambuco. O espaço funcionará no Sítio Trindade, parque mantido pelo poder público municipal, no bairro de Casa Amarela, conjugando a preservação de áreas verdes, da cultura e do lazer, com a salvaguarda da história da sempre aguerrida capital pernambucana.
“O fato que nos reúne aqui hoje é um dever cívico, é uma obrigação. Colocar no coração do Recife, no Arraial do Bom Jesus, no Sítio Trindade, um memorial permanente da democracia faz a diferença para que todos as gerações que passam por aqui, possam conhecer a nossa história, possam aprender com ela e jamais repetir um tempo tão sombrio como foi vivido no tempo da ditadura militar”, declarou o prefeito do Recife, João Campos.
“A responsabilidade que a gente tem aqui é grande, por poder ver um trabalho que começou há dez anos, com a Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, que teve, sem sombra de dúvidas e com respeito às demais, o trabalho mais profundo e denso entre todas as comissões instaladas no Brasil. A Comissão teve um compromisso de produzir de maneira correta, de maneira profunda, informações que são extremamente importantes serem ditas e, por mais duras que sejam, elas são necessárias para gerações que estão aqui hoje e as que virão”, acrescentou João Campos.
O Memorial da Democracia será instalado no antigo casarão do Sítio, abrigando todo o acervo reunido pela Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara, além de informações sobre as lutas libertárias ocorridas no Estado. São documentos, fotos e vídeos, para resgatar dos porões da história que não foi contada os registros do período da ditadura e da luta por liberdade e democracia em Pernambuco.
A ideia é que o memorial se transforme em um espaço de visitação, pesquisa e reflexão, que promova ações relacionadas à educação, que contribuam para o exercício da cidadania, a valorização dos direitos humanos e para o aprofundamento da democracia.
“Todos os símbolos que enaltecem a democracia, a liberdade de expressão, a livre manifestação do pensamento, o direito de ir e vir, são dignos de nosso respeito e admiração. E acima de tudo, devem ser protegidos e preservados. Nesse ato de hoje estamos assumindo mais um importante compromisso com a memória do nosso povo. Mais um local de preservação do nosso patrimônio que terá relevante função de homenagear a história e a bravura de todos aqueles que lutaram, e ainda lutam, contra o autoritarismo dos governos ditatoriais que de vez em quando teimam em ressurgir. O nosso desejo é que o memorial se transforme em um espaço de visitação, pesquisa e reflexão”, defendeu o governador de Pernambuco, Paulo Câmara.
A iniciativa partiu de uma recomendação do Grupo de Trabalho “Memorial da Democracia de Pernambuco", criado em 2021, por Decreto Estadual, com a finalidade de apontar propostas e formatos para apresentar ao público a história das lutas de resistência e de construção da cidadania do povo pernambucano até as lutas pela democracia e o trabalho resultante da Comissão da Verdade, instituída em 2012.
“Num momento tão duro, em que enfrentamos uma grande ameaça sanitária e até a possibilidade de uma guerra, o mundo precisa confirmar seus processos civilizatórios. Esse casarão do Sítio Trindade guarda uma parte importante da história recifense. E agora poderá cumprir papel ainda mais decisivo na construção de futuros de democracia e liberdade, a partir da reverência da memória de nossas lutas e da confirmação de referências democráticas”, disse o secretário de Cultura do Recife, Ricardo Mello.
Sítio da Trindade
Com uma história comprida, o Sítio sempre foi sinônimo de resistência, desde o século XVII, quando foi erguido ali o Forte Arraial do Bom Jesus ou Arraial Velho. Em maio de 1960, a luta era outra, mas o Sítio seguia sendo importante trincheira, sediando, durante a gestão de Miguel Arraes como prefeito do Recife, o Movimento de Cultura Popular (MCP). Articulação entre poder público e sociedade civil, que envolvia intelectuais e artistas, como Francisco Brennand, Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, Abelardo da Hora e Luiz Mendonça, ao redor de pedagogia libertária de Paulo Freire, o MCP atendeu e alfabetizou milhares de crianças e adultos, ensinando o beabá da cidadania, a partir do uso da cultura popular como instrumento de transformação social.
Após o golpe militar de 1964, tanques do exército avançaram sobre os jardins do Sítio Trindade e o casarão foi invadido. O material pedagógico e as obras de arte foram apreendidos e destruídos, sob o argumento de que se tratava de material subversivo. Muitos dos integrantes do movimento foram vítimas de perseguição, findando presos ou exilados. Uma memória que o Recife não vai deixar que seja esquecida ou negada.