Justiça condena Universal a devolver R$ 200 mil a fiel

Professora de 53 anos doou à instituição religiosa suas economias de cerca de 30 anos de trabalho para obter garantia de bênção divina e um “pedaço no céu”

por Vitória Silva ter, 22/03/2022 - 15:13
Reprodução/Redes Sociais/Igreja Universal Bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal do Reino de Deus Reprodução/Redes Sociais/Igreja Universal

O Tribunal de Justiça de São Paulo determinou que a Igreja Universal do Reino de Deus devolva cerca de R$ 200 mil doados por uma mulher, a quem a instituição religiosa prometeu um “pedaço no céu”. A fiel, uma professora de 53 identificada apenas pelas iniciais F.S., frequenta a Universal desde 1999, época em que passou por problemas pessoais. A vítima passou a ser regular nos cultos religiosos e foi coagida a acreditar que só com suas contribuições seria abençoada por Deus. 

De acordo com o UOL, que teve acesso ao processo na íntegra, entre dezembro de 2017 e junho de 2018, a professora fez as maiores doações, repassando R$ 204.500 à igreja. Apesar de possuir renda mensal de R$ 1.500, afirmou que os valores entregues eram suas economias de 30 anos de trabalho. 

"F.S. realizou as doações porque tinha convicção de que apenas se sacrificando agradaria a Deus e teria a sua bênção", afirmou a defensora pública Yasmin Pestana, representante da professora. Pestana argumentou que a “coação” pode acontecer de diversas formas, não exatamente por intervenção física, mas através de um terror psicológico e da manipulação. 

A Igreja Universal declarou na defesa apresentada à Justiça que não é verdade que coagiu a professora. "A autora [do processo] é maior [de idade] e, portanto, absolutamente capaz de entender e refletir sobre a consequência dos atos praticados, não podendo agora alegar ter sido vítima de coação psicológica, decorrente do discurso litúrgico dos pastores", afirmou. 

A Universal destacou que a professora frequentou a igreja por 18 anos, "sendo profunda conhecedora dos preceitos litúrgicos pregados" pela instituição, e que sempre teve liberdade para escolher outra igreja que melhor lhe atendesse. "Ela sabia das regras de conduta e do ritual propagado”, continuou. 

Afirmou também que o dízimo bíblico, "necessário para o sustento do trabalho religioso", é uma prática que "remonta milênios" e que "não configura violação à lei ou aos costumes". Declarou ainda que a professora se arrependeu de ter feito as doações, mas que isso não é permitido pelos contratos de doação realizada para pessoas jurídicas: "Não pode pretender a devolução do bem e de valores doados por mero arrependimento, uma vez que essas doações foram feitas espontaneamente." 

O juiz Carlos Bottcher afirmou na sentença que a professora foi, sim, vítima de coação e condenou a Universal a devolver os R$ 204,5 mil, "considerando as pressões psicológicas empreendidas pelos membros da organização religiosa para realização das ofertas". 

O magistrado disse também que o Código Civil aponta que são nulas as doações da totalidade dos bens de uma pessoa, de modo a afetar a sua subsistência ou que prejudique o direito dos herdeiros. O valor deverá ser acrescido de correção monetária e juros desde as datas em que as doações foram realizadas. A Universal ainda pode recorrer da decisão. 

 

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