Conheça Ban, um dos heróis da barreira de Milagres

Aslan Farias da Costa, conhecido como Ban, salvou duas vidas em Vila dos Milagres e viu tantas outras sendo perdidas

por Alice Albuquerque sex, 03/06/2022 - 19:51
Júlio Gomes/LeiaJáImagens Aslan Farias da Costa, mais conhecido como Ban, e um dos heróis de Milagres Júlio Gomes/LeiaJáImagens

A todo tempo procurando corpos, entregando marmitas, carregando cestas básicas e dando atenção e suporte a toda a comunidade que o conhece, Aslan Farias da Costa, de 31 anos, mais conhecido como Ban, e que está desempregado, é morador da Vila dos Milagres, no Ibura, Zona Sul do Recife, desde quando nasceu, e foi um dos principais responsáveis por conseguir salvar as poucas vidas (duas) sobreviventes da tragédia anunciada das barreiras de Vila dos Milagres

À reportagem, Ban contou ter acordado no sábado (28) de manhã com o estrondo da primeira das três barreiras que desabaram devido às fortes chuvas no Recife e a ausência do Estado, que deixou 128 pessoas mortas. "Abri a porta para ver se tinha sido a casa da minha vizinha do lado esquerdo, e com menos de um minuto eu escutei meu amigo gritando pela mãe. Já corri, não pensei duas vezes em ajudar e orientei ele a não pisar nos fios para não levar choque. Fiquei gritando junto com ele e a população chegou junto. Conseguimos retirar a mãe e o padrasto dele, mas já estavam em óbito". Por pouco a sua casa não foi atingida e além dele, a esposa e a filha de 3 anos estão salvas.  

Invadido pelo sentimento de solidariedade, impulsividade e empatia, ele ressaltou que não tem como explicar o que viveu. "Não tenho como explicar. De imediato, a minha reação e atitude foi pensar em mim mesmo, porque se fosse na minha casa, os meus amigos poderiam fazer a mesma coisa. A turma aqui ia fazer do mesmo jeito que eu tô fazendo e todos estão fazendo pelos soterrados". 

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"No primeiro desabamento foram dois corpos, que foi o casal de idoso. No segundo, a gente retirou logo cedo e com vida a minha amiga Joice, com o braço e um pouco da cabeça para o lado de fora. Quando a gente retirou ela, que botou para fora o barro que estava na garganta, ela falou: 'meu esposo tá ali, tira ele'. A gente tentou, tentou, tentou, mas quando retiramos, ele já estava em óbito. A pancada na cabeça foi muito grande. Em seguida, achamos outro rapaz que também tá vivo", detalhou. 

De acordo com Ban, a barreira e a chuva foram tão devastadoras que não daria tempo do socorro chegar para ajudar. "A barreira veio com muita força e muita chuva. Mesmo se os bombeiros tivessem chegado de imediato não tinha como. É impossível ter pego mais gente com vida lá porque é muito barro, muito escombro. A barreira é grande demais. Se tivessem chegado com 10, 15 minutos, iam encontrar os corpos em óbito mesmo. Os corpos estavam todos machucados, cortados".

"Cena de filme", descreveu ele ao falar do ocorrido. "O sentimento é de tristeza, não tem outro para dizer. É muito difícil, tanto que eu travei total quando fui para o segundo desabamento. Depois, voltei a si e comecei a ajudar de novo. Depois chegou a retroescavadeira e começamos a trabalhar junto com ela em orientação dos bombeiros", disse. 

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Todo mundo se conhecia na comunidade, também conhecida como Buracão, pois é o que parece ser vista de cima. "Aqui é muito pequeno, a gente conhece todo mundo e o dia a dia de todo mundo. Tô tirando forças de Deus mesmo, ele que tá me dando força para poder prosseguir. É uma coisa inexplicável, não desejo isso a ninguém. Não tô conseguindo dormir porque qualquer barulho eu já penso que tá caindo casa. Só vou parar quando Deus me disser, 'relaxa, meu filho, descanse". Eu sinto como se fosse comigo o que as famílias estão passando, que a minha vai passar igual", expressou ele, que perdeu vários amigos e conhecidos no mês do próprio aniversário.  

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"A gente mora em barreira porque é o que a gente pode fazer", ressaltou, ao afirmar, em recado aos governantes, que as lonas plásticas "não servem de nada". "Esqueça esse negócio de lona, esqueça. Lona não ajuda, não. Lona só faz adiar a morte da pessoa que mora em barreira, só isso. É inexplicável, todas as barreiras tinham lona e mesmo assim caiu. Ela nunca foi eficaz para segurar a força da natureza. Tenho fé que os governantes vão olhar mais para cá, vão. Espero que eles olhem mesmo, pelo o que houve esse fim de semana no Ibura e nos outros cantos. É um apelo que eu faço para que olhem mais para a sociedade pobre. A gente precisa de ajuda, muita ajuda. Tem muita gente que mora em lugares piores", pediu. 

"Pernambuco tá de luto em peso. É um trauma geral. E isso tá marcado. Quando a gente viu os vídeos, a barreira caindo é a mesma situação de Brumadinho", lamentou. 

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