Planta parecida com a cannabis gera esperança no Brasil

A espécie Trema micrantha Blume, de crescimento rápido, é nativa das Américas, onde é amplamente encontrada e frequentemente considerada uma erva daninha

ter, 04/07/2023 - 10:27
CARL DE SOUZA O biólogo molecular Rodrigo Moura Neto inspeciona uma planta em um laboratório da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 23 de junho de 2023 CARL DE SOUZA

Em um discreto laboratório em um campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o biólogo molecular Rodrigo Moura Neto realiza experimentos com uma planta de aparência comum que guarda um segredo.

A espécie Trema micrantha Blume, de crescimento rápido, é nativa das Américas, onde é amplamente encontrada e frequentemente considerada uma erva daninha.

No entanto, Moura Neto descobriu recentemente que seus frutos e flores contêm um dos ingredientes ativos da maconha: o canabidiol, ou CBD, que tem se mostrado promissor no tratamento de condições como epilepsia, autismo, ansiedade e dores crônicas.

O pesquisador também descobriu que a planta não contém o ingrediente psicoativo da maconha, o tetrahidrocanabinol, ou THC.

Isso abre a possibilidade de uma revolução: ter uma nova e abundante fonte de CBD, sem as complicações do uso de cannabis, que é ilegal em muitos países.

A descoberta transformou Moura Neto em uma espécie de estrela acadêmica, um homem afável de 66 anos, com cabelos grisalhos, cuja agenda está cheia de reuniões com especialistas em patentes e empresas interessadas em explorar o mercado bilionário de CBD.

"Para mim, foi um prêmio encontrar uma planta (com CBD, mas) que não tivesse THC, porque você se livra de toda a embrulhada do psicotrópico", diz Moura Neto, que passou a maior parte das últimas cinco décadas pesquisando neste pequeno laboratório.

"O potencial é enorme", afirma à AFP.

Sua equipe de 10 pesquisadores recebeu, recentemente, R$ 500 mil em recursos públicos para expandir seu projeto, que agora buscará identificar os melhores métodos para extrair o CBD da Trema e estudar sua eficácia como substituto da maconha para fins medicinais.

- "Planta mágica" -

Muitos dos usos medicinais do CBD ainda estão sendo investigados.

A substância é controversa até mesmo no Brasil, onde muitos pacientes têm recorrido aos tribunais para poder usá-la, ou têm pago preços altos para importá-la.

O cultivo de maconha medicinal é ilegal no país, embora o Congresso esteja analisando um projeto que poderia mudar essa situação.

A demanda por CBD está em alta no mundo: esse mercado alcançou quase US$ 5 bilhões (R$ 24 bilhões) em 2022. E é projetado um crescimento acima de US$ 47 bilhões (R$ 225 bilhões) até 2028, impulsionado principalmente pela saúde e bem-estar.

O interesse pela pesquisa de Moura Neto tem sido "enorme", diz Rosane Silva, diretora de seu laboratório, que fica em um corredor cheio de estudantes e pesquisadores de jalecos brancos.

"Muitas empresas já estão ligando para a gente para fazer colaboração" em um eventual medicamento com CBD, diz Silva, ao lado do que ela chama de "planta mágica".

Membro da família Canabácea, como a cannabis, a Trema pode se transformar em uma árvore de até 20 metros de altura.

Moura Neto está considerando a possibilidade de patentear qualquer inovação para extrair o CBD de seus pequenos frutos e flores, mas acrescenta que não fará isso com a própria planta, porque deseja que a comunidade científica possa pesquisá-la.

"Se eu sonhasse com ser bilionário, não teria seguido a carreira de professor", diz.

- Do laboratório ao mercado? -

Geneticista forense, Moura Neto começou a estudar o CBD para colaborar com a polícia: ele analisava o DNA da maconha apreendida para rastrear sua origem.

Quando ele se deparou com um estudo que identificava a presença de CBD em uma planta na Tailândia, também da família Canabácea, teve a ideia de procurá-lo na Trema.

Segundo Moura Neta, transformar sua descoberta - ainda não publicada em uma revista científica - em um medicamento comercial pode levar de cinco a dez anos. Ele está ciente, no entanto, de que o CBD da Trema também pode não funcionar tão bem, ou nem mesmo funcionar, como o da cannabis.

E descarta fumar a planta para obter um efeito psicoativo. "Não adianta nada", ri.

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