Comissão da Verdade faz primeira audiência pública

Integrantes da comissão ouviram os relatos dos ex presos políticos sobre o assassinato de Odijas Carvalho de Souza.

qui, 18/10/2012 - 21:21

“Odijas foi assassinado, eu vi as mais bárbaras e crueis torturas, ele foi triturado a base de porrada. É importante que o Estado tome um posicionamento, pois os torturadores deveriam estar mofando na cadeia”. Foi assim que começou o depoimento da professora universitária Lilia Guedes, presa depois do golpe militar de 1964. Ela, o Presidente da Funase, Alberto Vinícius, o atual deputado estadual de Goiás, Tarzan de Castro (PDC) e sua esposa Maria Cristina Castro, participaram da primeira audiência pública da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara.

Durante a tarde desta quinta-feira, no auditório do Banco Central, os integrantes da Comissão ouviram os relatos dos ex-presos políticos sobre o assassinato do líder estudantil Odijas Carvalho de Souza, em 1971. Os depoimentos relataram o Estado brasileiro no seu período obscuro, sem liberdade de expressão, liberdade artística, de comunicação, com os direitos civis cerceados e com a implantação do medo nas universidades, nas ruas e nas instituições públicas.

Os militares resolviam seus problemas políticos por meio da violência. “Eu era uma estudante secundarista, me envolvi com o grêmio estudantil no Estado do Ceará, depois me engajei na militância política de esquerda e entrei para a clandestinidade. Me prenderam no Recife porque distribuíamos panfletos e pichávamos os ônibus pedindo que as pessoas votassem nulo”, revelou Lilia Guedes (foto).

A professora universitária viveu cerca de três meses na praia de Marinha Farinha, em Paulista, na mesma casa onde Odijas e sua esposa moravam na clandestinidade. Depois das prisões, segundo os relatos dos depoentes, as torturas aconteciam na sede do Departamento de Ordem Política e Social (DOPs) da Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco. Os documentos dessas instituições relatam que Odijas morreu por causa de um edema pulmonar e foi sepultado no Cemitério dos Ingleses, no bairro de Santo Amaro, no Recife, como "Osias de Carvalho Souza", nome forjado pelo governo militar para despistar o assassinato.

“Ele estava com 25 anos, corria na praia regularmente e não tinha nenhum problema de saúde. Não morreria de edema pulmonar se não fosse massacrado. Os militares deram um atestado de óbito falso. Passei dois anos presa, não fiquei com sequelas físicas, mas tenho indignação e sede de justiça”, denunciou Lilia que, em conjunto com outros depoentes, reconheceu os nomes dos algozes, mandatários e responsáveis por praticar a tortura nas dependências da Secretaria de Segurança.

Dentre os nomes citados, se destacam o secretário de segurança de Pernambuco e então reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Armando Samico, o delegado José Silvestre e um dos agentes da ditadura reconhecido pelo nome de "Miranda". “Foram 17 horas seguidas de violência, das celas nós ouvíamos os gritos, pancadas e perguntas dos torturadores em busca de informações. Contávamos os gritos.. passaram dos 300. Depois disso ele ficou todo arrebentado e urinando sangue e, até o dia de sua morte, não sofreu mais torturas físicas, somente psicológicas”, contou Alberto Vinícius.

Segundo o ex-preso político, o secretário de segurança não participava das torturas, somente os delegados e agentes. “Com a morte de Odijas os presos saíram do DOPs e eram torturados no exército e na aeronáutica. Lá conheci a força do coronel Caros Alberto Bravo Câmara e do tenente Castilho. Depois fui para a prisão Barreto Campelo, na Ilha de Itamaracá, onde ficávamos em celas reservadas para presos políticos”, relatou Alberto Vinicius.

 

Denúncia - Esse período no DOPs de Pernambuco fez os presos escreverem e assinarem uma denúncia que foi entregue aos Direitos Humanos internacionais. Alberto Vinícius informou que o texto foi transcrito em um papel de cigarros. “Precisávamos revelar o que estava acontecendo, nosso relato chegou às mãos de Dom Helder Câmara e a Arquidiocese (de Olinda e Recife) fez esse documento chegar ao exterior tendo um repercussão internacional. Esse documento está arquivado no Instituto Miguel Arraes”, afirmou.

O deputado Tarzan Castro revelou que uma das coisas que motivaram a morte do Odijas foi o seu silêncio. “O silêncio dele causava ódio nos torturadores, que se sentiam desafiados e batiam cada vez mais. Ele chegava arrebentado na minha cela, passava algumas horas e depois o levavam para o 'pau de arara'. Passei por outras prisões e vi muita tortura no Chile, mas as pancadas aqui eram para matar. Cheguei a falar que ele não iria aguentar e o secretário de segurança me respondia que isso era 'um esparro'”, revelou Tarzan de Castro.

Odijas foi detido no DOPs para averiguação, mas no prontuário da polícia não constava nenhum depoimento do preso. Após escutar os relatos proferidos, os membros da comissão estadual decidiram enviar um ofício ao governo de Pernambuco solicitanto informações sobre os agentes da ditadura militar que foram citados nos depoimentos. Os que estiverem vivos serão convocados para prestar esclarecimentos sobre os casos.

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