Faria: de ativista anticorrupção a investigado na CPI
Conversas do WhatsApp mostram que o lobista tem entrada no governo federal e cultiva relações com pessoas do círculo do presidente Bolsonaro
Do alto de um trio elétrico, em uma manifestação na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, um homem brada ao microfone, em direção à multidão: "Basta à corrupção!". Vestido de camiseta branca com os dizeres "Vem pra Rua", na parte da frente, e "Organização", nas costas, ele grita: "O gigante acordou". É março de 2015. A campanha contra a presidente recém eleita Dilma Rousseff começa a escalada que mais tarde daria no impeachment da presidente.
Mais de seis anos depois de participar de protestos contra o governo do PT e a corrupção, Marconny Nunes Ribeiro Albernaz de Faria é agora investigado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado. O colegiado apura suspeita de que ele teria feito lobby no Ministério da Saúde para favorecer algumas empresas, como a Precisa Medicamentos.
Chamado para depor no início do mês, Faria não compareceu sob alegação de dor pélvica. A nova oitiva do lobista está agendada para hoje.
O nome do Marconny surgiu na CPI da Covid após o Ministério Público Federal, no Pará, compartilhar o conteúdo de seu celular, apreendido na Operação Hospedeiro, com os senadores. Conversas do WhatsApp mostram que o lobista tem entrada no governo federal e cultiva relações com pessoas do círculo do presidente Jair Bolsonaro.
A CPI já identificou mensagens trocadas por Faria com Jair Renan Bolsonaro, quarto filho do presidente; com as advogadas Ana Cristina Valle, mãe de Jair Renan e segunda ex-mulher de Bolsonaro, a advogada Karina Kufa, que defende o presidente; e com o dono da Precisa, Francisco Maximiano. As conversas mostram que, em setembro de 2020, o lobista ajudou Jair Renan a montar sua empresa de eventos.
Faria é bacharel em Direito, tem 39 anos e mora em Brasília. Foi alvo do Ministério Público Federal no Pará. Era suspeito de receber dinheiro para influir na troca da direção do Instituto Evandro Chagas, em Belém. O órgão é vinculado à Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde.
A investigação identificou um suposto esquema no Evandro Chagas. A partir de 2011, por meio de licitações supostamente direcionadas, a empresa Ferpel Comércio e Representação ganhou contratos no órgão. Também concedeu "crédito" ao servidor do instituto Marcio Roberto Teixeira Nunes, diz a operação. Em 2019 e 2020, cerca de R$ 400 mil foram usados, segundo os investigadores, para que o lobista conseguisse ajudar a empresa a nomear a direção do instituto, abrindo contatos em Brasília.
O Estadão teve acesso a uma nota técnica da CGU que analisou as mensagens trocadas, em 2018 e 2019, por Nunes e pelo dono da Ferpel, José Ferreira da Silva Filho. As conversas mostram que os pagamentos ao lobista eram feitos por meio da empresa Gygha Administração Empresarial.
Segundo a investigação, a Gygha é controlada por Arthur Souza Cirilo, motorista de Faria e funcionário registrado em outra empresa do lobista, a M N R A de Faria Administração Empresarial. O advogado atua como "procurador" da Gygha na Junta Comercial do Distrito Federal e perante o Banco do Brasil. Os investigadores descobriram que Gygha é também o apelido do lobista.
O servidor do Evandro Chagas apenas repassava ao empresário os pedidos de dinheiro, segundo a investigação. Entre janeiro de 2019 e 19 de junho daquele ano, a Gygha recebeu R$ 190 mil.
A diretoria idealizada por Nunes e pelo empresário para o Instituto Evandro Chagas foi nomeada em 11 de agosto de 2020, durante a gestão de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde. Nunes se tornou diretor substituto, mas foi exonerado após ser preso. O empresário morreu, vítima da covid-19, no meio do ano passado.
Defesa
O advogado William Falcomer, que defende Marconny Albernaz de Faria, confirmou que o lobista vai prestar depoimento hoje à CPI. A defesa afirmou ainda que Faria "foi vítima de quebra de sigilo e divulgação dados sem autorização judicial, sendo que as ações tramitam em segredo de Justiça, razões pelas quais não serão formalizados pronunciamentos públicos".
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.