CPI não deve causar impeachment e nem afastou apoiadores

Em entrevista ao LeiaJá, cientistas políticos avaliaram os possíveis resultados concretos do relatório-final da CPI da Covid

por Victor Gouveia sex, 08/10/2021 - 10:47
Divulgação/Agência Brasil O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, aperta a mão do presidente Jair Bolsonaro Divulgação/Agência Brasil

Próximo ao desfecho da CPI da Covid, o relator Renan Calheiros (MDB-AL) certificou que vai indiciar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e outras 30 pessoas, incluindo o ministro da Saúde Marcelo Queiroga. Nesses seis meses, o inquérito do Senado desgastou a imagem de Bolsonaro, mas cientistas políticos apontam que a Comissão não deve trazer prejuízos concretos ao presidente.

Os senadores da CPI ouviram ex-ministros da Saúde, médicos do suposto gabinete paralelo, empresários que teriam financiado Fake News e outros envolvidos nas políticas em torno da pandemia. O relatório-final será votado no dia 20 e segue para o Procurador-Geral da República (PGR), Augusto Aras, que tem um mês para avaliar as denúncias.

No texto ao Ministério Público, o senador Calheiros vai pedir a prisão dos indiciados. “Nós utilizaremos os tipos penais do crime comum, do crime de responsabilidade, do crime contra a vida, do crime contra a humanidade e estamos avaliando com relação a indígenas a utilização do genocídio”, elencou.

Iniciada com a oitiva do ministro da Saúde no começo da crise sanitária, o ex-chefe da pasta Luiz Henrique Mandetta (DEM-MT), os depoimentos de caráter multidisciplinar revelaram indícios criminais e debateram sobre pontos polêmicos como o estímulo do falso kit Covid, pacientes servindo de cobaia para estudos de um plano de particular, superfaturamento na compra de imunizantes através de intermediários próximos ao Planalto, o movimento negacionista contra vacinas e máscaras de proteção, o suposto gabinete paralelo que assessorava a Saúde desde o período do general Eduardo Pazzuello e o financiamento de fake news nas redes sociais para minimizar o risco da doença.

Impeachment é um objetivo distante

Na visão do doutor em Ciência Política, Elton Gomes, mesmo com os fortes indícios, a CPI não conseguiu provas substanciais de ilícitos cometidos por Bolsonaro, apenas acusações de negligência que, dificilmente, garantem a abertura do processo de impeachment. "A essa altura se torna cada vez menos viável. Estamos muito próximos do período eleitoral, não há votos na Câmara para afastar o presidente. O presidente Arthur Lira (PP-AL) é um aliado do governo, ainda que circunstancial. Então a possibilidade do relatório trazer alguma coisa para afastar o presidente é próxima de zero", calculou.

"É um indiciamento político, você não precisa ter provas categóricas. Já o processo judicial onde segue depois do relatório político da CPI é diferente, você teria que ter muito mais substâncias", esclareceu o estudioso.

Ele considera que os efeitos da Comissão não devem se refletir nas eleições pelo intervalo. Nesse período de quase um ano, a agenda deve ser tomada por novos fatos econômicos relacionados ao fim da pandemia. 

O cientista político Jorge Oliveira reforça que a Comissão corre no Senado e que não necessariamente se cruza com a atividade da Câmara. Contudo, a falta de mobilização popular é o fator que retém a abertura da discussão sobre o afastamento. "Ainda não saiu do papel pela ausência de protestos de rua massivos e unificados por parte da oposição, e pela postura mais pragmática que Bolsonaro adotou com o Centrão", indica.

Aceite de Augusto Aras é fundamental para o processo

O analista lembra que o processo vai cair no colo do PGR, Augusto Aras, o que dificulta a acusação. Após desprezar a tradicional lista tríplice, o presidente foi quem indicou o procurador para o cargo. Classificado como ‘engavetador’, Oliveira o define como ‘um verdadeiro poste”.

"Não se trata de exagero: Aras não cumpre seu papel e atua mais como um Advogado Geral da União do que como um fiscal da lei. Acho difícil que Aras prossiga com o inquérito, a não ser que haja algum tipo de deserção estratégica de sua parte, antevendo uma iminente saída do Poder de seu chefe", apontou.

Para tentar afastar a impunidade aos demais indiciados, a estratégia do senador Renan Calheiros é desmembrar as denúncias em diversas esferas. “Nós vamos enviar para a Procuradoria-Geral da República apenas o que couber à PGR. E vamos destrinchar [o relatório], para mandar para o Ministério Público do Distrito Federal, de São Paulo, de outros estados, para o Tribunal de Contas da União”, disse.

Incapacidade política para a Defesa

No ponto de vista político, a Comissão mais uma vez comprovou a falta de articulação do presidente, que não teve capacidade de formar uma base de apoio segura. Além da maioria do colegiado – 7 senadores - ser da oposição, os cargos de destaque também foram formados por um núcleo oposicionista com o presidente Omar Aziz (PSD-AM), o vice Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Calheiros (MDB-AL) na relatoria. Do outro lado, quatro senadores tentaram manobrar a defesa.

Mesmo com a boa estratégia que surtiu efeitos negativos à imagem do presidente, Oliveira descreve que a CPI foi abalada por certo despreparo. "Em dados momentos a CPI se perdeu um pouco nos discursos políticos e no mero palavrório de alguns nomes da oposição. Houve também senadores que fisgaram algumas iscas dos bolsonaristas e propiciaram palco negacionista. Faltou preparo de alguns da oposição", destacou.

Efeitos da CPI na gestão da pandemia

Os desdobramentos negativos para o presidente parecem ter pressionado uma mudança na política de enfrentamento à pandemia. Porém, Oliveira assegura que "Bolsonaro continua sendo o que sempre foi e eventuais recuos estratégicos dele não podem ser lidos como mudanças de tom ou moderação". Ele credita os ganhos do controle do vírus aos governadores e ao apoio da Imprensa para conscientizar a população com bases científicas.

Gomes admite que a atividade no Senado deu maior visibilidade à crise sanitária e "fez com que o Governo precisasse adotar uma linha mais proativa, sobretudo no que diz respeito à importação de ingrediente farmacêutico ativo (IFA), produção nacional e distribuição de imunizantes".

CPI fortaleceu militância bolsonarista

Embora tenha ‘fritado’ sua imagem quase que diariamente, a CPI trouxe certo benefício ao presidente com a consolidação da sua militância, sobretudo a virtual, que se mostrou articulada ao usar instrumentos da política contemporânea para rebater o colegiado. “Eles recorreram ao ridículo, aos memes, ao choque de informações, a reinterpretação, revisionismos, formas de ataques contra os detratores do Governo", identificou Elton Gomes, que enxerga uma certa vantagem organizacional em relação à militância virtual da esquerda. 

"Quem apoiava Bolsonaro segue e seguirá apoiando. Quem não apoia provavelmente teve suas crenças reforçadas com os depoimentos [...] A partir do momento que o relatório da CPI for enviado ao Ministério Público e as medidas judiciais eventualmente sejam tomadas poderemos ver a base do presidente sentir mais", concluiu Oliveira, que coloca a análise de Aras como o grande teste dos efeitos concretos da comissão.

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