Ter visão é uma questão de saber contar histórias

ciopor Nowdigital seg, 13/02/2012 - 09:02

Pergunta 1: o que tem de errado com Steve Ballmer, CEO da Microsoft? Pergunta 2: será o mesmo problema que assombrou os ex-CEOs da Research in Motion (RIM), Mike Lazaridis e Jim Balsillie? Pergunta 3: será que o problema vai perseguir o novo CEO da RIM, Thorsten Heins? Pergunta 4: e Tim Cook, sucessor de Steve Jobs na Apple? Pergunta 5 (e mais importante): como profissional de TI, você se importa com isso?

Minhas respostas às perguntas seguem na mesma ordem: 1- Falta de visão; 2- Sim; 3- Provavelmente; 4- Vai ser difícil prever; 5- Pode apostar que tem!

Vou explicar melhor começando com Steve Ballmer e dando ao homem o crédito que ele merece. Sob sua liderança os software da Microsoft avançaram muito em qualidade e segurança. E eu não diria que são totalmente justas as críticas sobre a incapacidade de inovar da empresa: o SharePoint, Lync e Live Meeting são produtos que levam a sério a inovação. E do meu ponto de vista um bocado de inovação está ocorrendo com o Visual Studio, Azure e Kinect.

A inovação portanto está lá, assim como a qualidade. O que está faltando é habilidade de juntar tudo num contexto coerente que faça sentido para quem olha de longe. Isso é o tal "storytelling", tão popular atualmente entre as conversas sobre liderança e gestão.

O conceito de visão não é bem compreendido do ponto de vista corporativo. Não é certamente beber um chá alucinógeno e andar por aí vendo cores deslumbrantes, dizer "Uau!" e suspirar de tempos em tempos. Ter visão é ser capaz de contar histórias - criar narrativas claras, estimulantes, fáceis de compreender que respondem a pergunta mais importante sobre os produtos que sua empresa tem para vender: prá que servem?

Vamos pegar o exemplo do conjunto SharePoint/Lync/Live Meeting. É uma tecnologia maravilhosa para empresas do século XXI, com funcionários do século XXI e gestão do século XXI. Empresas que precisam apoiar a colaboração informal entre seus empregados, não importa em que lugar o planeta eles estejam. E não dá pra dizer que você não ouviu da própria Microsoft explicação sobre esses produtos. Tem um bocado de informação sobre eles e sobre o que fazem. Mas o que está faltando é a história que diz o que eles podem fazer por você. É preciso visão para enxergar e habilidades narrativas para explicar.

Um exemplo de visão: quando a IBM anunciou o sistema de gestão de bancos de dados relacionais (DB2) ela também criou uma metodologia de design para acompanhar o conceito - as famosas "12 regras da normalização", de Codd e Date (que na verdade são 13 regras, mas que foram numeradas de zero a doze e isso virou piada nos círculos de TI desde então). Qualquer pessoa responsável na IBM pelo DB2 sabia que a metodologia de design era necessária para evitar que o cliente caísse na armadilha de replicar o caos anterior do seu sistema de dados ao adotar a tecnologia DB2.

Mas a empresa não se contentou com a metodologia, ela criou uma narrativa, uma história por trás dela. Na verdade a IBM criou duas narrativas atraentes: uma era o que a tecnologia poderia fazer por uma empresa e a outra era a diferença que o design de dados organizados poderia provocar na mesma empresa.

Quando a Microsoft lançou o SharePoint nada disso estava lá. Era puro lançamento de tecnologia que dava a impressão de que você continuaria com a mesma árvore de diretórios e a mesma lista de keywords com um pouquinho a mais de variação.  Acontece que o SharePoint (e, nesse mesmo contexto, toda a indústria de gestão de conteúdo) precisa de um conjunto de regras equivalentes às de Codd e Date, só que para dados desestruturados: um jeito organizado de desenhar taxonomias. A Microsoft certamente tem talento para criar essas regras. O que faltou? A visão para reconhecer que isso deveria ser parte do pacote.

Quando uma empresa vende seus produtos, seus gerentes de produto precisam ser capazes de vê-los do ponto de vista dos ambientes onde eles vão estar de forma que a relevância de seu uso seja destacada. Se os gerentes podem enxergar um cenário, eles podem criar narrativas atraentes que garantem que todos entendam que os produtos vão ajudá-los a fazer alguma coisa que não conseguiam fazer antes e como isso será conseguido.

Por falar de liderança sem visão, a RIM é um estudo de caso. E tristemente na minhão opinião seu novo CEO vai continuar a tradição.

Muito tempo atrás, quando a terra era jovem, os BlackBerrys eram objetos de desejo e alguns de nós ainda estávamos usando produtos da Palm. Os BlackBerrys eram um grande sucesso, mas com duas fraquezas visíveis: poucos usuários de BlackBerry queriam usar seus BlackBerrys como telefones celulares, por conta do formato do aparelho, da qualidade do som etc.; e aqueles de nós que preferiam usar nossos PDAs Palm sabiam que era possível achar muitas apps para a plataforma Palm mas muito poucas para BlackBerry.

Mesmo sem ter a visão de Steve Jobs, que eles precisariam ter para desenhar um equipamento como o iPhone, teria sido relativamente fácil para a RIM fazer seus equipamentos mais atraentes como celulares e criar um mercado de apps para eles. O que estava faltando? Lazaridis e Balsillie eram herdeiros intelectuais de Henry Ford. Ford teve a inspiração para criar o Modelo T, mas lhe faltou visão para entender que esse era apenas o primeiro passo na evolução do automóvel, não o último. Ao ter a primeira idéia ele continuou a repeti-la sem evoluir. Lazardis e Balsillie fizeram a mesma coisa.

Quando ao seu sucessor, Thorsten Heins, eu espero que ele esteja só disfarçando quando diz que a única coisa que falta à RIM é a capacidade de executar melhor. Por que, se ele está falando sério, então eu tenho algumas sugestões de quem a RIM deveria executar.

Na minha opinião, a RIM só tem um cartucho restante. Ela tem de usar como vantagem o único produto no qual ela ainda é competitiva: o BlackBerry Enterprise Server. Se a RIm descobrir um jeito de criar plug-ins de integração para outros smartphones e tablets - iOS, Android e Windows 8 - ela poderá sobreviver como uma empresa de infraestrutura. Quanto a seus smartphones e tablets eu sugiro parar de fabricar, porque não vão vender mesmo.

E esse pensamento nos leva a Tim Cook, CEO da Apple. Eu não o conheço, não circulamos pelos mesmos lugares. Sua experiência anterior é operacional, o que não é promissor mas também não pode ser considerado impeditivo para o sucesso. Seu grande desafio é o modelo de negócios da Apple, que foi construído em torno de Steve Jobs. Cook não vai ser capaz de preencher todos os papéis de Jobs na Apple, o que significa que ele vai ter de encontrar uma solução organizacional que transfira um monte de tarefas de Jobs para outras fontes.

Distribuir papeis antes assumidos por um só indivíduo para vários outros geralmente atrasa o processo de decisão: o que antes era formulado na cabeça de uma pessoa só, tem agora que ser criado e decidido pelo consenso de várias. Tavez Cook seja capaz de delegar. Para sua sorte, mesmo que não seja capaz de faze-lo, ele vai ter a chance de correr pegando o vácuo do momento atual da empresa. E por conta da cultura extremamente sigilosa da Apple, vamos ter dificuldade para saber o que de fato está acontecendo.

E o que tudo isso tem a ver com você? De um jeito ou de outro você é um líder de TI. Pode ser pelo cargo, ou pode não ser pelo título do seu crachá, mas se você se interessou pelo título desse artigo você está preocupado com o assunto e não apenas em sobreviver aos seus chefes.

Como dizer se você é um líder? Simples: os outros seguem o seu comando. É o exato significado da palavra. E se você quer que outros sigam seu comando, você precisa ser capaz de explicar para onde você acredita que eles devem ir. Isso vale se você é responsável pela implantação de uma tecnologia na empresa, pela adoção de uma estratégia de cloud computing ou pelo mero upgrade de um módulo de ERP.

O que quer que seja, você precisa primeiro ter a visão de como ele vai funcionar, e então ser capaz de compartilhar o filme que está em sua cabeça com todas as pessoas de forma que todos possam ver também.

Isso não é a soma e substância da liderança. Isso não é nem aquilo em que os líderes deveriam gastar a maior parte do seu tempo e energia, mas é, no entanto, o ponto de partida para tudo o mais que vem depois.

Bob Lewis é presidente da consultoria independente IT Catalysts, Inc., especializada em eficiência organizacional de TI e integração com negócios.

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