Uso de bots influencia fluxo das informações na internet
Foi o que concluiu o estudo “A Influência dos Bots em Processos Informacionais: limitações, benefícios e desdobramentos”, de Camila Oliveira de Almeida Lima
De que forma o uso de agentes autônomos computacionais ou bots no contexto da internet tem influenciado a execução de processos informacionais e a interação com os seres humanos? Este foi um dos questionamentos levantados – e confirmados – pela tese de doutorado “A Influência dos Bots em Processos Informacionais: limitações, benefícios e desdobramentos”, de Camila Oliveira de Almeida Lima.
O estudo foi defendido, em 2022, no Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e teve orientação da professora Sandra de Albuquerque Siebra, do PPGCI e do Departamento de Ciência da Informação.
Um bot – forma reduzida da palavra robot – é um software que executa tarefas automatizadas, repetitivas e pré-definidas. Por ser automatizado, ele é capaz de executar uma infinidade de processos informacionais em uma velocidade superior à dos seres humanos e em áreas tão diversas como saúde, educação, comércio e jurídica.
“Uma das coisas que mais me chamou a atenção durante a pesquisa foi essa versatilidade dos bots em executar diferentes tipos de processos informacionais de forma autônoma, ou seja, sem intervenção humana na realização das atividades”, afirma Camila Lima.
Processos informacionais para os quais é possível especificar uma lógica, por exemplo, são facilmente desempenhados por esses agentes, sem intervenção humana e com um bom nível de precisão, o que torna essas ferramentas atraentes para empresas e organizações. No entanto, conforme ressalta Camila, esses softwares ainda possuem limitações quando o processo informacional envolve cognição, empatia e criatividade, consideradas habilidades humanas.
Durante o estudo, Camila se deparou com três situações: uma na qual os processos eram realizados exclusivamente por seres humanos; outra, em que o trabalho era desenvolvido de forma híbrida, com validação humana; e uma terceira, na qual a ação era realizada pelos bots de forma incompleta ou com falhas de execução. Nesse caso, ao invés de apenas pontuar que não havia compreendido a mensagem recebida, o bot oferecia alternativas para tentar descobrir o que o usuário desejava para poder atender sua necessidade informacional. Tal cuidado foi visto como uma medida de segurança, uma vez que os agentes autônomos providos de mecanismos de aprendizagem mais complexos e evoluídos podem agir de forma imprevisível.
“Os bots possuem uma programação inicial que é feita por humanos, e isso já pode influenciar o comportamento deles. Contudo, ao passo que o bot é disponibilizado em rede, ele assume sua personalidade de acordo com as interações e o contexto, podendo adotar padrões benéficos, melhorando a eficiência em determinados processos; como de forma maléfica, propagando desinformação ou violando princípios éticos e legais”, alerta Camila.
Arte: Asscom/UFPE
Com base nisso, a pesquisadora destaca a importância de serem consideradas as implicações éticas, morais e legais relacionadas ao uso dessas ferramentas na interação com a informação. “Houve casos nos quais os bots violaram essas restrições, levantando questões importantes sobre a necessidade de regulação e diretrizes para seu uso responsável”, afirma Camila Lima.
ANÁLISE
Para obter os resultados apresentados na tese, Camila Lima fez um mapeamento da literatura envolvendo o tema, a análise documental e a observação direta da utilização de alguns bots. Para essa observação, ela analisou nove casos distintos nos quais os bots foram protagonistas ativos a fim de verificar os processos informacionais executados, limitações, benefícios, desdobramentos e também a influência em temáticas da área de Ciência da Informação para entender se o comportamento das pessoas poderia ser afetado pela interação com esses agentes computacionais. Os critérios utilizados para a escolha foram abrangência, impacto social da ferramenta, casos reconhecidos pela sociedade e comunidade científica e, principalmente, a existência de informações suficientes para a investigação.
Os chatbots mapeados e listados na tese, assim como aqueles analisados especificamente por Camila, tinham finalidade benigna e influenciaram positivamente seus usuários, motivando-os, orientando-os, informando-os e, em alguns casos, favorecendo o aprendizado. Com relação aos socialbots, segundo tipo de mecanismo mais mencionado nas produções analisadas pela pesquisadora, verificou-se que o cenário mudou um pouco, uma vez que foram encontrados casos de sistemas que atuaram tanto de forma benigna como maligna. Chatbot é um tipo de bot que se concentra na comunicação, enquanto que o socialbot é um software que se comunica de forma autônoma nas redes sociais.
Entre os episódios analisados por Camila está o das eleições presidenciais de 2016 nos Estados Unidos, quando o conteúdo propagado artificialmente pelos bots enfraqueceu o debate político, influenciando opiniões e revertendo votos em favor do candidato republicano Donald Trump – estima-se que 81,9% do conteúdo automatizado sobre as eleições indexado no Twitter envolvia alguma mensagem pró-Trump, o que sufocava as mensagens contrárias ao republicano ou a favor de sua oponente. O mesmo fenômeno foi observado nas eleições presidenciais de países como México, Rússia, Venezuela e Brasil.
Outro contexto apresentado por Camila foi o uso de bots na análise da qualidade da informação publicada na Wikipédia, enciclopédia on-line de licença livre escrita de maneira colaborativa. Os bots presentes nesse ambiente têm por finalidade atuar de forma autônoma na correção do conteúdo inserido por humanos ou por outras máquinas, estando em constante processo de aprendizado. Isso já levou a situações, conforme explica a pesquisadora, nas quais os softwares entraram em conflito entre si e com os internautas a fim de manter na plataforma as informações na forma como julgavam corretas.
CAMINHO SEM VOLTA
Além da necessidade de uma regulamentação envolvendo o uso de bots, o trabalho de Camila ressalta que é preciso que o profissional da informação considere a presença e atuação desses agentes autônomos em suas pesquisas e estudos – uma vez que a realidade atual é marcada pela interação cotidiana entre máquinas e pessoas. Traz ainda como reflexão a importância de que sejam delimitados os papéis e responsabilidades tanto dos atores humanos como dos não humanos.
“Para garantir uma relação saudável e equilibrada, é essencial que sejam estabelecidas regulamentações adequadas para o uso de bots, especialmente no que diz respeito à ética e à proteção dos Direitos Humanos. Os profissionais da informação e pesquisadores da área devem continuar acompanhando de perto esses avanços tecnológicos e compreender como os bots afetam os processos informacionais, a fim de garantir o desenvolvimento responsável e ético dessas tecnologias”, afirma Camila.
Imagem: Pixabay
Deixa ainda um aviso para aqueles que ainda não perceberam a crescente presença desses softwares em nosso dia a dia – tanto em quantidade como em relevância.
“A relação entre seres humanos e bots/chatbots continuará a se desenvolver e evoluir. Este é um caminho sem volta”, diz. “Não há mais como pensar que os bots e a inteligência artificial não farão mais parte do nosso cotidiano, pois já o fazem em vários aspectos, mesmo quando não percebemos. Certamente, todo mundo tem um celular ou utiliza redes sociais. Essas ferramentas, tão comuns de nosso dia a dia, têm uma inteligência artificial sofisticada que conhece cada usuário tão profundamente a ponto de sugerir conteúdos relevantes para cada um”, completa Camila Lima.
Camila finaliza: “É crucial que o fator humano, com suas características únicas, continue sendo valorizado e preservado, evitando que sejamos meramente direcionados por algoritmos; e preservando nossa capacidade de sermos críticos, emocionais e conscientes em nossas interações com a informação na era da inteligência artificial.”
NÚMERO CRESCENTE
De acordo com o Mapa do Ecossistema Brasileiro de Bots mais recente, publicado em agosto do ano passado, de 2020 a 2022, a quantidade de bots produzidos no Brasil triplicou, passando de 101 mil para 317 mil. O dado reforça a necessidade de atenção ao tema.
Mais informações
Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UFPE
(81) 2126.7754
ppgci@ufpe.br
Por Anderson Lima, da assessoria da UFPE