Buscando novo ensino, pais adotam a desescolarização

Alguns pais entendem que a escola não consegue trabalhar de forma adequada a singularidade dos filhos

por Roberta Patu ter, 18/04/2017 - 08:36
Roberta Patu/LeiaJáImagens Após retirarem os filhos da escola, mães defendem ensino domiciliar Roberta Patu/LeiaJáImagens

Os primeiros anos do filho na escola são os mais preocupantes para os pais. As expectativas levam a inúmeros questionamentos. Entre eles, a escolha da pedagogia mais adequada, escolha da instituição e métodos de socialização. Diante desse cenário, inevitavelmente, os pais começam a avaliar o formato de educação oferecido pelas instituições de ensino.

Durante esse processo, muitas vezes, esses pais se deparam com um conflito interno e começam a vislumbrar uma educação que atenda à singularidade humana e à formação holística do filho. Com essa perspectiva, os adultos buscam alternativas e encontram fora da escola opções. Por meio do Homeschooling e do Under schooling, conhecidos popularmente como ‘desescolarização’, os pais descobrem uma nova forma de ensinar aos próprios filhos. Essa alternativa de aprendizado, que até então era pouco defendida ou assumida, vem ganhando mais adeptos em vários estados brasileiros, inclusive Pernambuco.

Essa mudança tomou mais força após a suspensão, do Supremo Tribunal Federal, de todos os processos em andamento que questionam a educação domiciliar. Com essa decisão, os pais que praticam o ensino domiciliar não podem ser denunciados. De acordo com a Associação da Desescolarização, o número de famílias que adotam Homeschooling dobrou de 2015 para 2016.



Em Pernambuco, é possível encontrar várias famílias que adotaram a desescolarização como uma forma de atender às especificidades dos filhos. Algumas dessas crianças começaram a estudar em escolas tradicionais, porém, foram retiradas após desilusão dos responsáveis com a forma do ensino, que é considerada tradicional. 

A dona de casa Adna Souza, que tem três filhos com 5, 8 e 9 anos, entende que a melhor forma das crianças terem uma educação de qualidade é através do Homeschooling. Atualmente, os filhos mais velhos estão na escola, porém, no próximo ano, a expectativa é que a dinâmica de apredizado seja alterada. "Estamos avaliando e poderando a melhor opção para o desenvolvimento dos nossos filhos", fala. O filho mais novo já vive o processo da educação domiciliar. 

De acordo com a mãe, que consegue se dedicar à educação dos pequenos, cada criança deve ser enxergada de forma singular e que, na escola tradicional, esse olhar não é praticado, muitas vezes pela quantidade de estudantes em sala de aula. "É impossível uma professora conseguir dar atenção para 30 crianças e perceber a dificuldade de cada uma. Acredito que o Homeschooling é uma ótima opção para os pais que conseguem e têm tempo de fazer isso, de transformar a casa em um mundo de conhecimento", defende. Com a decisão, Adna confidencia que percebe preconceito, mas também vê admiração. Para ela, o mais difícil é deixar de lado a 'cultura' da escolarização. 

Para a blogueira e mãe de Aslan, Enny Mara, de 27 anos, a experiência de ensinar o filho, de 5 anos, está sendo bastante positiva. "Por meio do ensino domiciliar, eu consigo perceber as dificuldades do meu filho e entender os assuntos que ele mais se interessa. Além disso, com a prática é possível de forma mais criativa e assertiva", reforça.

A mãe, que pratica o Homeschooling, defende que até os dez anos, a criança precisa da família. Para ela, a socialização pode ser vivenciada no ambiente social comum e público, como parques e supermercados. Segundo Enny, os pais precisam ter a liberdade de escolher em que momento o filho deve ingressar no colégio.

Quem também está adotando a prática do ensino domiciliar é a dona de casa Ariel Morais, de 32 anos. Ela revela que o ensino em casa faz com que a criança vá além das diretrizes exigidas pelo MEC e aplicadas pelas escolas. "Meu filho tem quase seis e aos quatro anos já começou a ler e hoje consegue escrever e tem uma boa base de matemática, mérito que é difícil de conquistar no colégio, porque se o aluno for mais desenvolvido, ele tem que esperar a evolução dos coleguinhas, ou seja, fica estagnado", argumenta. 

Ainda em entrevista ao LeiaJa.com, Ariel afirma que não tem receio do filho ficar sem escola até a faculdade. "Não sou contra a escola, caso precise matricular ele em alguma, vou escolher, mas se puder vou educá-lo até o final", diz. Em relação ao seu desenvolvimento nas próximas etapas escolares, como os ensinos fundamental e médio, ela adianta: "Não tenho medo do meu filho ficar sem ir à escola nessas etapas de ensino, porque sei que existe o supletivo e ele vai conseguir ingressar de todo jeito no ensino superior, caso ele queira", concluiu. 

Quando é possível 



A expectativa de conseguir ensinar o filho em casa depende de inúmeros fatores. A psicóloga Carolina Seabra tentou ensinar a filha Vitória, de oito anos, em casa, mas não conseguiu. De acordo com Carolina, a ideia é fantástica, mas precisa de dedicação, tempo e parceria com outros pais. "Investi durante seis meses, mas infelizmente não consegui", lamenta.

Para ela, a maior dificuldade foi conseguir conciliar o trabalho com a educação da pequena. Além disso, ela reforçou que a socialização escolar é ainda muito importante para a criança e que aderiu à desescolarização com o objetivo de proporcionar um pensamento mais livre e menos autoritário.

Caráter pedagógico - De acordo com a pedagoga Shirley Monteiro, a escola atua na formação do indivíduo a partir da sua subjetividade e das normas sociais. Dessa forma, a escola é importante porque a instituição trabalha no planejamento, na organização, na sistematização e principalmente na intencionalidade. "Toda a escola é preparada para entender as necessidades e formar o indivíduo em sua totalidade, além disso, há escolas que possuem um currículo bem atualizado e que vai além, desenvolvendo autonomia e a criticidade. Algumas disciplinas como aula de culinária e teatro, por exemplo, já são oferecidas", defende.

Ainda conforme Shirley, a criança, quando vive apenas no ambiente familiar, não tem acesso à socialização em sua totalidade. "Quando as crianças estão em uma sala de aula e é preciso esperar um colega, por exemplo, eles aprendem a aguardar a vez e a se colocar no momento certo. Em casa, essa realidade não é comum, a criança vai sempre ter a vez e, além disso, sempre vai ter acesso aos objetos deles, com isso, de certa forma, dificulta a socialização", comenta.  

Quanto ao nivelamento do conhecimento, a especialista pondera que é necessário ter o acompanhamento intelectual e emocional da criança de maneira simultânea. "Às vezes, a criança é muito desenvolvida na leitura e na fala, por exemplo, mas ainda não está emocionalmente preparada para uma turma mais adiantada. A partir daí, os pais precisam ter a consciência e entender o tempo de cada", lembra Shirley. 

Jurídico - No final do semestre de 2016, o ministro Luís Roberto Barroso determinou a suspensão nacional de todos os processos em curso no Poder Judiciário, individuais ou coletivos, que tratem do ensino domiciliar, o Homeschooling. A decisão foi tomada após os argumentos apresentados pelas partes no Recurso Extraordinário (RE), que discute que a prática pode ser considerada lícita de cumprimento familiar.

Antes disso, em novembro, a Associação Nacional de Educação Domiciliar solicitou a suspensão nacional dos processos que versem sobre a questão. Segundo a entidade, existem, atualmente, aproximadamente 18 processos em tramitação nos tribunais sobre a temática. 

Conselho Nacional de Educação (CNE) - O LeiaJa.com entrou em contato com o CNE para entender o posicionamento do órgão em relação à desescolarização. O CNE se posicionou contrário à pática do ensino domiciliar. Em documento, o órgão reforçou que a experiência do coexistir no meio de outras pessoas, a oportunidade do convívio com os demais semelhantes, são situações educativas que só a família não proporciona e que, portanto, não garante o que a lei chama de preparo para a cidadania plena. 

Respaldado pela Constituição, o CNE exaltou que, de acordo com o artigo 227, é de responsabilidade da 'família, da sociedade e do Estado' a educação de uma criança. "Em termos de entidades, trata-se, portanto, de uma tríplice e compartilhada responsabilidade. E é natural que assim seja, como uma obrigação cuja abrangência exige o empenho cooperativo de multivariados parceiros, a família, evidentemente um dos mais importantes. Porque, é óbvio, ela sozinha jamais teria (terá), como desincumbir-se de tão amplo espectro de tarefas", informou o Conselho.

O relator do CNE, Ulysses de Oliveira Panisset, reforça que "a educação, direito e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, reforçando que a educação deve resultar da ação da tríade antes enunciada: Estado, Família e Sociedade".

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, os pais devem, obrigatoriamente, matricular as crianças no ensino escolar tradicional, a partir dos seis anos de idade. Mas a entrada antes dessa idade pode ocorrer normalmente, uma vez que existem crianças que começam a estudar nas escolas antes dos sete anos. Na prática, caso os adeptos da desescolarização queiram concluir a formação e chegar ao ensino superior, eles terão que ingressar nos meios tradicionais, a exemplo do supletivo.

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