Como drag queen, estudante paga graduação e realiza sonho

'Independente de suas dificuldades, continue, não desista nunca', vibrou estudante na cerimônia de colação de grau, no Recife

por Maya Santos qua, 19/02/2020 - 17:11
Arthur Souza/LeiaJa Imagens Recém formado em nutrição, custeou o curso com trabalho como drag queen Arthur Souza/LeiaJa Imagens

“Independente de suas dificuldades, continue, não desista nunca. Porque se você desistir em qualquer obstáculo que surgir na sua vida meu amor, você vai desistindo da vida”. Essas foram as palavras de Gilmar Roberto dos Santos Júnior, 32, recém formado em nutrição. O que nos leva à história dele é o ressurgimento da drag queen Sayuri Heiwa, que foi criada e resgatada por Gilmar para custear o sonho da formação no ensino superior, em uma instituição localizada no Recife.

Drag queen como caminho para formação

Na última sexta-feira (14), foi realizada a cerimônia de colação de grau na instituição de ensino em que o recém formado, Gilmar, foi orador da turma. Para homenagear a profissão que o levou até a formação, ele decidiu ir “montado” para a cerimônia. E nos olhos de quem acompanhou esse momento podíamos notar que a conquista da drag queen estende-se aos amigos e familiares.

 

Esse momento fecha um ciclo que iniciou três anos atrás, quando Gilmar retomou às atividades artísticas como drag queen em casas de apresentações artísticas do Recife. Vindo de família humilde, Sayuri, hoje, proporciona outra situação de vida para seus pais e irmã, que sempre estiveram lado a lado nessa caminhada, além de contar com o apoio do esposo, Heitor Eiras, que desde o início se dispôs a ajudar. 

“Sayuri, desde que voltou, em 2017, veio numa crescente muito grande. Então eu vi a necessidade de ajudar ela na questão de redes sociais e na questão de administrar o dinheiro. Todo dinheiro que ela vinha recebendo a gente colocava em um caderninho", explicou Heitor ao LeiaJá.

A drag queen comemora a aprovação, pois, através da arte de transformação, pode honrar os compromissos financeiros e alcançar o seu sonho, formar-se em nutrição. “Eu meti a cara mesmo e fui tentar uma bolsa lá. E ganhei uma bolsa pelo projeto talento, que a faculdade oferece, que dá descontos de até 70%. E eu fui contemplado com 50% do valor da mensalidade. Eu fui e arrisquei em fazer o curso e consegui pagar até os últimos dias”, disse Sayuri ao LeiaJá.

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O valor da mensalidade inicialmente era de R$ 400 e terminou por R$ 750, já com a bolsa de 50%. O estudante recebia cachês de valores variados.

A sociedade e o convívio familiar

Segundo relatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), divulgado na última sexta-feira (17), a cada 23 horas é registrada uma morte por homofobia. Mesmo com esse dado alarmante, Sayuri diz ter sorte em ter uma família que sempre o acolheu, amou e o apoiou. Seu pai, Gilmar Roberto dos Santos, e sua mãe, Maria José dos Santos, ao descobrirem sua orientação sexual, reagiram de forma afetuosa, zelando apenas pelo respeito entre eles.O pai de Sayuri vibra com a formação do filho e projeta como será sua atuação profissional. “Ele vai ter que ver o que vai dar melhores condições a ele. Agora ele formou-se, e vai querer ficar justamente dando sequência ao trabalho (como nutricionista). Agora ele também não quer deixar o outro lado (trabalho como drag)”, relatou ao LeiaJá

Sayuri conviveu em um ambiente em que os funcionários, professores e estudantes da faculdade mantinham uma cultura de respeito à diversidade e não discriminação. “Foi uma grande alegria saber do empenho que ele desenvolvia no curso, as custas do trabalho dele, que é um trabalho honesto. E saber que dentro do curso de nutrição ele não sofreu nenhum tipo de preconceito, nenhum tipo de dificuldade em relação a isso (trabalho como drag queen)”, afirmou Ana Karla Ferrer, coordenadora do curso de nutrição.

Planos 

Como Sayuri Heiwa, o recém formado pretende ser voluntário na Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans-PE), usando o visual drag queen para ajudar a comunidade de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transsexuais e pessoas soro positivo (LGBT+), assistidas pela entidade, a ingressar no mercado de trabalho.  

Esse é um plano priorizado para a construção da sua carreira. Outra pretensão, após registro no Conselho Regional de Nutricionistas (CRN), é unir a atividade como drag queen aos conhecimentos da área de nutrição. E assim promover, além de workshop e palestras, uma relação que permita condições melhores de saúde para pessoas trans em processo de transição.

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