Como está a saúde mental dos professores na pandemia?

Trabalhadores essenciais durante a crise sanitária, os docentes conviveram com uma mudança brusca, angústias e incertezas

por Elaine Guimarães sex, 15/10/2021 - 16:16
Paulo Uchôa/LeiaJáImagens/Arquivo Professor em sala de aula Paulo Uchôa/LeiaJáImagens/Arquivo

Preparar materiais, pesquisar, gravar aulas, corrigir provas e organizar os conteúdos são apenas uma parte da jornada de trabalho dos professores. Trabalhadores essenciais durante a pandemia do novo coronavírus, os docentes não tiveram as atividades interrompidas. No período mais crítico da Covid-19 no Brasil, as aulas presenciais foram suspensas e a sala de casa ou o quarto dos docentes se transformou em espaço de ensino. Os desafios passaram a ser outros.

Os profissionais da ducação conviveram, além dos baixos salários e da falta de reconhecimento, com o excesso de carga horária, dificuldade para o uso de plataformas digitais que os auxiliavam a ministrar aulas remotas e com preocupação, quase que constante, de perder o emprego. Tudo isso somado às incertezas geradas pela crise sanitária causou impactos na saúde mental dos docentes.

Lecionando há nove anos e dividindo os dias entre duas instituições de ensino da rede pública e privada, do ensino fundamental 2, além das demanadas pessoas, Arline Vasconcelos iniciou nas aulas remostas em maio de 2020. Diferente de boa partes dos educadores, Arline já tinha familiaridade com as plataformas utilizadas pelas escolas. No entanto, a sobrecarga não diminuiu por isso.

"A demanda de atividades e criações de conteúdos atrativos, além do isolamento, tornaram o trabalho exaustivo. Comecei a sentir [a sobrecarga] no segundo semestre, quando acontecem as conclusões do ano letivo", conta.

Ao LeiaJá, a professora fala sobre os fatores que contribuíram para o desgaste mental neste período. "Incertezas sobre o futuro, preocupações com a saúde dos meus pais, preocupação com o desenvolvimento dos conteúdos, levaram que eu desenvolvesse crises de ansiedade fortes", relata. A profissional precisou buscar acompanhamento especializado e contar com o apoio de familiares para seguir.

Home office não é sinônimo de redução de carga horária

O argumento de que trabalhando em home office os professores e professoras desempenhavam as funções com horários flexíveis e com jornada reduzida é falacioso. As demandas, principalmente para as mulheres, aumentaram, como observa a coordenadora geral do Sindicato Municipal dos Profissionais de Ensino da Rede Oficial do Recife (Simpere), Cláudia Ribeiro, em entrevista ao LeiaJá

“A educação básica dos anos iniciais é composta majoritariamente por mulheres. Portanto, ao terem que transformar a casa em sala de aula, acumularam no mesmo ambiente o trabalho e as atividades domésticas e cuidado com os próprios filhos e idosos que estivessem sob sua responsabilidade", afirma.

De acordo com dados colhidos pelo Grupo de Estudos sobre Políticas Educacionais e Trabalho Docente (Gestrado), vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), houve aumento das horas de trabalho durante o ensino remoto tanto em instituições do setor privado quanto público. Confira os gráficos:

Valores de acordo com a pesquisa do Gestadro (UFMG). Arte: Elaine Guimarães/LeiaJáImagens

Valores de acordo com a pesquisa do Gestadro (UFMG). Arte: Elaine Guimarães/LeiaJáImagens

Sobrecarga e falta de apoio

Em frente à tela do notebook ou do celular, os alunos acompanhavam os conteúdos e os esforços dos educadores para que o distanciamento social não afetasse o processo de aprendizagem. As preocupações dos docentes não estavam apenas restritas ao quesito conteudístico, como pontua o professor do Programa de Pós-Graduação em Estado e Sociedade da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) e pesquisador do Gestrado (UFMG), Gustavo Gonçalves: “Os professores viam seus alunos em situação de risco: trabalho infantil, violência, gravidez na adolescência, transtornos mentais. Isso também refletia nos docentes.” 

"Os desgastes físico e, sobretudo, mental desses profissionais, são reflexo da angústia diante de uma possível perda de familiares, retorno ao presencial sem a vacinação contra a Covid-19, ausência ou baixa interação do alunos durante as aulas remotas,  gravação de vídeo, envio de atividade, registro das atividades e retorno dos alunos, preenchimento de frequência. Tudo isso de forma remota, com poucos recursos e estrutura”, salienta Cláudia.

Partindo da mesma premissa, Gustavo Gonçalves menciona que o desgaste ocorreu de forma acelerada porque "os professores e professoras foram solicitados a mudar rapidamente sua forma de trabalhar, muitos, sem recursos necessários e também contando com pouco apoio de colegas, que também estavam isolados, e apoio institucional". "Muitos professores se queixaram de passar a utilizar seus próprios aparelhos de comunicação pessoal para fazer o trabalho da escola, quando o correto seria o trabalhador contar com o fornecimento de seu instrumento de trabalho", expõe.

O momento também é de reflexão e mudança

Com a retomada das aulas presenciais em diversos Estados e a vacinação contra a Covid-19 avançando, os questinamentos por parte dos docentes passam a ser outros. "Muito se fala sobre condições de biossegurança nas escolas para que o retorno seja de fato seguro", aponta Gonçalves.

De acordo com o pesquisador do Gestrado (UFMG), "os impactos negativos na saúde mental, que de fato ocorreram de modo pontual, abrem um processo de reflexão sobre as situações escolares no período pandêmico que é muito maior e poderia trazer mudanças na organização do trabalho escolar no médio prazo", explica.

E analisa: "Esse processo poderia ser positivo na medida em que incorporasse o aprendizado recente, fosse apropriado pelos sindicatos e coletivos e compartilhado entre os pares, sendo também reconhecido pela sociedade, criando a base para novas estratégias de planejamento que considerassem a jornada de trabalho real dos professores e também os riscos derivados das situações de vulnerabilidade próprias dos alunos".

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