Mestre Sabá ensina a confecção de instrumentos de carimbó

Utilizando a técnica tradicional da irmandade de São Benedito, oficina realizada no Curro Velho, em Belém, mostra como se pode chegar à percussão sem utilizar ferro

por Yasmin Paschoal sab, 05/03/2016 - 12:10
Julyanne Forte/LeiaJáImagens Mestre Sabá repassa tradição musical Julyanne Forte/LeiaJáImagens

Músico, carpinteiro, pescador, artesão exímio e autodidata. Essas são algumas atividades realizadas por Sebastião Almeida da Silva, mais conhecido como “Mestre Sabá”. Natural de Santarém Novo, nordeste do Pará, membro da Irmandade de São Benedito desde criança, Mestre Sabá aprendeu com o pai os primeiros segredos do carimbó, quando o acompanhava nas festas tradicionais do mês de dezembro na cidade. O mestre foi convidado pela Fundação Cultural do Pará (FCP) para ministrar a oficina “Saberes e Fazeres do Carimbó de São Benedito”, realizada no núcleo de oficinas do Curro Velho, localizado no centro de Belém. As atividades se iniciaram na última terça-feira (1) e são voltadas para profissionais e amadores que se dedicam à confecção de instrumentos musicais rústicos utilizados para tocar o ritmo paraense que em 2014 foi declarado como Patrimônio Cultural Imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Mestre Sabá é responsável pela preservação do modo tradicional de confecção de instrumentos, utilizando tronco de grandes árvores, do mangue e do igapó, e tambores ancestrais que são atracados com corda, madeira e couro. Esse modo de produzir os instrumentos é uma herança da sabedoria indígena e africana que deu origem ao ritmo típico do Estado do Pará, o Carimbó. A técnica é também bastante valorizada por ser considerada mais “orgânica”, não sendo utilizados metais, como o ferro, na confecção dos instrumentos de percussão do carimbó: maracas de cuieira, reco-reco de bambu e tambores curimbós de tronco de árvores de grande porte.

Dona Dulcimar Lisboa, 69 anos, é uma das alunas na oficina de confecção de instrumentos do Mestre Sabá. Para ela, esse tipo de trabalho, apesar de exigir bastante força muscular e conhecimento de marcenaria para a confecção dos instrumentos, pode ser realizado por qualquer pessoa. “Hoje em dia as profissões quase não têm definição de homem e mulher. A gente pode fazer um trabalho que seja de homem, basta ter um pouquinho de força de vontade, um pouquinho de jeito e de paciência, né? Eu tô fazendo reco-recos, maracas, ajudei a cavar o tambor bruto mesmo, que é meio brabo. Mas dá pra fazer, devagar sai”, explica. Nativa de Quatipuru, no nordeste paraense, onde cresceu no barracão da festa folclórica da Marujada, dona Dulce já é familiarizada desde a infância com instrumentos rústicos e sonha em passar esse tipo de conhecimento para as próximas gerações. “Eu tenho um bocado de instrumentos lá em casa. Tenho vontade de montar uma oficina na minha varanda com um grupo de jovens ou de crianças antes de serem apresentados ao mundo das drogas. É muito importante ocupar a mente, porque já desenvolve o lado trabalhador e não o lado da malandragem”, declara ela.

Já Lurralle Amaral, 30 anos, é formado em marcenaria e trabalha como luthier na Fundação Curro Velho há dois anos. De acordo com ele, a oficina do Mestre Sabá funciona como uma forma de especialização na profissão. “Em marcenaria, a gente trabalha muito fazendo material e objetos domésticos, mas eu nunca gostei porque sempre fui músico, sempre gostei de música. A forma como ele vai montar e amarrar os instrumentos é muito diferente, porque normalmente os instrumentos levam aros, parafusos. E esses são todos amarrados, não têm ferro”, explica.

A oportunidade de estar aprendendo novas técnicas na confecção de instrumentos com um dos maiores mestres do carimbó é uma honra imperdível para Lurrale, que pretende poder tocar com os instrumentos confeccionados durante a oficina. “O carimbó lá de Santarém Novo é uma cultura muito forte, eles levam como uma religião. Eu queria muito poder tocar com ele, pois sou saxofonista também. No sábado a gente quer fazer um carimbozinho porque ele é o mestre do carimbó, seria para prestigiar ele”, diz.

Com o grupo de carimbó “Os quentes da madrugada”, Mestre Sabá já conheceu e percorreu diversas cidades brasileiras, levando a cultura paraense e suas técnicas de confecção de instrumentos  para o conhecimento de todo o País. Em 2005, com o patrocínio da Petrobrás, ele participou da gravação do CD “Carimbó da Irmandade de São Benedito”, produzido pelo grupo A Barca, de São Paulo. Seja no Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Fortaleza ou no Acre, o trabalho de Mestre Sabá marca presença. “Eu tenho o meu trabalho como se fosse a flor da minha juventude, porque não tem coisa melhor que você ser bem reconhecido com o povo de fora. Eu me sinto não orgulhoso, mas sim consciente do que aquele lá de cima me deu”, declara. Para ele, o reconhecimento fora do seu Estado e até mesmo internacional é a melhor recompensa que poderia obter. “Fui recebido lá fora na atividade como o ‘Mestre Sabá’. Ano passado, na festa da irmandade, teve gente até da França lá. Foram na minha casa, no meu ateliê, trabalharam, fizeram maraca, fizeram reco-reco. E tá previsto pra voltarem e eu dar uma grande oficina lá pra eles”, diz o mestre.

Segundo ele, foram sonhos que tinha enquanto tirava cochilos no chão de sua casa que o estimularam na confecção dos instrumentos. “Aquilo veio num sonho, eu tava dormindo e sonhava fazendo uma maraca, fazendo um reco, fazendo curimbó. Aprendi através disso, de sonho. Dormindo, deitado no chão”, conta o mestre que mesmo depois de aposentado não pretende deixar a atividade de lado tão cedo. “Foi uma criatividade que Deus me deu e eu abracei com muito amor e carinho. O pessoal diz ‘ah tu já se aposentou não vai largar?’, não largo nada”.

A oficina “Saberes e Fazeres do Carimbó de São Benedito” ocorreu no Núcleo de Oficinas do Curro Velho, no bairro do Telégrafo, em Belém, pela manhã e à tarde. As aulas terminam neste sábado (5). Veja vídeo abaixo.

Com apoio de Julyanne Forte.

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