Kleber Mendonça posta carta aberta sobre comissão do Oscar

Cineasta declarou insatisfação quanto ao posicionamento de um dos integrantes da Secretaria do Audiovisual (SAV) que vai compor a comissão do Oscar

por Roberta Patu sex, 19/08/2016 - 17:18
Reprodução/Facebook

Nesta sexta-feira (19), o cineasta Kleber Mendonça externou, em carta aberta e publicação na Folha de São Paulo, a insatisfação quanto ao posicionamento de um dos integrantes da Secretaria do Audiovisual (SAV), que vai compor a comissão do Oscar. A pessoa em questão é o jornalista Marcos Petruccelli que, segundo o diretor pernambucano, vem proferindo comentários inverídicos, quanto à equipe do filme Aquarius, e se colocando contra o longa a partir de posicionamento político.

A contenda teria começado quando a equipe do filme aproveitou o espaço no Festival de Cannes para expressar o repúdio ao que intitulou ‘Golpe de Estado’ de Michel Temer, após a saída da presidente Dilma Rousseff para o julgamento do processo de impeachment. Além disso, eles também se posicionaram contra a extinção do Ministério da Cultura.

Segundo o diretor Kleber Mendonça, “o posicionamento estridente do senhor Petruccelli em relação a esse filme parece ter como base a sua insatisfação pessoal com o protesto democrático e que terminou sendo divulgado em mídia mundial, realizado por dezenas de trabalhadores do audiovisual brasileiro e pela equipe de ‘Aquarius’ no Festival de Cannes, onde o filme teve sua première em competição". "Foi naquele momento do mês de maio que, vale lembrar, o MinC passou alguns dias extinto - decisão do governo interino que, depois, voltou atrás, ressuscitando a pasta”, completou. Confira a carta:

Por quê estou defendendo ponto de vista ligado à participação na disputa pelo Oscar, esta "coisa de Hollywood"?. Esta pergunta me tem sido feita ao longo das últimas semanas. A questão aqui não é Oscar, Goya ou Framboesa. A questão é defender um processo democrático.

A escolha do filme para representar um país no Oscar deve ser estratégica para o cinema do país. As comissões montadas pela Secretaria do Audiovisual para a seleção de um filme devem respeitar o processo democrático executado pelo Ministério da Cultura, órgão federal que defende, estimula e divulga a cultura brasileira. Antes de discutir o Oscar, o que ele é e representa, é importante defender a seriedade dos processos de seleção públicos para que a comissão, escolhida democraticamente por entidades ligadas ao audiovisual, possa fazer o trabalho corretamente.

Como muitos já sabem, há duas semanas começou a circular a informação de que o jornalista paulista Marcos Petruccelli anunciara nas suas redes sociais o convite, realizado pelo Secretário do Audiovisual do atual governo interino, o pernambucano Alfredo Bertini, para compor a comissão que irá escolher o filme brasileiro para o Oscar.

Tecnicamente, Petruccelli seria um nome adequado. É jornalista da área de entretenimento, atua na Radio CBN, e acredito que o mesmo padrão técnico aplica-se aos outros nomes da comissão, pessoas ligadas ao cinema e à cultura, livres para tomar suas decisões.

No entanto, a questão que vem sendo levantada pela imprensa e redes sociais, e que me trazem a esse posicionamento, é que o jornalista em questão vem atacando, por questões políticas suas, já há três meses, "Aquarius", filme escrito e dirigido por mim, e que o jornalista membro oficial da comissão já informou não ter visto.

O posicionamento estridente do Sr. Petruccelli em relação a esse filme parece ter como base a sua insatisfação pessoal com o protesto democrático e que terminou sendo divulgado em mídia mundial, realizado por dezenas de trabalhadores do audiovisual brasileiro em Cannes e pela equipe de Aquarius no grande festival, onde o filme teve sua première em competição. Foi naquele momento do mês de maio que, vale lembrar, o Ministério da Cultura passou alguns dias extinto - decisão do Governo interino que depois voltou atrás, ressuscitando a pasta.

Se esse comportamento do jornalista já faz da sua participação nesta comissão algo constrangedor para a SaV, a questão torna-se ainda mais séria quando alguns desses ataques sugerem publicamente mentiras sobre a equipe de mais de 30 profissionais de “Aquarius” ter ido a Cannes "de férias”, suas estadias que teriam sido pagas pelo dinheiro público com orçamento ("no chute" do Sr. Petrucelli) de “500” euros por dia. Esse é um comportamento irresponsável num momento político onde fatos já têm sido tão ignorados e distorcidos na mídia.

Este jornalista, que deveria ter intimidade com a área na qual trabalha, não parece entender que um filme como Aquarius, feito em Pernambuco, existe através de uma união de profissionais do cinema, trabalhadores do audiovisual que fazem parte de uma comunidade criativa relativamente pequena.

Para completar, parte importante dessa mesma equipe também estava em Cannes para apresentar um segundo filme pernambucano (na prestigiosa Semana da Crítica), O Delírio é a Redenção dos Aflitos, de Fellipe Fernandes, assistente de direção de Aquarius. Caso raríssimo de dois filmes pernambucanos e brasileiros, em Cannes, em mostras de enorme prestígio. É motivo para celebrar dois trabalhos bem feitos, de maneira honesta.

Em Aquarius, nossa equipe trabalhou durante 15 semanas, sete de preparação e oito de filmagem. Esses profissionais quiseram celebrar o longa e o curta, em Cannes. Com a seleção dos dois filmes, essa equipe fez esforços pessoais para ir à França, pois Cannes que é um encontro mundial de profissionais de cinema.

Para que fique claro, com a exceção da minha pessoa e Sonia Braga (despesas pagas pelos co-produtores franceses) e três apoios publicados em Diário Oficial da Agência Nacional de Cinema publicados (previsto, reconhecido, oficializado para profissionais brasileiros a trabalho em grandes festivais internacionais de cinema) para integrantes da nossa equipe de produção, as mais de 30 pessoas da equipe (demais atores, técnicos, produtores) usaram seu próprio dinheiro, parcelando passagens aéreas e dividindo hospedagem. Não há nada de sinistro nisso. Sinistra é a má fé de um personagem primitivo com acesso à internet, sem senso de informação.

É triste ter que corrigir com fatos, puros e simples, o tipo de mentira destrutiva que um comunicador tem espalhado de forma tão irresponsável. E essa pessoa está numa comissão que deveria defender os interesses do país, para julgar um filme que ele mesmo vem caluniando da forma mais torpe imaginável.

É esse tipo de postura sombria que, infelizmente, tem marcado as discussões políticas no nosso país, transformando qualquer artista brasileiro em criminosos instantâneos, sem provas de nada, e onde a defesa democrática de um ponto de vista sobre o Brasil é algo a ser descartada com ódio e sem diálogo.

Esse ano, a Academia de Hollywood tomou medidas novas para democratizar a opinião e o poder de voto dos seus membros, convidando cerca de 600 novos nomes de todo o mundo (uma dezena deles brasileiros, incluindo Anna Muylaert, Rodrigo Teixeira e Lula Carvalho), mulheres e homens de múltiplas culturas. Ironicamente, é nesse momento que o processo de seleção de um filme brasileiro para essa mesma Academia comece já tão errado.

Independente da escolha dessa comissão, Aquarius estará nos festivais de Toronto e Nova York em setembro, depois da estreia em Cannes com recepção espetacular da mídia internacional, ganhar o festival de Sydney e contar já com distribuição em mais de 60 países, em todas as plataformas (cinema, TV e VOD, incluindo Netflix em quatro territórios incluindo Ásia). É um filme sobre amar as pessoas, estar com elas. É também sobre a defesa de um ponto de vista, de uma opinião baseada em fatos e em experiência de vida através do respeito à história de cada um, e como isso choca-se com o poder. Ou seja, Aquarius está em casa.

KLEBER MENDONÇA FILHO

Roteirista e Diretor de Aquarius, filme brasileiro.

 

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