Culinária para conectar diferentes percepções

Indígena ressalta a importância do uso de alimentos naturais, como as plantas alimentícias não convencionais, para melhorar a qualidade de vida

qua, 12/04/2017 - 16:45

Apresentando o cultivo da mandioca doce da Amazônia, a mandiocaba, Juma Xipaia, líder indígena da tribo Xipaia, destacou a valorização do consumo de produtos naturais da Amazônia durante o evento gastronômico É PANC!, promovido pela Universidade da Amazônia (Unama), em Belém, nos dias 8 e 9 de abril. As PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais) passam por pesquisas cientificas e experimentais antes de serem introduzidas em um prato, graças ao trabalho de chefs com pesquisadores e mateiros que detêm o conhecimento popular arrecadado ao longo de gerações.

A comunidade indígena já utiliza o que hoje parece novidade. “Quando se trata dessas plantas, desse tipo de comida, nós povos indígenas já nos alimentamos disso há anos, é o que tem na natureza, na comida que a gente come; e a diferença da comida que se tem na cidade é que a gente come natural o que vocês comem industrializados”, disse Juma Xipaia. Para ela, a sociedade contemporânea aderiu radicalmente aos alimentos industrializados e abriu mão da qualidade de vida, tanto na saúde quanto no bem-estar. “Quando se trata dessa questão de grandes projetos, como o Belo Monte, chegaram toneladas e toneladas de comidas industrializadas para dentro das aldeias e praticamente eram somente dois tipos de doença: a malária e a gripe. Hoje se tem pressão alta, diabetes, colesterol e câncer. Tudo por conta da alimentação que não era nossa”, informou Juma.

Juma cobra atenção não somente para a questão indígena, mas à região amazônica como um todo: “A gente precisa passar esse conhecimento, essas experiências; as pessoas precisam ter oportunidade de conhecer para poder também se alimentar de comidas boas, dessas plantas. Não ser só obrigada a comer comida ‘morta’”. A mandiocaba é um prato típico da etnia Assurini, com sementes preservadas por milênios, usadas bastante para mingau, principalmente para crianças. É fonte rica de vitaminas e combate a desnutrição. Pode também ser consumida como se fosse um abacaxi. “Tem muito disso, eles vão para roça, estão com sede e ao invés de água eles comem a mandiocaba”, acrescenta Juma.

Livro - Uma espécie piper, conhecida popularmente como pariparoba ou caapeba, está entre os vegetais exóticos registrados nos dez anos de estudos dos pesquisadores Valdely Kinupp e Harri Lorenzi no livro “Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) no Brasil”. A caapeba, já utilizada pelas propriedades medicinais anti-inflamatórias, diuréticas e vermífugas, agora aparece em em um prato da culinária amazônica.

Nas mãos do chef Artur Bestene “Arturzão”, as folhas da caapeba - que lembram uma arraia - transformam-se em um “charutinho de vinagreira”, um toque árabe da culinária de “Arturzão”. “O ato de cozinhar é humano, o fogo é o glamour”, comentou Kinupp enquanto explicava sobre a perda e ganho de vitaminas e texturas no processo de cozimento.

Enquanto os universitários do curso de Gastronomia da Universidade da Amazônia (Unama) auxiliavam no preparo do recheio dos charutos, “Arturzão” falou sobre as inovações de sua cozinha, ele que foi o criador do hambúrguer regional com jambu, carne de búfalo e molhos especiais. “Num contexto gastronômico estamos descobrindo novas possibilidades com novas plantas e está sendo uma grande troca, porque apesar de estar em cima de um palco fazendo pratos, na verdade vim aqui aprender mais com essas pessoas”, disse.

Contando ainda sobre sua experiência, o chef paraense ressalta a importância do olhar de cada indivíduo na concepção de um prato. “O choque de realidade agora pouco depois das palavras da indígena que é tão amazônido quanto eu, embora eu seja um amazônida urbano. Ela tem uma outra visão. Ela conheceu o meu universo, eu conheci o dela”.

Por Leonardo Lukas e Márcio Harnon Gomes.



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