Crítica: 'Dunkirk' é espetáculo extremamente bem executado
Filme estreia nesta quinta (27) nos cinemas nacionais
Christopher Nolan é um contador de histórias clássico. Seu cinema recorta o tempo e o espaço no qual o espectador precisa imergir, e o que se situa fora de seu traçado pode ser considerado dispensável à leitura. Exceções a obras cuja narrativa se desfragmenta sem traços de didatismo como “Following”, “Amnésia” e “Insomnia”. Mas, no geral, a verborragia de seus contos filmados, aliada à ditadura da trilha sonora e da montagem que embala seus longas, retira do espectador a experiência da aproximação e o aproxima à experiência da indução: este precisa sentir, entender, ver o que o cineasta previu ou pressentiu para o produto final.
O afã pelo tecnicismo, que invade até o desenvolvimento de storytellings e diálogos, faz irregular filmes que surgiram com as melhores das intenções como “A Origem” e “Interestellar”, no elixir do espírito ‘kubrickiano’ adaptado nas coxas pelo cineasta inglês. Mas Nolan, o comandante da recente trilogia do Cavaleiro das Trevas, já mostrou que experimentar faz parte de seu ofício e, após os últimos tentos duvidosos, traz aos cinemas uma narrativa beligerante que é um espetáculo extremamente bem concebido e executado.
O cenário é a Segunda Guerra, num retrato do evento real em que quase 400 mil soldados britânicos estavam ilhados na cidade de Dunquerque, no norte da França, sob ataque incessante das forças armadas inimigas. “Dunkirk” propõe inserir o espectador no cenário da famosa evacuação, quando milhares de civis ingleses se lançaram ao mar em seus barcos particulares para ajudar no traslado das tropas, encurraladas na cidade francesa.
O filme é econômico quanto às explicações iniciais e investe no som e na fotografia inebriante do holandês Van Hoytema, cheia de tons azulados e um incômodo acinzentado, para ambientar a tensão e ameaça sofrida pelos protagonistas. Os diálogos surgem a conta gotas, até porque as intempéries se sucedem em ritmo alucinante nos três recortes do longa. Inclusive, a organização pseudo não linear da montagem é uma característica que adiciona ainda mais tensão à narrativa, já que isola camadas de dias, horas, minutos, de forma que estas se completem e intensifiquem a sensação de urgência das situações retratadas.
Hans Zimmer, o principal criador dos famosos efeitos sonoros de “A Origem”, novamente surge com sua trilha quase incessante, que parece querer ditar as emoções de quem assiste ao filme. Mas desta feita a edição de som e a direção falam mais alto, adicionando camadas riquíssimas à experiência cinematográfica: seja no ar com Tom Hardy e o rastro dos caças inimigos (em cenas filmadas com uma câmera Imax acoplada em um Spitfire real, realizando movimentos circulares); seja na água (com marinas gigantes fotografadas em planos abertos de tirar o fôlego e a ‘sutil visceralidade’ das atuações de Mark Rylance e Cillian Murphy), seja na terra (com locações, set pieces fidedignos e, também, ótimas atuações de nomes como Kenneth Branagh e de um estreante e surpreende Harry Styles, mais conhecido por ser ex-integrante do grupo One Direction).
Em “Dunkirk”, apesar de desaguar num terceiro ato levemente confuso, dada a escolha da montagem paralela, e em rusgas de seu melodrama moral, Nolan consegue subverter o didatismo e entregar ao público um panorama próximo ao que Clint Eastwood fez em seu duo “A Conquista da Honra” e “Cartas de Iwo Jima”, em que a guerra ganha contornos diferentes nos diversos pontos de vista - da câmera e dos personagens. Mas é inegável que sua preocupação mor é a imagem e os efeitos que ela evoca. Felizmente, o casamento da tecnologia com a gravação em película 70 mm faz do filme um convite ao mergulho no que de melhor o cinema blockbsuster atual pode oferecer.
O fato real ganha vida e suas peculiaridades se revelam em expressões pontuais no rosto de Mr. Dawnson - um pai que perdeu o filho na guerra e desde então resolveu lutar pela honra de seu país - na lágrima que surge sorrateira nos olhos do Comandante Bolton - responsável por lidar com a possível perda eminente de centenas de milhares de homens - e em todos os detalhes que o filme entrega sob a batuta de um Nolan muito mais razoável do que de atual costume.
No fim, Dunkirk se mostra um filme a ser assistido na melhor qualidade possível de exibição possível, pois está muito mais próximo de Kubrick e seu “2001: Uma Odisséia no Espaço” do que Nolan tentou estar em “Interestellar”. Não por similaridade narrativa, mas por grandiosidade técnica e que, de fato, merece ser contemplada.