"Encantados" retrata pajé, caruanas e a cultura do Marajó

Filme da cineasta Tizuka Yamasaki conta a história da mística Zeneida Lima. Pré-estreia foi em sessão aberta na cidade de Soure.

qua, 22/11/2017 - 09:47

No final da tarde do último sábado, 18, aos poucos, uma das praças de Soure, no arquipélago do Marajó, começou a receber um grande número de pessoas. O local, às margens do rio Paracauari, que banha a cidade, havia ganhado cerca de 850 cadeiras de plástico, uma grande tela de cinema e um projetor de imagens para que os marajoaras pudessem acompanhar a pré-estreia do filme longa-metragem “Encantados”, dirigido pela cineasta gaúcha Tizuka Yamasaki. A trama conta a história real da pajé Zeneida Lima, que ainda reside em Soure, onde é muito reconhecida.

A história foi filmada quase inteiramente no Marajó, há mais de dez anos, mas o filme só foi finalizado em 2014, quando começou uma carreira em festivais de cinema. Inspirado no livro de Zeneida, “O Mundo Místico dos Caruanas da Ilha do Marajó”, o filme conta a história da pajé (interpretada por Carol Oliveira) que sai de Belém, ainda menina, com a mãe Zezé (Letícia Sabatella), os sete irmãos e a empregada Cotinha (Dira Paes), e vai morar em uma fazenda do Marajó, por determinação do advogado Angelino (José Mayer), pai ilegítimo dos oito filhos que teve com Zezé. No Marajó, a menina sofre com a incompreensão da família por seus dons e por causa de sua paixão pelo jovem e misterioso Antônio (Thiago Martins), um encantado, um caruana, que ela conhece no local. “Encantados” traz ainda no elenco Ângelo Antônio (pajé Mundico) e Anderson Müller (capataz Fortunato), além da participação especial das atrizes Laura Cardoso e Cássia Kiss Magro. 

Na plateia da pré-estreia, além do público atento - estimado em 1.500 pessoas - que acompanhou as imagens sentado e muitos em pé, estavam a diretora Tizuka Yamasaki, o ator Ângelo Antônio e a pajé Zeneida Lima e seus filhos. Ao final da exibição, o filme foi longamente aplaudido.

Tizuka disse que teve contato com o livro que deu origem ao filme há muitos anos, mas que a princípio não havia dado muita atenção a ele. Depois que a Escola de Samba Beija-Flor ganhou o carnaval carioca, em 1998, com o enredo “Pará - O Mundo Místico Dos Caruanas nas Águas do Patu-anu”, quete a ajuda de Zeneida Lima na pesquisa, o ator Anderson Müller, filho do presidente da escola, entrou em contato com Tizuka e disse que aquele enredo poderia se tornar um filme. Foi aí que a diretora se lembrou do livro que havia ganhado, anos antes, quando esteve em Belém para ministrar uma oficina, e começou o projeto de filmar a história da pajé.

Muito feliz com a estreia do filme, Tizuka cuidava pessoalmente de cada detalhe da projeção na praça. Ela ressaltou que o Pará é um marco em seu trabalho. "Não poderia ser diferente. Faz todo sentido que a pré-estreia fosse na terra de Zeneida. É de grande importância que isso comece por Soure e o filme receba todas as bênçãos da natureza", comemorou.

Ao final da exibição, e em meio a aplausos, a pajé Zeneida Lima não segurou a emoção e chorou bastante. “Eu já tinha visto o filme uma única vez, mas estava nervosa e confesso que não prestei muita atenção. Aqui foi diferente, porque eu estou do lado da minha família e de amigos, e foi muito especial. Foi uma grande emoção, porque a forma como a Tizuka mostra a minha história é bem próximo de tudo o que aconteceu comigo e minha família”, avaliou Zeneida.

Atualmente, além dos trabalhos de cura de pessoas por meio de rituais de pajelança e uso de produtos da natureza, a pajé e seus filhos mantêm o Instituto Caruanas do Marajó, que é responsável por uma escola que atende a cerca de 240 crianças da periferia de Soure, e pela ONG Mãos Caruanas, que faz um resgate da cerâmica marajoara, produzindo peças como bijuterias, vasos, potes, utensílios e outros. Na área onde fica a sede do instituto também é possível visitar um parque temático, com muitas árvores frutíferas e grandes estátuas dos seres conhecidos como caruanas, segundo a descrição feita pela pajé Zeneida Lima.

Uma coprodução da Globo Filmes e Scena Filmes, com duração de 78 minutos, depois da pré-estreia em Soure, “Encantados” entra em cartaz no dia 7 de dezembro em Belém, na cadeia Cinépolis, do shopping Boulevard, e em salas de cinema de cidades como Santarém, Marabá, Parauapebas e Castanhal. A estreia nacional do filme será somente no primeiro trimestre de 2018.

O filme foi premiado na 38ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, como melhor filme brasileiro na categoria Festival da Juventude, em 2014, e abriu o Brazilian Film Festival of Miami, em 2016. Tizuka também conquistou o prêmio de melhor diretora por “Encantados” no 31º Festival de Cinema de Trieste, na Itália, em 2016.

Por Dedé Mesquita, especialmente para o LeiaJá.

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