Artistas mobilizados contra o fim do registro profissional

Trabalhadores da cultura e da diversão estão se mobilizando em todo o país contra votação proposta pelo Supremo Tribunal Federal que pode derrubar o registro profissional para artistas

por Paula Brasileiro qua, 11/04/2018 - 15:59
Reprodução/Instagram Artistas de todo o país estão se mobilizando nas redes sociais e fora delas Reprodução/Instagram

Em 1973, a atriz Bibi Ferreira fez um apelo no programa Só o amor constrói, exibido pela TV Globo. Ao lado do pai, o também ator Procópio Ferreira, então com 56 anos de carreira, Bibi falou sobre os três anos em que ele lutou para provar ser ator na solicitação pelo direito de qualquer trabalhador, o de se aposentar. Bibi usou o exemplo do pai para pedir pela regulamentação da profissão, que só chegaria em 1978, um ano antes da morte de Procópio, através da Lei 6.533/78.

Em 2018, quando a lei completa quatro décadas, atores, músicos, técnicos em espetáculos de diversão e cultura, além de artistas de circo e dança se veem na mesma incerteza quanto ao futuro, como os artistas das décadas de 1970 e anteriores. O motivo é uma votação proposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a ser realizada no dia 26 de abril, que pode acabar com a obrigatoriedade de registro profissional (DRT) para esses profissionais.  

A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 293 é pleiteada pela procuradoria Geral da República (PGR) e foi colocada em pauta pela ministra Carmem Lúcia, atual presidente do Supremo. Esta ADPF questiona a "obrigatoriedade de diploma ou de certificado de capacitação para registro profissional no Ministério do Trabalho como condição para o exercício das profissões de artista e técnico em espetáculos de diversões. Além dela, há a ADPF 183, que questiona a profissão de músico. Se acatadas, as ADPFs extinguem o registro profissional das classes e desregulamentam estas profissões.

Como em um replay histórico, artistas de diversos segmentos estão envoltos em insegurança pela possibilidade da perda dos direitos garantidos há menos de meio século. Caso a legislação seja alterada, profissionais da área da diversão e cultura poderão ser prejudicados quanto ao acesso a benefícios como aposentadorias, auxílio-doença e licença maternidade, entre outros.

"Que relação você vai ter com contratantes, como vai ter cachê, piso, teto? Não será mais uma profissão, vai virar amadorismo, coisa sem valor para a sociedade. "Os questionamentos e colocações são de Diógenes D. Lima, ator há 20, que, no último sábado (7), encabeçou, no Recife, um encontro entre artistas para debater o tema e buscar soluções: "A gente se juntou para produzir um vídeo, que está sendo produzido em todos os Estados, de artistas pedindo que não votem a favor dessa desregulamentação. Estamos produzindo, ainda esta semana, para engrossar esse movimento". A ideia, segundo o ator, é publicar o material nas redes sociais para viralizar o apelo da classe.                                                                            

Já para os músicos, a regulamentação chegou um pouco antes, em 1960, pela Lei 3.857/60. Em entrevista ao LeiaJá, o presidente da Ordem dos Músicos do Brasil, seccional Pernambuco, Eduardo de Matos, músico desde 1981, endossou trechos da carta aberta publicada pela classe artística, versando sobre a importância de legitimar tais profissões: “Durante quase 50 anos, artistas e técnicos lutam por um atestado de não marginalidade, pois o exercício artístico profissional, durante muito tempo, tem sido vítima de preconceitos ligados à vadiagem, prostituição e informalidade.”

No entanto, a PGR alega que ambas as leis regulamentadoras contêm itens que vão de encontro ao 5º artigo da Constituição Federal de 1988, que assegura "a livre manifestação do pensamento, a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação", além de ferir o artigo 215, que assegura o livre acesso à cultura. Para o advogado Adriano Araújo, especialista em direitos autorais e culturais, é pertinente apresentar modificações à tais legislações 'não só face à Constituição mas, também por adequação necessária que leis devem ter com o passar do tempo'. “Modificações seriam muito bem-vindas. realizadas mudanças nesses diplomas legais em adequação à Constituição de 1988, talvez as arguições de descumprimento de preceito fundamental não tivessem sido propostas”, afirma Araújo.

Mas o advogado frisa: “A manifestação artística plena e livre não pode ser confundida com as regras que cercam aqueles profissionais que vivem do fazer cultural. Para quem exercer atividade artística como profissão, o registro é importante para garantia de direitos que decorrem de uma relação contratual, por exemplo”. O jurista também coloca a importância do movimento de resistência dos artistas: “Trata-se de movimentação fundamental para que não haja um retrocesso nas conquistas daqueles que labutam na área da cultura há anos”. De acordo com Adriano, não há como recorrer quanto à decisão do STF para as ADPFs seja ela procedente ou improcedente.

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Artistas de todo o país estão mobilizados na tentativa de impedir a votação. Um abaixo assinado tenta recolher, na internet, 100 mil assinaturas, como forma de sensibilizar o STF. Em um outro esforço, atrizes e atores de vulto nacional, como Paulo Betty, Drica Moraes, Malu Mader, Herson Capri e Cissa Guimarães, entre outros, marcaram uma reunião com a presidente do Supremo, Carmem Lúcia, para entregar-lhe, em mãos, um documento com o pedido pela não votação. O encontro deve acontecer nesta quarta (11), na capital federal.

Para esta reunião, alguns profissionais da arte pernambucanos também devem estar presentes. Eles estão somando esforços para viajar até Brasília para engrossar o coro da categoria. “Está uma efervescência total em todo o país e estamos muito focados”, assegurou, em entrevista ao LeiaJá, a presidente do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Pernambuco (Sated -PE). Para Ivonete Melo, atriz e bailarina há mais de 40 anos, a causa é digna de todo esforço: “Vai valer a pena a gente estar de frente para eles para dizer que ‘estamos aqui, somos trabalhadores’. Temos uma lei que regulamenta a profissão fazendo 40 anos. Eu já sou aposentada, mas para os novos artistas, os que estão começando, realmente, é muito cruel, eles podem perder todos os direitos”.

Também nesta quarta, a deputada Luciana Santos (PCdoB/PE), que é presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Cultura, propõe o assunto como pauta na Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados. O movimento conta com o apoio do Ministério da Cultura. O ministro Sá Leitão esteve, na última terça (10), em uma reunião com um grupo de atores e se comprometeu a solicitar à presidente do STF o adiamento do julgamento das APDFs: “Consideramos que a ação não se justifica, não tem base legal e que a causa dos artistas pelo reconhecimento do registro profissional das profissões de artista, de técnico e de músico é um pleito muito justo. Tenho confiança de que os ministros do STF serão sensíveis a essa questão. Penso que o exercício profissional da arte não se confunde com o direito garantido na Constituição que todos os cidadãos têm de se expressar artisticamente de modo livre.”, afirmou o ministro.  

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