Contadores de histórias: ofício que resiste ao tempo
Profissionais dão vida às palavras e personagens dos contos, poemas e crônicas
'Era uma vez' é sinal de que a história vai começar. Sob os olhos e ouvidos atentos das crianças, os contadores de histórias dão vida às palavras e personagens dos contos, poemas e crônicas. Por meio do olhar, tom de voz e dos movimentos corporais, os contadores dão força a um texto. Muitas vezes, eles, que atuam em escolas ou bibliotecas, usam recursos como maquiagem, figurinos e acompanhamento musical para transportar os pequenos ouvintes até as páginas dos livros e fomentam o hábito da leitura. Nesta quarta-feira (20), é comemorado o Dia do Contador de Histórias. A data, cujo principal objetivo é reunir esses profissionais e promover a prática em várias partes do mundo, foi criada em 1991, na Suécia.
Há 10 anos, Roma Júlia exerce a função de contadora de histórias. Ela iniciou a profissão ao participar de um programa educacional vinculado a uma prefeitura. “Eu fazia um trabalho de contação de história para Educação de Jovens e Adultos (EJA). Então, surgiram oportunidades para espalhar histórias por aí. Na verdade, tudo começou nas escolas municipais da minha cidade, porque as bibliotecas dessas instituições estavam fechadas, mesmo aquelas que tinham estrutura, organizadas estavam fechadas por falta de pessoas. Assim, eu comecei a contar histórias para reabrir estes espaços. Pode-se dizer que foi da necessidade de dar acesso à literatura para as crianças que estavam naquelas escolas que iniciei na profissão”, relembra.
Pedagoga e contadora de histórias, Beth Cruz atua profissionalmente desde 2002. O contato com contos dos folguedos das cantigas e brincadeiras populares a levou pelo caminho da tradição oral. Pesquisadora da área, Cruz mantém a missão de conservar brincadeiras, brinquedos populares, promover a cultura Africana e Indígena, incentivando à prática da leitura.
Questionadas sobre a escolha do ofício, as profissionais explicam: elas que foram elegidas pela profissão. “Ser contadora de história já estava plantada em mim, em algum lugar. Acredito que meus ancestrais plantaram em mim e ela floresceu”, explica Roma. O mesmo sentimento é compartilhado por Beth. Para ela “ o verdadeiro contador de histórias é incumbido de uma missão lúdica na sociedade, encantar pela palavra, resgatar o ato de ouvir e de falar”, afirma.
A função do contador de história vai além da leitura, mas implica, direta ou indiretamente, no desenvolvimento humano, a partir da memória. “A história do meu povo é o que me move. Então, eu conto histórias da tradição oral do meu povo, porque quero a perpetuação da memória do meu povo, para que essas histórias não morram. Logo, a nossa função é acessar, no outro, essa memória”, aponta Roma Júlia.
Para ser contador de histórias não é necessário ter ensino superior, mas é preciso ter a sensibilidade e o prazer de oralizar narrativas. “Os melhores contadores de histórias, para mim, muitas vezes, não sabem nem ler. Então, para ser contador de histórias não é preciso ter formação acadêmica. O ofício é ancestral e vai além de qualquer coisa que você pode imaginar de academia. No entanto, a contação de histórias no mercado cultural é outra coisa, outro universo. Logo, dentro deste mercado, em geral, os contadores são pedagogos, artistas e também é composto por diversas pessoas com diferentes formações”, ressalta Júlia.
Beth Cruz pontua que o profissional deve estar atualizado e ser munido de sensibilidade.“Estar atualizado e procurar o entendimento para as coisas do coração, buscar os cursos profissionalizantes são opções interessantes para uma boa atuação”.
A tradição milenar de narrar histórias através da oralidade ultrapassa o tempo e continua diante das transformações sociais. O ofício, que é sinônimo de resistência, atualmente, lida com o forte crescimento das redes sociais e ferramentas digitais. Porém, os contadores têm se utilizados das novas plataformas como aliadas. " A contação de história é resistência desde que o mundo é mundo. Um ofício que resiste ao tempo e resistir a ele é muito difícil. As novas ferramentas e redes sociais chegaram para somar, mas precisamos entender como usá-las como aliadas. Acredito que a tecnologia e a contação de histórias, juntas, podem chegar mais longe”, esclarece Roma.
*Fotos: Reprodução/Facebook Roma Júlia e Beth Cruz
Publicado originalmente no site da UNAMA.