"Não vão me frear", diz ativista que denunciou PMs

O LeiaJá entrevistou Buba Aguiar, ativista do Coletivo Fala Akari, responsável pelas denúncias sobre ações truculentas de PMs, que foram reproduzidas por Marielle Franco antes de morrer. A militante conversou sobre a rotina e a situação na Favela de Acari após o crime, ativismo e o evento que acontece nesta quinta (26), no Circo Voador, em homenagem à vereadora

por Mellyna Reis qui, 26/04/2018 - 19:19

RIO DE JANEIRO - O Circo Voador, na Lapa, recebe na noite desta quinta-feira (26) o evento Marielle Gigante, em homenagem à vereadora do PSOL assassinada no dia 14 de março, no Centro do Rio. Idealizado por quatro coletivos que atuam na luta por direitos do povo negro, mulheres negras, LGBTs, favelados e periféricos, o evento pretende rememorar a vida e trajetória da parlamentar, reconhecida pela árdua dedicação e luta pelos direitos humanos.

A noite contará com shows e apresentações de diversos artistas, como Planet Hemp, Flora Matos, Marcelo Yuka, Bloco Apafunk, o rapper BK, Poetas Favelados, entre outros. A venda dos ingressos será revertida para quatro organizações sociais que eram apoiadas por Marielle: os coletivos Fala Akari, Casa das Pretas, Maré Vive e o Pré-Vestibular Comunitário do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré. 

Uma das presenças que não pode ser confirmada é a da ativista Buba Aguiar, da Favela de Acari, na Zona Norte do Rio. Como defensora de direitos humanos, Buba já sofreu um sequestro e outras ameaças por denunciar ações truculentas de policiais do 41º Batalhão, ao qual atribuiu o epíteto de "Batalhão da Morte". Desde o assassinato de Marielle Franco (PSOL), a ativista Buba Aguiar segue protocolos de segurança e se mantém afastada de casa. 

A denúncia feita pelo Coletivo fala Akari, do qual Buba faz parte, foi ecoada por Marielle nas redes sociais, quatro dias antes de ser friamente executada. A parlamentar escreveu:     Desde de Marielle Franco (PSOL), a ativista Buba Aguiar segue protocolos de segurança e se mantém afastada de casa. Foto: Marcio Pimentel/AFP

"Precisamos gritar para que todos saibam o está acontecendo em Acari nesse momento. O 41° Batalhão da Polícia Militar do Rio de Janeiro está aterrorizando e violentando moradores de Acari. Nessa semana, dois jovens foram mortos e jogados em um valão. Hoje a polícia andou pelas ruas ameaçando moradores. Acontece desde sempre e com a intervenção ficou ainda pior. Compartilhem essa imagem nas suas linhas do tempo e na capa do perfil!"  

Desde aquela noite de 14 de março, a rotina da ativista ficou completamente conturbada. "Não consigo ir para a faculdade. Também estou afastada do meu trabalho. Minha militância também foi alterada, não posso dizer onde vou estar, nem quando e nem que horas", desabafou. Foto: Marcio Pimentel/AFP (CEASM).

Seguindo protocolos de segurança, Buba Aguiar concedeu uma entrevista ao LeiaJá, onde falou sobre ativismo e as ameaças que sofre, a situação na Favela de Acari após o crime e o evento desta quinta-feira, que homenageia a vereadora.

Como você tem seguido a vida após a morte de Marielle Franco? De que modo esse crime bárbaro afetou a sua rotina? 

Buba Aguiar: Eu já tinha algumas restrições como, por exemplo, evitar chegar tarde na favela, porque do metrô até a entrada principal de Acari já era um trajeto onde eu corria risco, inclusive foi fazendo esse percurso que fui sequestrada por policiais em 2016. Eu já estava sondando a possibilidade de passar um tempo fora de Acari, uma espécie de planejamento, ficar alguns dias lá e alguns outros dias em algum outro bairro. Então essa questão é bem anterior à morte da Marielle, mas obviamente, quando ocorre a execução de Marielle, a gente (do coletivo) se pega sem saber o que poderia vir. Não sabíamos se no dia seguinte haveria alguma operação grande ou não. Então, o indicado foi que eu saísse, e não apenas eu. E desde então minha vida está uma bagunça. Não consigo ir para a faculdade. Também estou afastada do meu trabalho. Minha militância também foi alterada, não posso dizer onde vou estar, nem quando e nem que horas.

O que Marielle representava para você?

BA: Não só para mim, mas para muitas outras pessoas, a Marielle era, é, uma representatividade forte. Nosso tipo de atuação era muito diferente, inclusive já tivemos posicionamentos diferentes, mas Marielle sempre se mostrou uma aliada política muito importante. Afinal, lutamos pelos direitos do nosso povo, incluindo a humanização do povo negro. Pelo reconhecimento da nossa cultura perante a sociedade. Contra o genocídio do nosso povo.

Você ainda se sente ameaçada pelos PMs do "Batalhão da Morte", mesmo a Polícia Civil tratando milicianos como os principais suspeitos pela morte de vereadora? Que tipo de ameaças você já recebeu desde que começou a denunciar os PMs do batalhão?

BA: Bom, como falei antes, as ameaças ocorrem há muitos anos, e num certo momento foram concretizadas com invasões à minha casa, fuzil na minha testa, apreensão ilegal de materiais políticos como panfletos, faixas e afins, danificação de móveis e eletrônicos e o mais grave foi o sequestro que falei acima. Sabemos que muitos policiais militares atuam em milícias, então, eu fico apreensiva de qualquer forma. Porém, tem um agravante que perpassa a morte da Marielle: nós conseguimos fazer o mundo observar a atuação do Batalhão da Morte, principalmente em Acari, tanto que desde então esse batalhão não realizou nenhuma operação oficial lá, porque sabem que violações de direitos irão ocorrer e serão denunciadas com um rigor muito maior. Com isso, nós, militantes locais, nos tornamos, ainda mais, um alvo principal deles para quando essa poeira abaixar. Então, te respondendo com mais firmeza: sim, ainda me sinto em risco por conta das inúmeras ameaças que já recebi de policiais do batalhão da morte.

Como está o clima em Acari após o que houve com Marielle? Você continua afastada da comunidade? 

BA: O clima em Acari está uma espécie de sossego frágil. Pois, com todo mundo em cima do 41º BPM, as operações deram um tempo, mas não sabemos até quando. E com a intervenção federal militar essa fragilidade aumenta. 

Como se dá a sua atuação em defesa dos direitos humanos? Esse trabalho foi afetado após o crime?

BA: Eu não sou mártir, mártires morrem cedo. E por mais que eu saiba que realmente corro grande risco sendo militante e atuando da forma que atuo, de forma mais direta, batendo de frente, tirando policiais sem ordem judicial de dentro da casa de moradores e desarticulando cárceres privados, por exemplo, não me permito parar até porque é isso que eles querem, querem que eu aceite calada e de cabeça baixa todo sofrimento que tentam impor. A partir do momento que me rebelo, grito contra tudo isso e boto o dedo na cara do estado, vem a perseguição, que nada mais é do que uma forma autoritária de tentar nos silenciar, mas isso não vai acontecer, nem me matando. Obviamente, ando com muitas restrições, às vezes preciso deixar de ir a algum evento porque a movimentação está estranha, evitar ter uma rotina (como se eu conseguisse criar rotina com tudo do jeito que está, né), recusar certas mesas de debates, tive de desmarcar algumas consultas médicas por serem profissionais que já me acompanham há um tempo. É como se minha vida estivesse parada sem estar, porque eu continuo atuando, ligada no 220, ajudando familiares de vítimas de violência do estado, organizando evento, escrevendo, aí na resistência. Não vão me frear. 

Qual a sua relação com o Coletivo Fala Akari? Que tipo de papel a organização desempenha?

BA: Sou uma integrante do Coletivo Fala Akari. O coletivo é formado por mulheres negras faveladas. É um coletivo horizontal, não tem uma de nós que seja líder do coletivo. Como qualquer grupo de pessoas, cada uma tem a sua personalidade e também seu modo de atuação, o que é bom, que reafirma nossa horizontalidade e pluralidade na militância. Nós desempenhamos vários papéis, fazemos trabalho de comunicação comunitária, trabalhos culturais e educacionais, ajudamos a montar dois pré-vestibulares maravilhosos, já organizamos uma audiência pública comunitária para denunciar publicamente a violência policial, rodas de conversas sobre política, até festa de São Cosme e São Damião nós já organizamos por ser uma das formas de resgatar a cultura de matriz africana. O bom é perceber que esse nosso trabalho, que chamamos de trabalho de base, dá muito certo. Hoje em dia temos a confiança dos moradores, eles conhecem e reconhecem nosso trabalho, a importância desse trabalho e a importância deles contribuírem também para que a gente possa continuar tudo isso.  

Você e o coletivo têm recebido algum tipo de proteção do Estado? Ou, continua adotando apenas 'protocolos de segurança'? 

BA: A única coisa que recebemos do estado é bala de fuzil e caveirão. Sinceramente, não sei como seria receber uma suposta proteção de quem quer me matar. Continuo, sim, em protocolo de segurança e meio que sem previsão de voltar para minha casa. 

Qual o principal objetivo do evento que será realizado no Circo Voador? Ele já vinha sendo planejado ou é uma resposta ao que aconteceu à vereadora? 

BA: O objetivo do evento é reafirmar a importância de Marielle Franco e toda a luta que travou em vida e que continuamos travando após a sua execução política. Mostrar que, apesar de tudo, apesar de nosso sangue continuar sendo derramado, apesar das perseguições, continuaremos na luta. Esse evento já estava sendo pensado há um tempo, porém com tudo que ocorreu, com intervenção após o carnaval, com a execução da Marielle, do Anderson, dos meninos de Maricá e com o alto número de mortes de defensores de direitos humanos no Brasil, resolvemos reformular o evento da forma que estava sendo pensada anteriormente.

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