Apreensivos, moradores de morros temem chegada do inverno

Com as chuvas que têm atingido a Região Metropolitana do Recife, população de área de risco se mantém alerta e preocupada

seg, 07/05/2018 - 15:59

Medo é a palavra que acompanha os moradores das áreas de risco e não dá sossego. Eles, que lidam diariamente com o perigo de deslizamentos de barreiras e desmoronamentos em morros, ficam ainda mais apreensivos com o inverno próximo e os altos volumes de precipitações que têm atingido a Região Metropolitana do Recife.

Um caminho de barro, com muito lixo e mato no percurso, e alguns pedaços de tijolo e madeira improvisando uma escada, leva até a casa de Karla Maria Silva, 32 anos. Desempregada, ela mora com os três filhos numa casa pequena embaixo de uma barreira na comunidade Campo do Fluminense, no bairro de Nova Descoberta, na Zona Norte do Recife. 

Morando no local desde setembro do ano passado, ela e as crianças ficam apreensivas a qualquer sinal de chuva. “É difícil viver aqui, quando chove, morro de medo. A gente vive assustado, mas fazer o quê? não temos para onde ir”, desabafou Karla, que usa os R$287 que recebe do bolsa família para pagar o aluguel da casa. O espaço, de risco, não oferece conforto nem tão pouco tranquilidade. “Domingo passado [29] mesmo, um pedaço dessa barreira caiu, a casa ficou cheia de barro”, contou Karla.

Também moradora do Campo do Fluminense, Roselândia Santos, 28 anos, é praticamente vizinha de Karla. Vivendo em um barraco no alto da barreira há seis anos, não vê outra opção a não ser encarar o medo.“A gente tem que viver, para onde eu vou? para debaixo da ponte?”, indaga a dona de casa. “Quando chove, fico em cima da cama com os meninos, é a maneira que encontrei de me proteger”, revela ela, que mora com seus três filhos. 

No Alto São Sebastião, também em Nova Descoberta, a situação não é muito diferente. “Todo inverno é essa tensão, desde sempre. A gente morre de medo”, afirma a dona de casa Maria Auxiliadora Pereira. Nos dias de chuva, o receio é ainda maior. “Até pra sair de casa é difícil. A prefeitura não faz nada e diz que não coloca lona aqui porque não tem nenhuma do tamanho da barreira”, conta. 

O bairro Nova Descoberta é um dos que serão contemplados por uma série de obras da Autarquia de Urbanização do Recife (URB). De acordo com uma nota enviada pela pasta ao LeiaJa.com, em convênio com o Orçamento Geral da União (OGU), serão investidos R$ 7,7 milhões em intervenções que “vão garantir mais segurança em períodos de chuva, mobilidade, acessibilidade e qualidade vida para a população dos morros do Recife”.

“Eu não tô muito feliz não. Num tempo de chuva desse, a gente morando no pé dessa barreira... Como vou ficar feliz, né?”. O desabafo é de seu Lourival Gonçalves, 60 anos e que há 30 vive na Rua Alto Só Nós Dois, no bairro de Passarinho, na Zona Norte do Recife. Morando em uma casa que ele mesmo construiu, o pedreiro aposentado sente receio de ficar no espaço, principalmente nos dias de chuva. “A prefeitura vem, coloca a lona, mas a gente não dorme sossegado. A gente fica sempre com cuidado”, conta. “A gente mora aqui porque não tem opção. Vou ficar aqui até quando? não sei”, conclui. 

Vizinha de seu Lourival, em 2015 a auxiliar de serviços gerais Antonia Julieta da Silva, 38 anos, passou por momentos de terror quando a barreira que fica atrás da casa dela deslizou e invadiu a residência. “Foi terrível, rachou a casa inteira. A Prefeitura veio aqui e condenou a casa. Mas para onde a gente vai? nem auxílio-moradia foi dado pra gente. Não tenho como ir embora daqui”, conta. 

Apesar da lona colocada no dia que a reportagem visitou o local, Antonia ainda sente medo. “A lona não resolve o problema, só ajuda para não entrar água no barro. Mas, ainda assim, fico assustada e quando chove vou pra casa da minha sobrinha. Sem contar que esse pé de cajá está condenado e pode cair a qualquer momento e atingir a minha casa”, afirma.  

A diarista Telma Felipe da Luz, 42 anos, cansou de esperar e resolveu pedir um empréstimo para pagar a construção do muro de arrimo na parte de trás da casa onde mora, no Córrego José Aprígio, no bairro da Guabiraba. Dividindo os custos com uma vizinha, viu isso como a única saída para resolver o problema. “Durante anos essa barreira caía e entrava aqui dentro de casa. A gente tinha que dormir na casa dos vizinhos. Então tivemos que resolver por conta própria”, relata.  

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A URB informou que “estão em andamento 15 obras de contenção de encostas definitivas, com a construção de muros de arrimo, e outras 25 têm previsão de iniciar ainda este ano. As intervenções vão beneficiar mais de 2,5 mil pessoas a um custo de mais de R$ 48 milhões”. Ainda segundo nota da Autarquia, os contratos estão divididos entre recursos do PAC Encostas e um convênio com o Orçamento Geral da União (OGU), e “preveem a construção de muros de arrimo com tela argamassada, rampas e escadarias de acesso, drenagem, entre outras melhorias”.

Ainda no texto, a pasta explicou que as obras do PAC Encostas foram divididas em lotes e os serviços já foram iniciados. A URB explicou que o Lote 2, com seis obras, está em fase conclusão e o Lote 3, com 11 obras, está em execução. Foram investidos mais de R$ 9 milhões nas obras. A Autarquia garantiu que ainda este ano terão início as obras dos Lotes 4, que inclui o Córrego José Aprígio, e 5, com investimentos de R$ 30,5 milhões e garantiu que "orçamento para as demais etapas já está assegurado pelo Ministério das Cidades e ao todo serão 102 áreas serão atendidas num investimento total de R$ 150 milhões". Os demais lotes serão licitados ainda este ano, prometeu a URB.

O LeiaJa.com entrou em contato com a Defesa Civil do Recife, mas os nossos questionamentos não foram respondidos.

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