Mercado informal cresce dentro dos ônibus de Belém
Desemprego empurra trabalhadores para atividade alternativa: a venda de produtos nos coletivos da capital paraense. Em alguns casos, faturamento chega a R$ 400,00 por dia.
Todos os dias, centenas de vendedores entram nos ônibus para vender diversos produtos. Essa prática é comum não só para os que estão desempregados, mas também para quem quer investir em algo para o futuro (veja vídeo abaixo).
Largar tudo para vender empadas nos coletivos foi o que fez Pablo Pantoja, de 37 anos, que há três meses resolveu arriscar ao deixar seu emprego de carteira assinada para conseguir montar seu próprio negócio. “Meu objetivo é ficar mais alguns meses, não é ficar pra sempre, só o tempo necessário para abrir minha lanchonete.”
A renda mensal obtida com a venda das empadas é maior que um salário mínimo de um emprego formal. “O valor delas é R$ 2,00. Às vezes eu vendo três por R$ 5,00. Em média eu ganho de R$ 300,00 a R$ 400,00 por dia.” Pablo é focado e só volta para casa depois de vender tudo. “Trabalho de segunda a sábado, o horário varia. Essa semana tô trabalhando de 10 da manhã às 22 horas, com uma hora de intervalo e às vezes sem intervalo nenhum”, explica.
Esse trabalho é marcado por parceria, pois é necessário que o motorista libere a entrada dos vendedores no transporte público. Pablo pega de 30 a 40 ônibus por dia e a cada viagem entrega uma pipoca para o motorista como forma de agradecimento.
Segundo o Diesse (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o ano de 2017 fechou com saldo negativo no setor de empregos formais, com perda de 6.822 postos de trabalho. Em fevereiro de 2018 houve queda na geração de empregos.
Diego Gonçalves, 32, é um dos paraenses que fazem parte dessa estatística. Perdeu o emprego formal, mas encontrou nos coletivos o seu novo ambiente de trabalho. “Fiz alguns investimentos que deram errado, e eu acabei quebrando financeiramente. Na tentativa de me levantar, acabei caindo cada vez mais, me encontrei sem capital e tive que fazer alguma coisa para não levar esses problemas pra minha família. Foi quando eu tive a ideia de entrar nos coletivos. Tinha visto outras pessoas fazerem e darem certo. Se deu certo pra eles, vai dar pra mim”, disse.
A timidez é um dos fatores que impedem muitas pessoas de trabalharem com as vendas nos coletivos. Diego conta que a sua primeira experiência foi difícil. “Na verdade, não existe jeito nem timbre, existe você estar precisando no momento. Então naquela hora eu tive que entrar e vencer o nervosismo, e como foi uma venda boa eu disse: bom, agora eu tô no caminho certo!”
A escolha do produto também é um fator determinante para o sucesso nas vendas. Além do preço acessível, a inovação em eletrônicos chama a atenção dos passageiros. “A escolha da mercadoria é por algo de baixo custo que todos possam adquirir, não só barato, mas que chame a atenção. Por exemplo, eu vendo caneta touch a R$ 2,00, que além de servir para escrever no papel, funciona também no celular”, completa Diego.
Facilidade x incômodo
As opiniões se dividem entre os passageiros. Muitos aprovam a facilidade em comprar algo barato durante o trajeto. Entretanto, outros se sentem incomodados com a abordagem dos vendedores. A empresária Cemira Santos, de 38 anos, diz que a venda de certos produtos contribui para a distração em momentos de engarrafamento em que os ônibus ficam parados. “Por um lado ajuda porque às vezes eles estão vendendo uma coisa que a gente tá necessitando comprar, aí de certa forma eles estão ajudando a gente. Compro fone de ouvido, caça-palavras, que serve pra gente ganhar tempo naquela viagem estressante, no trânsito.”
Por outro lado, há pessoas que se sentem incomodadas com a entrada dos vendedores, como conta o estudante Israel Pereira, de 16 anos: “Existe o lado ruim, que alguns não têm educação, não têm respeito, e acabam trazendo um desconforto pra quem é passageiro”.
Dos bombons à sala de aula
“Como eu não conseguia nenhum emprego fixo, como até hoje, meu amigo me levou pra vender nos ônibus. A renda dos bombons tem me ajudado bastante, principalmente na minha faculdade. Quando eu vi que a ideia deu certo, decidi continuar e já tem três anos que vendo bombons”, relatou Heloísa Ramires, 20 anos, estudante de licenciatura em Geografia, que começou a vender bombons regionais na rua aos 17 anos, antes mesmo de entrar na faculdade. Com ajuda do amigo André, decidiu vender nos coletivos. No início a sua maior dificuldade era a comunicação com o público, mas aos poucos se familiarizou com a rotina de trabalho.
Com a renda dos bombons ela paga a faculdade e as suas despesas. “Tá difícil um emprego de carteira assinada. Eu acredito que o trabalho nos coletivos é um trabalho que ajuda muita gente. Eu conheço pessoas que vivem disso, que fazem um trabalho sério, um trabalho honesto”, afirma.
Heloisa também tem planos para o futuro. Ela quer deixar a informalidade brevemente, pois pretende ingressar na sua área profissional. “Eu acredito muito que essa venda de bombons é algo temporário. Eu vou trabalhar no que de fato eu quero, que é dar aula”, conclui.
Por Fernanda Cavalcante, Adrielly Araújo e Caroline Monteiro.