Muribeca: problema que persiste no bairro que resiste

Há 13 anos, os moradores das mais de 2.000 unidades habitacionais esperam pela reconstrução ou pelo pagamento do seguro para que possam adquirir um novo lar

por Jameson Ramos qua, 07/11/2018 - 15:28
Alex Drone/LeiaJá Imagens 'Prédios Caixão' são construções em alvenaria que se tornaram muito comuns no Brasil a partir de 1970 Alex Drone/LeiaJá Imagens

O bairro de Muribeca, localizado em Jaboatão dos Guararapes, Grande Recife, era uma comunidade pulsante. Vibrava cultura, harmonia e encontros pelos becos dos 70 prédios do Conjunto Habitacional Muribeca, que nos anos 80 deu origem e sentido a todo o bairro. Hoje, o coração da comunidade parece estar fraco, batendo apenas com a ajuda de alguns moradores que resistem e tentam ressignificar o local que agora se encontra em meio ao êxodo provocado pela condenação dos mais de 2.000 apartamentos, e a retirada dos seus moradores.

O Conjunto Muribeca faz parte das milhares de habitações construídas nos anos 80, financiadas pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), integrando parte de um projeto do Governo Federal, na época, para facilitar o acesso às moradias populares pelas pessoas mais carentes. Um projeto que foi replicado em várias cidades do Brasil.

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A já extinta Companhia de Habitação Popular do Estado de Pernambuco (COHAB-PE) era a responsável pela construção e entrega local das moradias. No Estado, segundo confirmado pela Pernambuco Participações (Perpart), hoje responsável pelas demandas da COHAB, foram construídos 750 prédios "tipo caixão" para as pessoas carentes que acessaram essa iniciativa Federal; todos na Região Metropolitana. A construção ficou assim dividida: 28 no Recife, 260 em Paulista e 462 desses prédios erguidos no município de Jaboatão dos Guararapes.

Do total de "prédios caixão" - uma construção em alvenaria que se tornaram muito comuns no Brasil a partir de 1970 - entregues em Jaboatão, 70 representavam o Residencial Muribeca, que foi entregue aos seus compradores em 1982.

No entanto, exatos quatro anos após a entrega dos imóveis, alguns moradores se viram numa situação complicada: terem que sair de suas moradias recém adquiridas por conta de problemas estruturais, os chamados "vícios de construção" que acabaram condenando alguns apartamentos; o que mais tarde se repetiu por vários blocos do residencial.

A desocupação aconteceu de forma "parcelada", tendo a primeira desocupação obrigatória acontecido 1986. Neste ano, o bloco 10 da quadra 3, conhecido como “balança, mas não cai”, foi interditado e em seguida demolido.

Em 2005, 19 anos depois da primeira interdição, mais uma desocupação em massa aconteceu. A partir daí, cada vez mais moradores tiveram que sair de suas residências, deixando para trás toda uma vida construída dentro e fora das paredes de seus apartamentos. Foi o ano em que 100% dos blocos foram desocupados e o bairro que crescia começou a regredir e se resumir em abandono - se transformando numa “cidade fantasma”.

Comerciante, filha de uma das primeiras moradoras do Conjunto Muribeca, Eulina Felix, 60 anos, hoje residindo no Ibura, Zona Sul do Recife, lamenta a situação em que vive o seu bairro de infância. “A gente tem até medo de ficar por aqui. Nos feriados, por exemplo, a gente não abre o comércio porque não confiamos mais na segurança”, salienta.

Dona de uma loja de costura em Muribeca, Eulina sente na pele a diminuição de pessoas ao seu redor e, consequentemente, do trabalho. “As pessoas foram embora. Vamos trabalhar pra quem? A gente vive aqui pedindo a Deus uma solução para esse bairro. Ficamos triste porque somos pessoas iguais a todo mundo, e porque nossa cidade está assim? Estamos abandonados”, reclama.

Exercendo o papel como uma das líderes comunitárias da região, Rosa Maria da Silva, mesmo não tendo morado no Conjunto Muribeca, lamenta pela situação. “É algo muito difícil porque tem gente que chegou em Muribeca com filho pequeno, constituíram família e uma história aqui dentro, quando de repente se viram nesse beco sem saída”.

O sentimento de resistência e esperança de que conseguirão sair vitoriosos dessa batalha judicial é demonstrado por cada morador. Mas o que parece imperar em muitos desses é o sentimento do medo de morrer antes de ter um teto para chamar de seu novamente.

“Eu saí do Rio de Janeiro e escolhi esse lugar para viver até a morte.  De repente, já na velhice, me encontro com uma mão na frente e outra atrás, saindo do que era meu, para morar no que é dos outros” relata Maria José dos Santos, 60 anos. A dona de casa recorda a forma de abordagem da Defesa Civil, na época. “Fomos tratados como bichos e invasores. Muita gente aqui dentro passou mal, morreu e quem ainda vive está com a saúde ruim por conta de tudo o que aconteceu”.

Maria José foi uma das pessoas que resistiram inicialmente a ordem de despejo e, segundo afirma, só saiu após muita insistência de seu marido e do filho que não queriam mais passar pelas humilhações. Lembra que, na época, se juntou com outros moradores e foram até a justiça para conversar sobre a situação.

“A juíza nos recebeu e disse que ninguém iria mais sair e que o problema seria resolvido", o que não aconteceu. Depois de um tempo foi a vez de um engenheiro ir até o apartamento da Maria José, pedindo novamente para que a moradora e seus familiares saíssem do imóvel para que pudesse ser feito uma nova perícia. "Depois disso eu recebi a ordem de despejo e tive que deixar o apartamento contra a minha vontade”, afirma.

Maria, Rosa e Eulina são pessoas que estão com a idade avançada, assim como dona Ruth Almeida, que diz já ter perdido a esperança de voltar para a “nova Muribeca” e luta para que pelo menos consiga receber a indenização da moradia que tem direito. “Eu não tenho mais idade para esperar que eles façam as novas moradias. Estou com 75 anos e quero antes de morrer conseguir comprar minha casa e descansar em paz, não aguento mais essa situação”.

Há 13 anos que os moradores lesados esperam pela reconstrução do Habitacional Muribeca e/ou pagamento do seguro para que possam adquirir um novo lar. Toda essa dificuldade deixou a marca da incerteza de um futuro seguro para os velhos e novos, pais e filhos de Muribeca. Assim como teme Dona Ruth, dezenas de pessoas morreram sem reaver suas moradias.

Não é por falta de divulgação da realidade dos que, um dia, tiveram Muribeca plenamente como o seu lar, que o problema foi por completo solucionado. Filmes e poesias já foram feitos no (e para o) bairro, ultrapassando até as fronteiras do Brasil. No entanto, parece que tanta visibilidade da situação calamitosa que vive os antigos e resistentes moradores do bairro não tem feito com que todos os órgãos envolvidos consigam entrar num consenso e resolver a problemática.

O imbróglio judicial do Habitacional Muribeca corre hoje na 5ª Vara da Justiça Federal em Pernambuco. São ao todo cinco processos e nenhuma perspectiva de quando tudo será solucionado.  

Em 2012, a Presidenta Dilma Rousseff, em visita à Pernambuco para a promoção do Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC2), havia afirmado, juntamente com o Governador Eduardo Campos, que a resolução do problema de Muribeca deveria ser prioritário para a Caixa, que naquele momento não deveria discutir o “mérito” do problema e, sim, tentar auxiliar as pessoas que moravam nos apartamentos condenados. Mas nada foi feito.

Com a desabitação dos prédios, os moradores conseguiram perante a justiça a garantia do pagamento do auxílio moradia no valor de R$ 920, pagos pela Caixa Econômica Federal (CEF), que assumiu o conjunto com o fim do Banco Nacional de Habitação. Em resposta ao LeiaJá, a Caixa afirma que “já se posicionou no referido processo e está aguardando a decisão judicial".

Especulação Imobiliária

Luiz Cláudio, integrante do movimento Somos Todos Muribeca, acredita que o que está acontecendo com o bairro seja parte de uma especulação imobiliária. “Nós aqui estamos a cinco minutos da BR que dá acesso a Suape (Cabo de Santo Agostinho), acesso a praia, ao shopping. A gente está sofrendo o poder dessa especulação que tenta fazer um êxodo na comunidade e o poder público não faz o que deveria fazer”.

Lula, como é conhecido dentro da comunidade, informa que em boa parte do processo os moradores foram julgados, sentenciados e condenados sem participar das ações. “O Somos Todos Muribeca tentou colocar um advogado popular para acompanhar todo o processo como conselheiro do caso, mas a justiça não permitiu”, conta Lula.

Ele afirma que até pouco tempo a comunidade só sabia dos fatos quando tudo já estava determinado, e sem a participação popular. “Uma coisa importante que devemos pontuar aqui é que para além das moradias não existe projeto algum para os comerciantes da área. Toda a comunidade precisa de um comércio e aqui não se está fazendo nada para isso. Nós já entramos em contato com a prefeitura, mostramos algumas áreas que poderia ser construída uma alameda de comércio para atender a comunidade e eles dizem que não podem (fazer)”, diz.

Quem continua em Muribeca, resiste pela esperança de encontrar essa comunidade mais uma vez sendo habitada e desfrutada por aqueles que um dia derramaram o suor do rosto para conseguir realizar o sonho da casa própria.

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