O futuro do jornal impresso: saída está em nova abordagem

Especialistas acreditam que mudanças editoriais garantem sobrevida à plataforma de papel. É o que mostra reportagem de Yasmim Bitar produzida para conclusão de curso na UNAMA - Universidade da Amazônia.

sab, 02/02/2019 - 11:29

É difícil se desapegar de algo quando ele já faz parte da nossa cultura. Os discos de vinil custaram a perder a força, muitas pessoas relutaram e continuam insistindo neles, tanto que novas versões atualizadas e modernas (também chamadas de vintage), mas com a mesma essência, continuam sendo produzidas. As pessoas que diziam que os rádios acabariam na época em que as televisões estavam se desenvolvendo, hoje mordem a língua ao ver a enorme audiência que os programas de rádio ainda cativam. Agora a bola da vez está com os jornais impressos, ameaçados pelas novas plataformas digitais.

O jornalista Lázaro Morais, editor chefe do jornal O Liberal, não acredita no fim do impresso. Para ele, “o que vai determinar o desaparecimento do jornal impresso não é o meio, mas sim as condições materiais. E enquanto houver árvore, tem papel e tem jornal impresso”. De acordo Lázaro, se as matérias-primas necessárias continuarem existindo, as duas plataformas irão conviver. Ele ainda afirma que a maior ameaça aos jornais impressos são as mudanças geracionais, que o que sustenta o jornal impresso é costume da leitura e que “enquanto houver a memória, a cultura sobrevive”. Para ele, o que vai mudar é a forma como o conteúdo será apresentado e não o meio em que ele será produzido. “A questão é que esse modelo de jornal impresso tende a acabar, ele não vai mais tentar ser factual, vai ser analítico, de serviços e que proporcione outros interesses”, explica.

De acordo com a professora Ana Prado, doutora em Comunicação Social e titular da Universidade Federal do Pará (UFPA), as pesquisas pelo menos concordam que essa plataforma terá que se modificar para se adaptar aos novos tempos. Uma das possibilidades que a pesquisadora enxerga para a continuidade dos jornais impressos é que ele aborde as notícias de forma diferente, sem se preocupar em transmitir o factual que já vai estar nos jornais digitais há muito mais tempo.

Valdo Ferreira, diretor de O Liberal, assegura que os jornais impressos não vão acabar, mas que irão atender um público muito específico, que não vai manter a fidelidade por causa das notícias, mas pela própria plataforma: o jornal impresso. Ao tentar considerar a hipótese desse término, ele garante que a informação seria escassa mesmo que já houvesse uma revolução tecnológica e ainda faz referência aos já conhecidos discos de vinil. “No dia em que as redes sociais derem a certeza (credibilidade) que os jornais impressos dão, as pessoas não vão mais sentir falta, mas se isso não acontecer, vão sentir. E aí o jornal pode até ressurgir, como acontece hoje com os vinis”, conclui.

O jornalista Adaucto Couto, editor executivo do Diário do Pará, também acredita que a possível extinção dos jornais em papeis seria decorrente de uma mudança cultural e não material. Ele até chega a aceitar o possível fim da plataforma, mas diz que para isso é preciso que os jornais digitais consigam a substituir totalmente quanto à credibilidade. Essas afirmações são confirmadas pela pesquisadora Ana Prado, que afirma não ter apenas um motivo para a crise dos jornais impressos. Para ela, tanto as mudanças culturais, quanto as transições geracionais e novidades tecnológicas auxiliam neste enfraquecimento. “Essa geração não foi culturalmente acostumada a ler em papel”, continua a professora.

Mas nem todos são otimistas. A jornalista Rita Soares não demonstra felicidade quando repete insistentemente que os jornais impressos vão acabar e que nada mais pode ser feito para mudar isso. Ela, também como professora, afirma já ter sido indagada sobre o tema inúmeras vezes, e que por muito tempo relutou à possibilidade de aceitar o término dos jornais tradicionais de papel. Até que, de acordo com ela, chegou um momento em que não pôde mais fugir dessa realidade que conseguiu enxergar com mais clareza quando começou a trabalhar na área digital.

Últimas tentativas

Como diz o ditado: a esperança é a última que morre. Os discos de vinil, que por algum tempo foram esquecidos, hoje conservam um valor simbólico talvez mais especial do que teriam se não tivessem passado por uma crise. Então por que desacreditar em uma longa expectativa de vida para o jornal impresso? Muitos jornais apresentam novidades na forma de produzir conteúdo com o objetivo de chamar a atenção dos leitores. Outra válvula de escape são as transformações gráficas. O escritor Orlando Carneiro recebeu o Prêmio Jabuti de designer gráfico pelo livro “Marcas do Tempo”, e mesmo assim afirma que o layout é importante, mas que as letras continuam as mesmas: o “a” continua sendo “a”, o “b” sendo o “b” e assim por diante. Ou seja, de acordo com ele os jornais são feitos para oferecer conteúdo informativo, então o principal objetivo não deve ser a apreciação pela beleza do material.

Além disso, colocar revistas e projetos dentro do jornal com a chamada “venda casada” é outra forma continuar conquistando o leitor, como explica o diretor de contas de O Liberal, Valdo Ferreira. Se a pessoa se interessar por uma revista ou outro material, ela terá que comprar o jornal impresso inteiro para poder conferir essa produção, assim o leitor tem o que quer e o jornal faz o que precisa: vender e informar.

O jornal Diário do Pará, por exemplo, produziu um projeto chamado “Casarões”, no qual maquetes de papel que retratavam prédios históricos de Belém eram adicionadas ao jornal, com o intuito que o leitor pudesse montar a miniatura, conhecer mais da cultura paraense e, claro, não deixar de comprar o jornal esperando pela próxima construção. Hamilton Pinheiro, que acompanhou essa e outras produções do jornal, conta que conheceu famílias que montavam as maquetes juntas e faziam questão de ir até o prédio real para comparar a miniatura com a construção. “A gente tem que ter a consciência de que os tempos mudaram, as pessoas mudaram e a gente tem que mudar junto, se não vamos ficando para trás”, acrescenta Hamilton.

Mas se o que faz a escola é o aluno, quem faz o jornal é o leitor. Cezar Cruz, o personagem que representa os fiéis leitores dos jornais impressos e digitais, afirma, sem demonstrar dúvidas, que enquanto houver jornal impresso, ele não deixará de consumir. E assim o jornal segue vivendo. Ou sobrevivendo. Torcendo para que, caso tudo dê errado e realmente acabe, possa ressurgir e ter, em sua versão vintage, um valor simbólico tão especial quanto o dos nostálgicos discos de vinil.

Por Yasmim Bitar.

LeiaJá Também:

O futuro do jornal impresso: reinvenção ou morte

O futuro do jornal impresso: impactos do fator econômico

 

COMENTÁRIOS dos leitores