Como Jesus se portaria diante de problemas sociais atuais?

O LeiaJá convidou um teólogo e um padre para imaginar como Jesus se posicionaria em temas como violência, homofobia e crise migratória

por Jorge Cosme qua, 25/12/2019 - 08:00
Pixabay Teólogo e padre acreditam que Jesus Cristo defenderia os direitos humanos Pixabay

Qual seria a postura de Jesus Cristo diante de alguns temas sociais da atualidade? Como ele se posicionaria, que lado defenderia? Um teólogo e um padre foram convidados a responder essas perguntas. Em comum, os dois acreditam que Jesus estaria envolvido com as pautas de direitos humanos.

“É impossível ser um seguidor de Jesus Cristo sem um profundo compromisso com os direitos humanos”, avalia Sérgio Vasconcelos, coordenador do departamento de teologia da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

 Violência

 De janeiro a setembro deste ano, o Brasil teve mais de 30 mil mortes violentas. Apesar de elevado, há uma queda de 22% no número de homicídios em relação a 2018. As mortes cometidas pela polícia, entretanto, aumentaram, assim como superlotação dos presídios e o número de presos provisórios.

"Existe um desejo nosso quase antropológico do olho por olho, dente por dente. Mas Jesus representa uma outra lógica, do perdão, da misericórdia, de estar disposto a acolher qualquer pessoa em atitude de reconhecimento de culpa. É uma incoerência um cristão que é a favor da pena de morte”, diz o teólogo. 

 Segundo o padre Josenildo Tavares, coordenador arquidiocesano de pastorais, Jesus não estaria do lado do punitivismo, pois teve um estilo de vida de não-violência. “Com o próprio Judas, que o traiu, ele não usou de violência. É inadmissível que da boca de um cristão saiam palavras como essa de 'bandido bom é bandido morto'. Lamentamos muito outras igrejas e até líderes católicos posando com arma na mão, lideranças de comunidades fazendo 'arminhas'”, avalia o religioso.

Foi-lhe entregue o livro do profeta Isaías. Abriu-o e encontrou o lugar onde está escrito: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor. Então ele fechou o livro, devolveu-o ao assistente e assentou-se. Na sinagoga todos tinham os olhos fitos nele; e ele começou a dizer-lhes: ‘Hoje se cumpriu a Escritura que vocês acabaram de ouvir’. (Lucas 4:17-21)

 Crise migratória

 O drama de pessoas refugiadas ocorre em todo o planeta. O Brasil tem lidado com refugiados venezuelanos, que fogem da crise instalada em seu país. A Operação Acolhida, criada durante o governo de Michel Temer, já interiorizou mais de 13 mil venezuelanos. Há um temor que o país, principalmente o estado de Roraima, esteja à beira de um colapso social. 

Vasconcelos destaca que, desde o antigo testamento, um dos critérios para salvação é o acolhimento do estrangeiro, do órfão e da viúva. "A gente não pode esquecer que o próprio Jesus também foi estrangeiro. Ele teve que fugir do Egito por causa da perseguição de Herodes.”

"Jesus diria: 'eu também fui imigrante'", diz o padre, fazendo um paralelo com a atualidade. "Eu sou pároco das Graças [no Recife] e lá estamos presente na vida dos venezuelanos. É triste, eles são índios, não falam espanhol, não falam português."

“Bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão misericórdia.” (Mateus 5:7)

Desigualdade social

 O teólogo Sérgio Vasconcelos diz que pobreza, injustiça e exclusão do ser humano são sinais do anti-reino de Deus. "Nesse sentido, diante dessas injustiças, com certeza Jesus teria uma postura profundamente crítica. Jesus se colocaria no centro dessa questão, combateria a opressão."

O padre reforça que Cristo nasceu em um contexto de desigualdade social. "Jesus tinha um vínculo com os marginalizados. Hoje dizem que isso é comunismo, socialismo. A gente lamenta muito que as pessoas polarizem algo que está além do partidarismo". Tavares acrescenta: "Com certeza Jesus estaria do lado dos mais pobres."

 Segundo relatório divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) neste ano, o Brasil é o sétimo país com maior desigualdade de renda, ficando à frente apenas de países do continente africano. Os dados foram coletados em 2017. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) mostrou, também este ano, que apesar da melhora nos índices de desnutrição no país, a parcela que passa fome no Brasil ainda é considerável. 

 “Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram.” (Mateus 25:35-36)

Homofobia

Sobre a homossexualidade, Vasconcelos destaca que não há relatos bíblicos de Jesus se confrontando com essa temática. "Nesse sentido, a gente entra em um terreno imaginativo", salienta o professor. "O que a gente sabe é que ninguém, absolutamente ninguém, hétero ou homo, ou trans, seja que categoria for, é excluído do desejo universal de salvação de Jesus", diz o teólogo.

O padre Tavares é mais cauteloso em sua fala, mas acredita que Jesus estaria do lado das vítimas. "Eu posso dar minha opinião, mas não posso usá-la para lhe agredir. Eu posso discordar, mas não tenho o direito de lhe reduzir a uma coisa. Recife é uma cidade em que já mataram muitos travestis. Em nome de quem? De Deus, de Cristo? Que sacristia é essa que leva a eliminar?", questiona o pároco. "No outro mora Deus, mora o sagrado, é um irmão. Quando a gente acolhe, a gente cresce", completa. 

 No início deste ano, o Grupo Gay da Bahia, entidade que registra dados de violência contra LGBTs há décadas, divulgou o relatório de 2018. Foram registradas no último ano 420 mortes de LGBT, sendo 320 homicídios e 100 suicídios. Segundo os dados, a cada 20 horas um LGBT é morto ou comete suicídio no Brasil.

“Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.” (Mateus 5:9)

Ataque aos direitos humanos

O teólogo Sérgio Vasconcelos diz que, "de forma clara e absoluta", Jesus seria um defensor dos direitos humanos. "Seria impossível a Declaração de Direitos Humanos sem a contribuição da cultura judaica cristã. Mesmo pensadores que são ateus dão esse reconhecimento", salienta o professor.

Segundo o pesquisador, os direitos humanos buscam preservar a dignidade humana, mesmo intuito de Cristo. "Jesus tinha profunda convicção  que o reino de seu pai passa pela dignidade da pessoa humana. Não há um biblista ou teólogo sério que discorde disso."

 O padre Tavares destaca que a sociedade costuma criticar os direitos humanos, mas que essa não seria a postura do filho de Deus. "Não tenho dúvida que ele estaria dando voto de aplauso aos direitos humanos."

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