Apelo e esperança se misturam na ocupação Miguel Lobato

Vivendo em barracos de madeira, moradores sonham com dias melhores e pedem ajuda às autoridades

por Luan Amaral seg, 18/05/2020 - 19:38
Rafael Bandeira/LeiaJáImagens Ocupação Miguel Lobato em Paulista é o retrato de abandono do Estado Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Desde outubro de 2019, cerca de 350 famílias iniciaram uma luta em busca de moradia digna. Vivendo em barracos de madeira cobertos com lonas, os moradores da ocupação Miguel Lobato encontraram apoio para sua batalha no Movimento Nacional de Luta Pela Moradia, que atua há anos no Brasil. 

Através de uma comissão formada apenas por mulheres, a Ocupação Miguel Lobato, localizada no município do Paulista, às margens da PE-022, nas proximidades do bairro de Maranguape II, tomou forma. Hoje, porém, o que se vê é um cenário de descaso e abandono, que fica evidente no relato das famílias. A forma que encontraram de levar a voz daquela pequena comunidade para o 'mundo externo' foram placas na pista com os dizeres "Socorro estamos abandonados pelo Estado e pela Prefeitura".

As casas são construidas no improviso sobre o barro, quando chove o relato é de lama e goteiras. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens

Nossa equipe vivenciou, por três dias, um pouco da dura vida enfrentada por essas pessoas. "O pior é quando chove", alerta Miênia Oliveira, que assim que notou a chegada da nossa reportagem enxergou uma oportunidade de ser ouvida: "Eu falo", afirmou sem titubear. Dentro das casas, goteiras destroem os poucos móveis, a lama gruda no pé quando chove, a água tratada não chega nas casas e três torneiras de água salobra em volta da comunidade 'abastecem' os que lá vivem. Por ironia, o terreno ocupado é da Compesa.

"O que a gente sente falta hoje é um banho de chuveiro que a gente não tem, cozinhar no fogão com gás. Sentimos falta de tudo isso que uma pessoa normal tem né", conta Miênia. 

Mienia Oliveira vivie há 7 meses em um barraco de madeira e lona na Ocupação Miguel Lobato. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

O apelo é uníssono, todos querem moradia digna. O sacrifício de viver em condições sub-humanas é feito com esperança. "Essa vida como todo mundo tá vendo não é fácil para ninguém. Só está aqui quem realmente precisa. Estamos esperando o auxílio moradia", conta Damiana Gomes, outra moradora. 

O benefício no valor de R$200 é de responsabilidade da Companhia Estadual de Habitação e Obras (Cehab). As famílias reclamam que apenas 200 foram cadastradas e que outras 150 não ganharam a oportunidade. Os moradores relataram que apenas 87 receberam e tiveram que derrubar as casas e deixar a ocupação. As outras 127 já cadastrados aguardam uma resposta. As 150 famílias que não tiveram cadastro realizado pelo órgão cobram ajuda da Prefeitura de Paulista. 

Em nota enviada à reportagem, a Cehab explicou que, quando esteve na ocupação em março de 2020, moravam apenas 200 famílias e que todas foram cadastradas na ocasião. Aqueles cadastrados, que ainda não receberam o auxílio, estão com problemas com os documentos. Devido à pandemia, todo atendimento presencial foi interrompido, mas a Companhia diz que vem tentando solucionar os problemas para "efetuar o pagamento o quanto antes". Não foi dado um prazo para a liberação do benefício. 

Embed:

A luta para receber o auxílio moradia, como relatou Damiana, é cercada de choro e dor. “Todo mundo tá vivendo de doação, mas o governo não vê isso, a prefeitura não vê isso. Essas pessoas estão aqui porque precisam, se cada uma delas tivesse casa, condição financeira, ninguém estaria vivendo assim. Você acha que alguém estaria vivendo assim, no lixo?", questiona. "Entra água e não é pouco, um vizinho sai socorrendo o outro”, completa.

Sem respostas, os moradores chegaram a fazer uma barricada na Prefeitura de Paulista na tentativa de ouvir do prefeito Junior Matuto uma solução. “A gente está aqui completamente abandonado pelo prefeito”, relata Adelma Maria, uma das primeiras moradoras. "A gente fez um protesto, a gente invadiu a Prefeitura para vê se ele queria conversar com a gente, negociar com a gente e nem se sair do gabinete dele ele saiu", reclama. 

Adelma Maria afirma que foi uma das primeiras moradoras a chegar na Ocupação Miguel Lobato

Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Umas das líderes da comissão que representa o Movimento Nacional De Luta Pela Moradia (Mnlm/PE) na ocupação, Irmã Sandra, como pediu para ser chamada, explica: "hoje, aqui em Paulista uma das maiores dificuldades é a habitação, porque infelizmente é um dos municípios que não tem projeto (...) quando a gente resolveu ocupar esse terreno, foi para que o governo junto com a Prefeitura viesse se sensibilizar com quem não tem condições de pagar um aluguel", conclui.

A Cehab informou que não existe previsão de que as outras 150 familias sejam cadastradas para o recebimento do auxilio moradia. Por enquanto os que lhe restam é um fio de esperança. 

Procurada pela reportagem a Prefeitura do Paulista enviou uma nota sobre o caso. Confira o comunicado na íntegra:

"A Prefeitura do Paulista atendeu esta comunidade no início de março, quando realizaram um protesto contra a Cehab em frente à sede da Prefeitura. Na ocasião, a gestão se comprometeu em marcar uma reunião com o presidente da Cehab, porém no dia marcado, o gestor comunicou que estava se afastando por apresentar sintomas de gripe e teria que seguir o protocolo sanitário de ficar em isolamento social. Quanto ao cadastro para pagamento do Auxílio Moradia, a Secretaria de Políticas Sociais do município, como combinado nesta mesma reunião, colocou uma sala com tres pessoas à disposição desta comunidade para realizar os cadastros. Dentre as 150 pessoas que alegaram a necessidade de realizar o cadastro, apenas três compareceram ao centro administrativo. Quanto à questão habitacional, o município busca parcerias com a Caixa Econômica Federal, mas até o momento não dispõe de recursos que proporcione a implantação de uma política habitacional no município."

Através dessa placa, na entrada da Ocupação. os moradores tentam chamar a atenção

Foto: Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens

COMENTÁRIOS dos leitores