Tópicos | Ocupação Miguel Lobato

Nesta sexta-feira (22), o LeiaJá publica a última das três reportagens produzidas na ocupação Miguel Lobato, localizada no município de Paulista, Região Metropolitana do Recife, à beira da PE-022. O conteúdo traz um retrato que para muitos cidadãos da localidade não é novidade. Na ocupação, muito antes da Covid-19, outras doenças preocupavam os moradores da comunidade. 

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Sem o mínimo de saneamento, os moradores enfrentam um espaço lamacento, onde vivem dividindo o local com cavalos que defecam em torno das casas. "Aqui tem muito piolho de cobra, quando chove fica infestado", diz morador da região, enquanto observa a reportagem. Lacraias, muriçoca, água correndo a céu aberto. Ambiente perfeito para a proliferação de um mosquito causador de doenças já conhecido no Brasil, o Aedes Aegypti.

O mosquito é responsável pela contaminação da febre amarela, chikungunya, zika vírus e a dengue. "Minha filha e meu marido pegaram dengue aqui. Aqui não é lugar de uma pessoa ficar!", indaga Dona Marli Oliveira. “Já peguei a dengue, meus três filhos também, meu esposo também está com a dengue. Estamos aqui a mercê de tudo", nos conta Josélia Maria, que mora na comunidade com seu marido e três filhos. 

Os cavalos são usados por catadores de reciclavéis que moram na ocupação. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Na ocupação, a água não passa por nenhum tipo de tratamento. "Não é muito boa", sinaliza Josélia. Segundo ela, os três filhos estão com desinteria. Débora Brás, mãe de quatro filhos, tem sofrido dos mesmos problemas. Ela ainda reclama que não tem condições de sempre comprar água e medicamentos. Além de todas essas outras preocupações, agora a perigoso Covid-19 assusta. 

"Está aí essa doença no mundo e eu tenho muito medo de pegar, não só eu como meus filhos. Uma doença desta pegar, uma criança não resiste. Um adulto não está resistindo, imagine uma criança", afirma Débora, com dois dos quatros filhos ao lado. 

No período em que a reportagem esteve na comunidade, foi possível notar que o isolamento social não existe. A necessidade faz com que a casa do vizinho esteja sempre de portas abertas. Josélia, irmã de Débora, cozinhava na casa da irmã enquanto gravamos. 

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Alguns moradores usam máscara, mas a maioria não tem condições de adquirir o material de proteção. Álcool em gel apenas os que estavam com a equipe do LeiaJá: "A gente está aqui precisando de máscara, quem quiser que compre, a gente não tem um álcool gel, não tem nada. Ele não está nem olhando para gente", reclama Adelma Maria, em referência ao prefeito de Paulista, Júnior Matuto. 

"A gente está morando na rua bem dizer, de baixo de lona, de taipa, tem verme, o que será da gente, Junior Matuto? O que seria da gente, Paulo Câmara?", questiona Adelma.

Poucas pessoas têm acesso ao álcool gel na comunidade. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Na ocupação, existem pessoas que estão com sintomas do novo coronavírus. Uma delas é Juliete Gomes. "Estou sentindo cansaço, febre, dor no corpo todinho, dor de cabeça (...) não sei se é dengue, não sei o que é", diz a moradora, com vários remédios nas mãos. Perguntada se procurou atendimento médico, ela relata que ligou para o 136 do Ministério da Saúde. Foram passadas algumas medicações, mas nenhum teste foi realizado. Sua mãe, que vive com ela, tossiu diversas vezes durante a entrevista e relatou cansaço. 

"Não hora da saúde do povo, todo mundo se resguarda, por quê? Eles são melhores do que a gente? A gente também é ser humano", desabafa Juliete.

As doações que chegam à comunidade são de comida. Materiais para limpeza, como água sanitária, sabão e álcool, só poucos moradores conseguem comprar. Dentro da comunidade, a convivência segue normal, às vezes por falta de instrução, em outros momentos por necessidade. De acordo com os moradores, nos sete meses de ocupação, nenhum órgão de Saúde ou de vigilância sanitária passou pela comunidade.

Mãe de Juliete afirma que tosse frenquentemente desde março, mas nenhum profissional de saúde esteve na comunidade. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Como publicado nesta segunda-feira (18) pelo LeiaJá, a Ocupação Miguel Lobato nas proximidades de Maranguape II em Paulista é onde a luta de famílias faz morada para fugir da situação precária em que vivem. Sem ter onde morar, as famílias começaram a chegar a partir de outubro do ano passado e desde então têm cobrado das instituições um auxílio para sair dali. 

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Mas o destino de todo o mundo se viu diante de um vírus mortal, que basicamente obrigou o mundo a se resguardar em quarentena. E além das dificuldades já apresentadas pela reportagem, outra barreira se colocou diante das famílias. 

Sem grandes oportunidades, muitos que vivem naquela região dependiam, até então, de trabalho na rua como venda de pipoca e água, serviços de faxinas, serviços na construção civil, entre outros. Tudo parou, mas a fome não quer saber.

"A gente vai para rua, catar reciclagem, pegar um peixe, pegar siri no mangue porque agora nesta crise não tem como trabalhar, ninguém quer dar emprego", conta a moradora Mienia Oliveira. Mas com o surgimento do covid-19, a vida se alterou.

Djane Cabral da Silva e seu esposo Roberto Bezerra da Silva vivem exatamente nessa situação. O encontro com nossa equipe foi por acaso, enquanto gravamos com a moradora Josélia, Djane e seu marido Roberto tentavam melhorar ao lado da casa da entrevistada, o barraco recém-adquirido, após terem furtado o anterior. Lá dentro, nossa equipe escutou o relato da moradora da ocupação. 

Por volta das 8h da manhã o casal começa a caminhada em direção ao mangue para mais um dia de trabalho. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Antes com a segurança das faxinas semanais e das suas vendas como pipoqueira no bairro do Janga, em Paulista, Região Metropolitana do Recife, eram poucas as vezes que precisava ir ao mangue para completar a renda. No entanto, a pandemia da covid-19 tornou a longa caminhada em busca de caranguejos e marisco mais frequente. 

São pouco mais de 3 km entre a Ocupação e o mangue, de onde Djane e sua família tiram seu sustento. Nossa equipe seguiu com o casal para acompanhar um dia de trabalho da família. Seguimos com Djane e Roberto pelas margens da PE-022, rumo ao mangue. No longo caminho, nossa equipe ouviu deles que a relação com a lama, os caranguejos e mariscos é paternal. 

"Meu pai ensinou eu (sic) e meus irmãos dentro do mangue nunca roubar ninguém, nem traficar porque não vale a pena", conta Djane que ainda completa: "Tenho orgulho de mim". Durante a caminhada, por diversas vezes, citou sua mãe 'que estava chegando' e também seu pai já falecido. Sua maior preocupação é com sua família. Sua luta, segundo ela, é pensando nos filhos, especialmente quando fala da ocupação e da batalha pela moradia.

"Essa doença proibiu a gente de trabalhar né?", lamenta, enquanto carrega no carrinho de mão o material do seu trabalho. "A vida se tornou mais difícil e eu e minha família nos viramos aqui dentro do mangue. Isso faz passar o tempo da gente feliz. Trabalhando a gente esquece os problemas, stress".

Djane retira baldes cheios de lama e de lá vem o esperado marisco após um processo de limpeza exaustivo. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Durante 11 anos as faxinas tornaram as idas ao mangue menos frequentes. Mas a sensação é de que apesar de toda a dificuldade, o mangue sempre entregou o sustento de sua família e a relação aparente é de gratidão. Agora o ‘pão de cada dia’ é retirado “só do mangue”. Todos os dia da semana a caminhada extensa e trabalho pesado fazem parte da vida de Djane. Quando não vende o produto é consumido: “passa fome quem quer”, diz enaltecendo o mangue. 

São horas com lama até os joelhos, retirando baldes e baldes com mariscos. O marido Roberto, não tão íntimo do mangue, fica de fora separando o material que precisa ser retirado um a um, do meio dos dejetos e da lama que vem do mangue. 

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"O que eu ganho é para botar alimento dentro de casa". Agora sem as faxinas, Djane passa seus dias com água do mangue até os joelhos. "Se eu chegar aqui 9 ou 10 horas da manhã quando eu saio daqui são duas, três horas da tarde. O tempo passa, a gente até esquece, né? me sinto outra pessoa", revela. 

No decorrer do dia, chegaram o cunhado, irmãos e a mãe de Djane. Todos parecem se sentir em casa no ambiente. Cada um com sua pesca. O filho de Djane fica observando a procura pelos caranguejos. Os cachorros aproveitam enquanto a maré alta não torna tudo em um grande pântano e Djane seguia enchendo seus baldes para poder ter o que comer quando o sol fosse embora.

Roberto separa tudo que foi pescado pela esposa Djane. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Desde outubro de 2019, cerca de 350 famílias iniciaram uma luta em busca de moradia digna. Vivendo em barracos de madeira cobertos com lonas, os moradores da ocupação Miguel Lobato encontraram apoio para sua batalha no Movimento Nacional de Luta Pela Moradia, que atua há anos no Brasil. 

Através de uma comissão formada apenas por mulheres, a Ocupação Miguel Lobato, localizada no município do Paulista, às margens da PE-022, nas proximidades do bairro de Maranguape II, tomou forma. Hoje, porém, o que se vê é um cenário de descaso e abandono, que fica evidente no relato das famílias. A forma que encontraram de levar a voz daquela pequena comunidade para o 'mundo externo' foram placas na pista com os dizeres "Socorro estamos abandonados pelo Estado e pela Prefeitura".

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As casas são construidas no improviso sobre o barro, quando chove o relato é de lama e goteiras. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens

Nossa equipe vivenciou, por três dias, um pouco da dura vida enfrentada por essas pessoas. "O pior é quando chove", alerta Miênia Oliveira, que assim que notou a chegada da nossa reportagem enxergou uma oportunidade de ser ouvida: "Eu falo", afirmou sem titubear. Dentro das casas, goteiras destroem os poucos móveis, a lama gruda no pé quando chove, a água tratada não chega nas casas e três torneiras de água salobra em volta da comunidade 'abastecem' os que lá vivem. Por ironia, o terreno ocupado é da Compesa.

"O que a gente sente falta hoje é um banho de chuveiro que a gente não tem, cozinhar no fogão com gás. Sentimos falta de tudo isso que uma pessoa normal tem né", conta Miênia. 

Mienia Oliveira vivie há 7 meses em um barraco de madeira e lona na Ocupação Miguel Lobato. Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

O apelo é uníssono, todos querem moradia digna. O sacrifício de viver em condições sub-humanas é feito com esperança. "Essa vida como todo mundo tá vendo não é fácil para ninguém. Só está aqui quem realmente precisa. Estamos esperando o auxílio moradia", conta Damiana Gomes, outra moradora. 

O benefício no valor de R$200 é de responsabilidade da Companhia Estadual de Habitação e Obras (Cehab). As famílias reclamam que apenas 200 foram cadastradas e que outras 150 não ganharam a oportunidade. Os moradores relataram que apenas 87 receberam e tiveram que derrubar as casas e deixar a ocupação. As outras 127 já cadastrados aguardam uma resposta. As 150 famílias que não tiveram cadastro realizado pelo órgão cobram ajuda da Prefeitura de Paulista. 

Em nota enviada à reportagem, a Cehab explicou que, quando esteve na ocupação em março de 2020, moravam apenas 200 famílias e que todas foram cadastradas na ocasião. Aqueles cadastrados, que ainda não receberam o auxílio, estão com problemas com os documentos. Devido à pandemia, todo atendimento presencial foi interrompido, mas a Companhia diz que vem tentando solucionar os problemas para "efetuar o pagamento o quanto antes". Não foi dado um prazo para a liberação do benefício. 

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A luta para receber o auxílio moradia, como relatou Damiana, é cercada de choro e dor. “Todo mundo tá vivendo de doação, mas o governo não vê isso, a prefeitura não vê isso. Essas pessoas estão aqui porque precisam, se cada uma delas tivesse casa, condição financeira, ninguém estaria vivendo assim. Você acha que alguém estaria vivendo assim, no lixo?", questiona. "Entra água e não é pouco, um vizinho sai socorrendo o outro”, completa.

Sem respostas, os moradores chegaram a fazer uma barricada na Prefeitura de Paulista na tentativa de ouvir do prefeito Junior Matuto uma solução. “A gente está aqui completamente abandonado pelo prefeito”, relata Adelma Maria, uma das primeiras moradoras. "A gente fez um protesto, a gente invadiu a Prefeitura para vê se ele queria conversar com a gente, negociar com a gente e nem se sair do gabinete dele ele saiu", reclama. 

Adelma Maria afirma que foi uma das primeiras moradoras a chegar na Ocupação Miguel Lobato

Foto: Rafael Bandeira/LeiaJáImagens

Umas das líderes da comissão que representa o Movimento Nacional De Luta Pela Moradia (Mnlm/PE) na ocupação, Irmã Sandra, como pediu para ser chamada, explica: "hoje, aqui em Paulista uma das maiores dificuldades é a habitação, porque infelizmente é um dos municípios que não tem projeto (...) quando a gente resolveu ocupar esse terreno, foi para que o governo junto com a Prefeitura viesse se sensibilizar com quem não tem condições de pagar um aluguel", conclui.

A Cehab informou que não existe previsão de que as outras 150 familias sejam cadastradas para o recebimento do auxilio moradia. Por enquanto os que lhe restam é um fio de esperança. 

Procurada pela reportagem a Prefeitura do Paulista enviou uma nota sobre o caso. Confira o comunicado na íntegra:

"A Prefeitura do Paulista atendeu esta comunidade no início de março, quando realizaram um protesto contra a Cehab em frente à sede da Prefeitura. Na ocasião, a gestão se comprometeu em marcar uma reunião com o presidente da Cehab, porém no dia marcado, o gestor comunicou que estava se afastando por apresentar sintomas de gripe e teria que seguir o protocolo sanitário de ficar em isolamento social. Quanto ao cadastro para pagamento do Auxílio Moradia, a Secretaria de Políticas Sociais do município, como combinado nesta mesma reunião, colocou uma sala com tres pessoas à disposição desta comunidade para realizar os cadastros. Dentre as 150 pessoas que alegaram a necessidade de realizar o cadastro, apenas três compareceram ao centro administrativo. Quanto à questão habitacional, o município busca parcerias com a Caixa Econômica Federal, mas até o momento não dispõe de recursos que proporcione a implantação de uma política habitacional no município."

Através dessa placa, na entrada da Ocupação. os moradores tentam chamar a atenção

Foto: Rafael Bandeira/LeiaJá Imagens

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