Chefe do Ibama anula multa e libera obras na Bahia
A decisão de autorizar novas obras no entorno de um edifício nobre, onde apartamentos são vendidos por R$ 4,5 milhões, contrariou uma série de análises técnicas que confirmavam as irregularidades da construção
O superintendente do Ibama na Bahia, Rodrigo Santos Alves, nomeado em junho do ano passado pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, cancelou uma multa dada pela própria equipe e liberou construções em uma área de preservação permanente - no caso, um prédio de luxo, erguido na região mais cara de Salvador, às margens da Baía de Todos os Santos.
Alves divide o cargo público com a função de sócio de uma empresa imobiliária, também localizada na capital baiana, especializada em oferta de imóveis de luxo no litoral. A decisão de autorizar novas obras no entorno de um edifício nobre, onde apartamentos são vendidos por R$ 4,5 milhões, contrariou uma série de análises técnicas que confirmavam as irregularidades da construção. Ainda assim, o superintendente decidiu rejeitar os argumentos, laudos e perícias, para cancelar a multa de R$ 30,5 mil aplicada contra a construtora, além de um embargo que paralisa a obra. Há ainda outra multa de R$ 5,1 milhões e mais um pedido de embargo em análise.
A decisão de Alves foi anunciada em maio e anulava uma multa e um embargo informados em maio de 2015. Naquela ocasião, analistas ambientais do Ibama foram ao edifício de luxo Mansão Phileto Sobrinho, no "Corredor da Vitória", para avaliar a recuperação de área degradada junto ao mar onde o prédio havia instalado um teleférico, um píer e um quiosque. Estava em andamento, desde 2011, um projeto de regeneração da encosta - o Plano de Recuperação de Área Degradadas, monitorado pelo Ibama.
Outra obra
Ao chegar ao local, porém, os fiscais não encontraram nenhuma recuperação, mas, sim, obras de outra edificação que subia sobre a mata, em frente ao mar, em uma área de 900 metros quadrados. Confirmada a irregularidade, os técnicos lavraram a multa e pediram a paralisação imediata das obras. A Porto Victoria Empreendimentos Imobiliários, dona do edifício, alegou que tinha licença da Prefeitura para tocar o projeto, mas o Ibama observou que a empresa cometia um erro em cima de outro, não resolvido. Depois, ela tentou desqualificar a área como de preservação permanente. A iniciativa não prosperou.
A obra do novo prédio está parada até hoje. O Ministério Público Federal na Bahia também moveu uma ação civil pública contra os empreendedores e contra o município. Em outubro de 2018, novo relatório apontou que "os elementos constantes dos autos são robustos e suficientes para justificar a manutenção do auto de infração".
Em maio de 2019, um mês antes de Alves chegar à chefia do Ibama na Bahia, mais um parecer técnico analisou argumentos da construtora: "Fica evidente que, devido às restrições legais da área APP (Área de Preservação Permanente) de encosta, o empreendedor já estava ciente da inviabilidade ambiental do empreendimento".
Em abril deste ano, mais um parecer técnico foi feito. Depois de revisitar cada informação do processo e as novas alegações da empresa, o analista ambiental confirmou multa e embargo, dizendo que o caso "não traz elemento técnico que modifique o entendimento do Ibama anteriormente demonstrado". Um mês depois, com todo o histórico nas mãos, Santos Alves cancelou a multa e o embargo da obra. Em seu entendimento, o Ibama voltou a extrapolar de funções ao sobrepor licenças municipais e ignorou a informação de que, segundo ele, parte da área não seria de preservação permanente.
Reportagem publicada pelo Estadão na semana passada revelou que, em setembro, Alves cancelou atos de sua própria equipe técnica para liberar obras de um resort de luxo numa região conhecida pela procriação de tartarugas marinhas. O superintendente não só retirou uma multa de R$ 7,5 milhões que havia sido aplicada pelos técnicos do Ibama contra o hotel, como anulou a decisão que paralisava a obra.
A reportagem tentou contato, sem sucesso, com a Porto Victoria Empreendimentos Imobiliários. No processo, a companhia sustenta que o Ibama não pode multá-la por desmatar uma "área degradada, assim reconhecida por essa autarquia federal quando da aplicabilidade desta penalidade". Ocorre que, como mostra o órgão ambiental, é justamente por estar degradada que a faixa da encosta passava por um projeto de recuperação.