Réveillon isolado: antes só do que mal aglomerado

Despedir-se de um ano pandêmico na solidão do seu próprio lar pode não ser tão ruim assim

por Paula Brasileiro qui, 31/12/2020 - 17:16
Pixabay Receber o ano novo sozinho em casa pode ser uma boa, sobretudo em tempos de pandemia. Pixabay

No último dia deste insólito ano de 2020, a repórter que vos fala amarga um derradeiro plantão. Sozinha em home office, o silêncio só não é absoluto por conta do barulho que vem das casas ao lado; e o perfume que sobe da cozinha da vizinha de baixo indica que a ceia vai ser farta. Não poderia ser diferente porque, apesar da pandemia que ainda habita lá fora, hoje é dia de festa. 

A pauta para este 31 de dezembro é: pessoas que moram sozinhas e passarão o réveillon em casa. Seria até irônico caso não tivesse sido escolha da própria repórter; houve uma identificação imediata, compreenda.  A busca por personagens que se enquadrassem no perfil começou há dois dias, mas a animação em torno da comemoração pela despedida de 2020 vista nos stories e posts alheios, consultados nesse meio tempo, deram logo o recado: não seria fácil encontrar tais tipos. A não ser pela própria que escreve. Poderia ter feito um diário então, mas fui demovida da ideia para não parecer tão preguiçosa.

Após os últimos nove meses de confinamento, distanciamento social e quarentena - com um tenebroso lockdown no meio do percurso - quem iria querer ficar preso em casa, sozinho, em pleno réveillon?; me pergunto. Os mais de 190 mil mortos no país pela Covid-19 deveriam ser motivo suficiente para querer continuar em isolamento, mas as pessoas andam cansadas do esforço, é o que se ouve por aí. E o último dia de um ano é aquele que costuma ser repleto de esperança, planos e alegria, como se arrancar a última folhinha do calendário fosse garantia de que os próximos 12meses serão incríveis. 

Em meio aos tantos devaneios - e consulta aos amigos - encontrei Frederico Toscano. Ele já mora sozinho há quase 10 anos e me animou tanto encontrar alguém disposto a contribuir com pauta de relevância um tanto duvidosa que fiz o que muitos estão fazendo nas ruas indevidamente: quebrei alguns protocolos em uma entrevista meio torta, sem as tradicionais perguntas sobre profissão, idade, local onde reside e outras formalidades.   

Ao invés disso, perguntei a ele coisas como: você não fica triste?;  não parece depressivo?; as pessoas não ficam no seu pé pra você sair?;  não exatamente com essas palavras para não soar como se estivesse buscando uma espécie de abrigo para a minha própria confusão em estar em igual situação. 

Frederico me contou que, geralmente, até marca algo com os amigos em dias assim, mas em virtude da pandemia, em 2020 passará o réveillon só mesmo. Ele fez, ainda, uma observação: “Eu gostava de passar com minha família, mas desde 2016, com toda aquela questão política, (de) Bolsonaro, ficou mais difícil passar os feriados com a família toda junta. É difícil, porque são divergências políticas muito severas. De maneira geral, sim, eu poderia estar com meus amigos, mas a pandemia impede, é perigoso demais, é um absurdo você aglomerar então não tem nem o que pensar”. Correto!

Para hoje, não haverá nada de especial no dia de Frederico - diferentemente do que aconteceu no Natal, quando ele compartilhou a ceia com a namorada que mora nos EUA, através de uma chamada de vídeo. Com fala rápida e direta - que me pareceu ser de alguém de senso prático extremamente aguçado - ele disse: “O calendário é uma coisa arbitrária, mas acho importante você marcar essa passagem de alguma forma. Você não precisa marcar a passagem desse ciclo que se espera que acabou da maneira que as pessoas fazem: pular ondas, se vestir de de branco; você passa do jeito que você quiser, mas é importante reconhecer que você está passando de um ciclo para o outro”. 

Então tá. Pode ser assim, bem prático e simples mesmo. Afinal, não deixa de ser apenas mais um dia que também vai passar, como todos os outros, independente de estarmos sozinhos ou não. Convenci-me. 

A entrevista terminou com uma tímida  troca de votos de próspero ano novo, com vacina, é claro. Agora, encerro o texto olhando o relógio como se o fim do expediente significasse algo mais atrativo do que trocar a sala pelo quarto de dormir. No entanto, a tranquilidade dada a mim pelo entrevistado do dia me garantiu, também, um certo alento. Lembro-me de um ditado popular que, a partir de agora, poderia até ser modificado: antes só do que mal aglomerado. 





 

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