Novo boletim faz 'raio-X' dos casos de violência doméstica
Formulário ‘Frida’ foi sancionado na última semana e deve tornar mais preciso o diagnóstico da violência contra a mulher, diz delegada
Intitulado de Frida, o Formulário Nacional de Risco e Proteção à Vida ganhou forma através da Lei 14.149/21, sancionada e publicada no Diário Oficial da União na última quinta-feira (6), sem vetos, pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O novo boletim deve ser aplicado, preferencialmente, pela Polícia Civil no momento do registro da ocorrência de violência contra a mulher. Para as autoridades policiais, o formulário deve auxiliar no combate à subnotificação e na imposição de novos limites ao agressor.
O documento é formado por 27 perguntas, que contemplam questões essenciais para o entendimento da natureza da violência da mulher vítima, o grau de dependência dela para com o agressor, os seus recursos, base de apoio familiar, dentre outros aspectos. O objetivo é identificar fatores que indiquem a iminência de qualquer forma de violência nas relações domésticas.
Além disso, subsidia a atuação dos órgãos de segurança pública, do Ministério Público, do Poder Judiciário e dos órgãos e entidades da rede de proteção a fim de gerir o risco identificado. Em qualquer caso, deverá ser preservado o sigilo das informações.
A nova legislação é oriunda do Projeto de Lei 6298/19, da deputada Elcione Barbalho (MDB-PA), aprovado pelos deputados em março e pelos senadores em abril. Conforme a nova lei, o formulário seguirá modelo aprovado conjuntamente pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
“O Frida, foi estudado e desenvolvido cientificamente pelos peritos Ana Lúcia Teixeira, Manuel Lisboa e Wania Pasinato, e indica, de forma objetiva, o grau de risco da vítima em virtude das respostas dadas às perguntas do formulário”, explica a autora da proposta.
Se for impossível a aplicação do formulário no registro da ocorrência, ele deverá ser aplicado pela equipe do Ministério Público ou do Poder Judiciário no momento do primeiro atendimento à mulher vítima de violência doméstica e familiar. Outros órgãos e entidades públicas ou privadas que atuem na área da prevenção e do enfrentamento desse tipo de violência também poderão usá-lo.
Para elucidar dúvidas sobre a funcionalidade do novo registro na prática, o LeiaJá conversou com a delegada e deputada estadual referência no combate à violência de gênero em Pernambuco, Gleide Ângelo (PSB-PE). Em entrevista, a especialista destaca pontos sobre proteção prolongada da vítima e retomada da confiança da população nas forças de prevenção do Estado.
A delegada de polícia explica que, antes do formulário, o procedimento nas delegacias tinha um formato limitado. Isso também considerando que, dos 184 municípios de Pernambuco, apenas 11 possuem delegacia especializada. No processo anterior, ao comparecer à DP, a vítima apenas abre o b.o e solicita a medida protetiva, que deve ser registrada em até 48h, e essas são todas as informações às quais o Judiciário tem acesso para conceder suporte ao caso.
Com o Frida, o juiz do órgão de Justiça competente terá acesso às 27 respostas que indicam o grau de risco da mulher. A depender dos resultados, a vítima pode seguir diretamente com o acolhimento, à uma casa-abrigo, sem retornar ao ambiente de violência.
“Essas mulheres serão mais bem encaminhadas aos órgãos de proteção à mulher. De uma secretaria é possível entender se essa mulher precisa de um emprego, se a natureza da violência dela é física, psicológica ou patrimonial, se ela é ameaçada, se os filhos são ameaçados. Também é possível saber se ela deve ser encaminhada para um programa de geração de emprego e renda, um centro de referência como CRAS e CREAS (assistência social). Isso só vem para somar, é como um diagnóstico, a "radiografia" dos casos”, esclarece Ângelo.
Através do protocolo básico da segurança pública, nas DPs, muitas mulheres não são inseridas na política pública de prevenção, nem encaminhadas ao tratamento psicossocial ou às secretarias, de acordo com a deputada, o que pode resultar em uma nova chance ao agressor. Não é possível ajudar a vítima adequadamente, se a natureza da violência dela é desconhecida. “É preciso incentivar a denúncia e a permanência da denúncia, a mulher precisa acreditar na lei que a protege, no Estado, saber que não está sozinha”, continua.
“Se a mulher de determinado município ver que a Secretaria da Mulher está oferecendo apoio psicológico, geração de emprego e renda com cursos de capacitação para que ela consiga ganhar o dinheiro dela, ela irá à Secretaria. Pode não ir à Polícia, mas a Secretaria toma conta dessa parte. Ela precisa ser encorajada a denunciar e não a acreditar em uma mudança que nunca chega, em um grande amor e menos ainda a acreditar que essas situações são comuns em um relacionamento”, argumenta, deixando claro que “em briga de marido e mulher se mete a colher sim”.
Outro ponto abordado foi a subnotificação dos casos de violência doméstica, que atingiu um novo pico durante a pandemia da Covid-19. O isolamento social influenciou a queda de contínua no número de boletins de ocorrência (BO) do tipo no período inicial da quarentena, tendo registrado 25,45% de recuo entre abril e maio de 2020, segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS-PE). Os resultados foram uma tendência nacional.
“A subnotificação é um problema gigante em Pernambuco. Ano passado, foram 42 mil boletins de ocorrência. A quantidade de mulheres que apanha é infinitamente maior. Elas não confiam, têm medo, principalmente porque são ensinadas assim. 'Agora tu não apanha, tu morre', 'medida protetiva não serve de nada' são os discursos que circulam na sociedade e isso é tudo o que a cultura machista quer. Sobreviver na impunidade e fazer parecer que não tem solução”, pontua a parlamentar.
Por fim, reconhece que o sistema de informações e atuação da segurança pública ainda precisa de muito trabalho, sobretudo na acolhida das vítimas da violência de gênero. “Temos que ir além. Se existe mulher com medida protetiva morrendo, é uma falha da rede. Mulher com protetiva não deve morrer, ela deve ser protegida pelo Estado. O documento vai ajudar a rede de proteção da Civil, do Ministério Público e do Judiciário. Ele é informação, é base para estatística e para conseguirmos entender que processo é esse que as mulheres não estão conseguindo sair dele”, finaliza.