FHC: Quem sofre a crise não quer dar golpe, quer se livrar

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso respondeu à fala da presidente Dilma Rousseff na qual ela disse que usar a crise pela qual o País passa para chegar ao poder é uma "versão moderna do golpe"

qui, 17/09/2015 - 07:20

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso respondeu nesta quarta-feira, 16, à fala da presidente Dilma Rousseff na qual ela disse que usar a crise pela qual o País passa para chegar ao poder é uma "versão moderna do golpe".

"Quem sofre a crise não quer dar golpe, quer se livrar da crise. Na medida em que o governo faz parte da crise, começam a perguntar se [o governo] vai durar. Mas não é golpe", afirmou o tucano ao chegar em uma livraria em São Paulo para lançar seu livro "A miséria política - crônicas do lulopetismo e outros escritos".

A manifestação do ex-presidente ocorre no mesmo dia em que Dilma afirmou, durante entrevista a uma rádio de Presidente Prudente (SP) que o governo trabalha diuturnamente para garantir a estabilidade política e econômica. "Temos de nos unir e o mais rapidamente, independente das nossas posições, e tomarmos o partido do Brasil, que leva a mudança da nossa situação", afirmou.

A presidente disse que algumas pessoas propõem uma ruptura da democracia como saída da crise e classificou esse movimento como "versão moderna do golpe". "Acredito que tem ainda no Brasil, infelizmente, pessoas que não se conformam que estejamos em uma democracia que tem legitimidade popular", disse ela. "Essas pessoas torcem para o quanto pior melhor, e isso em todas as áreas, na economia e na política", avaliou. Segundo a presidente, em nenhum país que se passou por dificuldades foi proposto ruptura da democracia. "Todos (que querem uma ruptura) esperando oportunidade para pescar em águas turvas. O Brasil tem solidez institucional", ponderou. Ela afirmou que o governo procurou por todos os meios evitar a crise, mas não foi possível.

Crise

O ex-presidente afirmou que o Brasil não vai ficar por muito tempo nessa situação de crise. Em palestra para o lançamento de seu livro, o tucano afirmou que não dá para errar tanto e ninguém dizer que "assim não dá!"

Questionado pela colunista do jornal O Estado de S.Paulo, Eliane Cantanhêde, FHC disse que é preciso analisar a situação e ver em que processos como o do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do Tribunal de Contas da União (TCU) vão dar. Na opinião do ex-presidente, há um elemento para o afastamento de Dilma, que é a perda da capacidade de governar, mas é preciso haver um elemento concreto contra a presidente.

FHC lembrou que, no caso do impeachment de Fernando Collor, tanto ele como Ulysses Guimarães eram reticentes, mas aderiram ao movimento depois que a entrevista de Pedro Collor deu elementos concretos contra o então presidente. Por outro lado, Fernando Henrique lembrou que um impeachment não é uma punição penal, a pessoa não precisa responder na Justiça, ela só vai para casa.

Para FHC, a atual crise está relacionada a dois fatores que estão fora do controle dos políticos: a economia e a Lava Jato. Segundo o tucano, a investigação sobre os desvios na Petrobras cria uma dificuldade adicional para compor as forças políticas. "Não sabemos quem vai sobrar de pé", afirmou FHC sobre a possibilidade de aliança do PSDB diante do momento de crise. "Temo fazer alianças precipitadas com gente que vai ser expurgada".

Apesar de reiterar que não sabe se a presidente terá de deixar o mandato, o tucano disse que é um erro político grave perder o momento de agir. "Mas a sociedade precisa sentir esse momento conosco", afirmou.

Ele contou que, no caso de Itamar Franco, que sucedeu Collor, houve uma união nacional. "O Itamar chamou todo mundo. O PT não quis e ele chamou a Erundina", lembrou. "Com isso, Itamar quis demonstrar que a situação era calamitosa, e nem era tão calamitosa quanto é hoje, com essa desarticulação política".

Segundo FHC, se houver um impeachment, o Brasil vai clamar por união e será difícil para os partidos não atender esse apelo. Ele evitou, contudo, apontar quem lideraria esse processo. "Não sei quem é que vai ser capaz de ter um discurso compatível com o momento, mas espero que seja a oposição", disse, ressaltando que o novo discurso político precisa unir o social com o econômico e o político.

No início da palestra, conduzida por Eliane Cantanhêde e pelo diretor de conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour, FHC criticou a política de concessão de crédito aos campeões nacionais praticada nos governos petistas. Segundo ele, na crise de 2008, o mundo começou a inundar a economia com dinheiro e, como não tinha dinheiro, o Brasil inundou com crédito. "Começamos a pagar o preço desse ufanismo ilusório", disse.

Questionado sobre a afirmação de Dilma de que só mais recentemente soube da gravidade da crise, o tucano disse que qualquer pessoa com algum conhecimento de economia poderia saber que a situação iria piorar.

Livro

Em seu livro lançado nesta tarde, FHC reúne textos publicados desde 2010 no Estado e no jornal O Globo, acrescidos da transcrição de dois discursos e de um artigo para a revista Interesse Nacional. A organização é do diplomata e cientista político Miguel Darcy de Oliveira.

"Miséria da Política" é a primeira coletânea de textos publicados na imprensa por FHC, autor de obras clássicas da sociologia nos 1960 e 1970 que tratavam daquela que ficou conhecida como "Teoria da Dependência da América Latina". Em 2006, FHC lançou A Arte da Política (Ed. Civilização Brasileira), o mais extensivo relato sobre o período em que esteve na Presidência (1995-2002).

Desta vez, neste novo livro, FHC se dedicou a compor um painel sobre as gestões do PT na Presidência, com maior ênfase no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff (2011-2014). O retrato final é o que ele chama de "derrocada do lulopetismo".

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