Trump revida ataque após juíza chamá-lo de impostor
Trump exigiu a renúncia de Ruth do mais importante posto da Justiça americana por seus comentários "altamente inadequados"
É raro que um juiz da Suprema Corte americana fale abertamente sobre política. Daí a surpresa e o tumulto causados pela declaração da decana dessa instituição, Ruth Bader Ginsburg, de 83 anos, que chamou o virtual candidato republicano à Casa Branca, Donald Trump, de "impostor". O magnata reagiu imediatamente.
Trump exigiu a renúncia de Ruth do mais importante posto da Justiça americana por seus comentários "altamente inadequados" e questionou sua saúde mental. Ruth Bader Ginsburg "ficou maluca", tuitou Trump nesta quarta-feira (13), sugerindo que ela está senil.
O caso parece ser, justamente, o contrário. A juíza se mostrou bastante decidida, quando decidiu extrapolar seu dever de manter a esperada discrição, em duas entrevistas dadas esta semana. "É um impostor", declarou ela à rede CNN na última segunda (11), referindo-se a Donald Trump. "Ele não tem qualquer coerência. Ele diz qualquer coisa que vem à cabeça no momento. Ele é realmente egocêntrico", criticou.
Nomeada pelo presidente democrata Bill Clinton, Ruth Bader Ginsburg está há 23 anos na Suprema Corte e é, com frequência, citada entre as mulheres mais influentes do mundo. No ano passado, por exemplo, fez parte da lista das 100 pessoas mais influentes do mundo elaborada pela revista "Time".
"A juíza Ginsburg nos constrangeu a todos com suas declarações políticas realmente idiotas a meu respeito. Ela ficou maluca. Renuncie!", rebateu o magnata nova-iorquino.
"Como ele pôde sair disso impunemente?", questionou Ruth Bader Ginsburg, outra nova-iorquina. "Aparentemente, a imprensa foi muito acomodada com ele", comentou.
Na entrevista à CNN, ela também questionou o fato de Trump se negar a divulgar suas declarações de imposto de renda, prática comum entre os candidatos à Casa Branca.
Trump pede cabeça da juíza
A juíza Ginsburg faz parte do quarteto progressista da Suprema Corte e voltou a mostrar isso, no final de junho, votando para derrubar uma lei texana que colocava restrições às clínicas de aborto. Sua posição prevaleceu, em uma votação histórica de 5 a 3. Com frequência, aliás, suas opiniões divergem daquelas de Trump e de outros conservadores.
Uma posição para estabelecer jurisprudência em um tema é uma coisa, porém. Outra bem diferente é uma crítica aberta a um candidato político. Em tese, os juízes americanos devem seguir um código de boa conduta que os proíbe expressamente de se manifestar nesse sentido.
Desde o inesperado falecimento do juiz conservador Antonin Scalia, em fevereiro deste ano, a mais alta instância judiciária dos Estados Unidos conta apenas com oito cadeiras ocupadas - quatro conservadores e quatro progressistas -, faltando o voto de minerva.
O próximo presidente eleito em 8 de novembro nomeará o nono juiz, fazendo a instituição tender, inevitavelmente, para uma, ou para outra, direção política.
Em entrevista ao jornal "The New York Times", a juíza Ginsburg ressaltou que essa disputa é crucial. "Eu me recuso a imaginar no que a gente se transformaria - no que esse país se transformaria -, se Donald Trump fosse presidente", declarou a juíza. "Para o país, isso pode ser uma coisa de quatro anos. Para a Corte, isso seria... Não quero nem considerar isso", insistiu.
Depois de ser pilar da luta pelo direito das mulheres nas décadas de 1960 e 1970, de ter vencido o câncer e de ter superado preconceitos sexistas, Ruth Bader Ginsburg conta com uma popularidade impressionante, especialmente entre os jovens.
Comentários 'fora de lugar'
Destoando de seus colegas da alta corte que preferem se manter distantes do campo eleitoral, seus comentários sobre Trump testemunham, segundo alguns, sua liberdade de espírito. Não foram, porém, apenas os partidários de Trump que criticaram a juíza. "Acho que é muito peculiar, e acho que é fora de lugar", afirmou o presidente da Câmara de Representantes, o republicano Paul Ryan.
Ao ser questionada sobre a polêmica, a Casa Branca desconversou. "Eu não colocaria em xeque as competências [de Ginsburg]", disse o porta-voz da Casa Branca, Josh Earnest, alfinetando a reação de Trump.
Earnest lembrou ainda que a juíza "não conquistou por acaso seu apelido de Notorious RBG", uma referência ao "Notorious B.I.G.", célebre rapper americano assassinado em 1997 em Los Angeles.
Hoje, o jornal "The Washington Post" - raramente convergente com Donald Trump - publicou em seu editorial que a declaração de Ruth Ginsburg foi "inconsistente com sua função em nosso sistema democrático".
Em editorial parecido, "The New York Times" considerou que "Washington já é partidária o suficiente sem o espetáculo de uma juíza da Suprema Corte se jogando na primeira fileira".
Guardiã da Constituição, a Suprema Corte tem a última palavra em caso de litígio eleitoral. Uma de suas decisões mais conhecidas - e talvez a mais polêmica - foi aquela tomada em favor do republicano George W. Bush, em detrimento do democrata Al Gore, sobre a inacreditável disputa na Flórida, durante a eleição presidencial em 2000.