Aval para eletrochoque é ‘demarcação política’ do governo

Para especialistas ouvidos pelo LeiaJá, a medida do Ministério da Saúde, apesar de ser técnica, tem caráter político e de demarcação ideológica da gestão Bolsonaro. Governo afirmou que pretende rever

por Pedro Bezerra Souza qui, 14/02/2019 - 10:44
Rafael Carvalho/Governo de Transição/Divulgação O ministro Luiz Henrique Mandetta afirmou que o texto está em discussão e poderá ter alguns tópicos alterados Rafael Carvalho/Governo de Transição/Divulgação

Após ter muita polêmica envolvida com o aval dado para a compra no Sistema Único de Saúde (SUS) de aparelhos de eletroconvulsoterapia (popularmente conhecido como eletrochoque), o Ministério da Saúde vai rever a decisão. Durante essa semana, o ministro Luiz Henrique Mandetta afirmou que o texto preparado por sua equipe está em discussão e poderá ter alguns tópicos alterados.

Muitos integrantes da classe médica, principalmente os psiquiatras e profissionais que lidam com saúde mental, fizeram duras críticas à decisão do governo. Estudiosos da política também aproveitaram o momento para comparar a medida com ações realizadas décadas atrás.

Com 32 páginas, o documento com esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e na Política Nacional sobre Drogas provocou forte reação de associação do setor. Além de dar o aval para a compra dos aparelhos de eletrochoque, o material também enfatiza o papel das comunidades terapêuticas e prega a abstinência para dependentes de drogas. Atualmente, a principal estratégia e objetivo é a redução de danos.

Para a cientista política Priscila Lapa, as medidas técnicas anunciadas pelos ministérios do governo atual têm caráter político. “A leitura que podemos fazer é que isso não é uma medida isolada. Quando interpretamos que isso tem um caráter de cunho ideológico muito maior que o técnico. Não podemos olhar para isso como uma medida isolada e perceberemos que faz parte do processo de demarcação ideológica do governo atual”, comentou.

O documento preparado pela presidência ainda reforça a possibilidade da internação de crianças em hospitais psiquiátricos. Diante dessa informação, a Associação Brasileira de Saúde Mental e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva avisaram que preparariam manifestos contra o documento do governo, considerado um retrocesso sem precedentes na política de saúde mental do País.

O psiquiatra Evandro Sales é receoso quanto ao assunto e acredita que a medida vem muito mais a favor de hospitais, manicômios e setores que lucram com esse âmbito da saúde. “Não consigo pensar  em um trabalho feito em prol do bem estar da população que precise utilizar tratamentos com eletrochoque, principalmente pensando nos dias de hoje. Fazer isso é causar dor e constrangimento para o paciente e para a família. É preciso pensar em alternativas mais condizentes com a realidade que vivemos”, enfatizou.

Sobre o assunto, o ministro Luiz Henrique Mandetta se posicionou com um tom de conciliação. “O uso de eletrochoque faz parte do arsenal terapêutico e, quando feito de forma humanizada e respeitando indicações técnicas, não pode ser descartado”, disse. O ministro ainda citou a importância do processo de desospitalização do Brasil na área de saúde mental.

A cientista política Priscila Lapa acredita que a medida representa um retrocesso. “O Brasil fez uma cruzada nos últimos anos para rever esse tipo de política de saúde mental. Foi uma batalha com a participação de vários atores. Não foi uma medida isolada de um governo, mas foi amplamente discutido por vários setores da sociedade”, lembrou.

“É preciso o combate a esse tipo de medida e o combate à visão hospitalesca da política de saúde mental para tratar essa questão de outra maneira, com mais sensibilidade e humanização, em um contexto internacional de buscar a humanização do tratamento na prevenção das doenças de cunho mental”, reforçou o psiquiatra Evandro Sales.

Embora apontada como recurso para tratamento de pacientes com depressão grave, a eletroconvulsoterapia no passado foi associada a torturas em pacientes e abusos cometidos por profissionais de hospitais psiquiátricos.

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