Vaza Jato: Deltan recebeu R$33 mil de empresa investigada

A informação é do site The Intercept Brasil. O procurador fez uma palestra para a Neoway quando a empresa já havia sido citada em delação premiada de Jorge Luz, apontado como operador de propinas do MDB

sex, 26/07/2019 - 09:46
Rafael Bandeira/LeiaJáImagens/Arquivo Rafael Bandeira/LeiaJáImagens/Arquivo

O coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, procurador Deltan Dallagnol, recebeu R$ 33 mil por uma palestra sobre combate à corrupção e ética nos negócios para a Neoway, uma companhia de tecnologia. A empresa, contudo, foi citada em uma das delações premiadas da investigação. A informação é do site The Intercept Brasil. 

De acordo com a reportagem, a palestra foi realizada em março de 2018, mas dois anos antes, em março de 2016, a Neoway havia sido mencionada nos termos de colaboração de Jorge Luz, apontado como operador de propinas do MDB, ao detalhar negociatas com a BR Distribuidora. 

A documentação que trata da empresa foi compartilhada, segundo o The Intercept, em grupo chamado "Acordo Jorge Luz", em que Dallagnol participa ativamente. 

No texto, Jorge Luz, que ainda era na ocasião candidato a delator, disse: “Lembro-me ainda de um projeto de tecnologia para Petrobras com a empresa Neoway que recorri ao Vander e Vaccarezza para me ajudarem agendando uma reunião na BR Distribuidora. Houve esta reunião e recebi valores por esta apresentação e destas repassei parte para eles. Posteriormente a tecnologia foi contratada sem minha interferência ou dos deputados”. O operador se referia ao deputado federal Vander Loubet (PT-MS) e a Cândido Vacarezza, ex-deputado federal pelo PT.

O texto aponta que julho de 2016, Dallagnol questionou se as negociações com Luz haviam mesmo sido encerradas. Alguns meses depois, em abril de 2017, no mesmo grupo do aplicativo de conversas, o procurador Paulo Galvão compartilhou uma nova proposta de delação do lobista e enviou para os coletas novo documento com outra citação envolvendo a Neoway.

Neles, Jorge Luz afirmava: “Paguei ao Vaccarezza para arrumar o negócio. Não me recordo o ano, mas será fácil verificar pela conferência de dados financeiros acessíveis a época que checarmos nossa contabilidade, uma vez que tudo relativo a Neoway foi feito com contratos executados no Brasil por empresas brasileiras, mas creio que seja por volta do ano de 2011/2012”.

O anúncio e negociações da palestra

Quase um ano depois, em março de 2018, Deltan informou em um grupo de troca de mensagens dos procuradores, chamado de Incendiários ROJ, que havia sido contratado pela Neoway para a palestra. Na mesma conversa, de acordo com o exposto pelo site, o procurador Júlio Noronha sugere a Dallagnol que tentasse uma reunião com o dono da empresa, Jaime de Paula [também citado na delação de Luz], para falar de produtos da companhia para um projeto da Procuradoria chamado de Laboratório de Investigação Anticorrupção, o LInA.

“Top Delta!!! De repente, se conseguir um espaço para conversarmos com ele e tentarmos algo para trazer uma solução para agregar ao LInA, seria massa tb!”, disse Noronha. Deltan, de acordo com a reportagem,  dizendo que já tinha a intenção: “Isso em que estava no meu plano. Vou até citar ele na palestra pra ver se sensibilizo.”

Três dias depois dessa conversa, Deltan realizou a palestra em um  resort em Florianópolis. O The Intercept diz que a estratégia dos procuradores funcionou e integrantes da Neoway e do LInA se reuniram para tratar do assunto, mas não há detalhes se chegaram a efetuar algum acordo de troca de serviços. 

Em 21 de julho, meses após a palestra, Deltan demonstra preocupação diante da citação da Neoway no acordo de delação premiada de Luz. "Isso é um pepino para mim", escreveu. Mas, a reportagem aponta que, apenas em 4 de junho de 2019, um ano e três meses depois, foi que o coordenador da Lava Jato enviou um ofício ao corregedor do Ministério Público Federal, Oswaldo José Barbosa Silva, falando que havia participado do "congresso anual da empresa Neoway", onde realizou uma palestra sobre combate à corrupção e ética nos negócios e que foi remunerado "por valor de mercado". 

No documento, Deltan ressalta ainda que na data da palestra a empresa ainda não era investigada pela Lava Jato e ele desconhecia a menção no acordo de colaboração de Jorge Luz. Na época da palestra, inclusive, o procurador chegou a gravar um vídeo indicando os serviços da Neoway. 

Em abril de 2019, o ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin determinou que os trechos da delação de Luz relativos à Neoway dessem origem a um processo específico que corre em segredo de justiça.

Outro lado

Em sua defesa, Deltan Dallagnol disse, em resposta ao jornal Folha de São Paulo - que também publicou a matéria, que "não reconhece a autenticidade e a integridade das mensagens e é fato, é que eu participava de centenas de grupos de mensagens, assim como estou incluído em mais [de] mil processos da Lava Jato. Esse fato não me faz conhecer o teor de cada um desses processos. Se, por acaso, por hipótese, eu tivesse feito parte [do grupo no qual a Neoway apareceu em documentos], certamente não tomei conhecimento. Se soubesse não teria feito, e, sabendo, me afastei”.

A Neoway, por sua vez, afirmou que presta serviços para a BR Distribuidora atualmente e que a contratação de Dallagnol para a palestra “foi remunerada em valores compatíveis com o mercado para atividades dessa natureza, com total observância às leis”. Além disso, a empresa disse que não prestou serviços para o projeto LInA, do MPF, e “desconhece a menção a seu nome em depoimentos de terceiros”.

Cândido Vaccarezza disse que Jorge Luz mente a seu respeito, e que ele “nunca sugeriu, pediu, aceitou, recebeu ou autorizou quem quer que seja a receber em seu nome vantagem, pagamento, benefício ou dinheiro de forma ilícita”. Já Vander Loubet observou que “desconhece os termos” em que foi citado e que “suas relações sempre foram institucionais”.

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