'Núcleo duro' sustenta Bolsonaro diante de acusações

Alvo de dois inquéritos do Supremo e com desaprovação em alta, o presidente enfrenta ainda manifestações de rua e desemprego recorde. O LeiaJá conversou com um cientista político para entender quem são os apoiadores de Bolsonaro

por Kauana Portugal seg, 19/07/2021 - 10:15
Alan Santos/PR O presidente Jair Bolsonaro e apoiadores em passagem por Goiás, região Centro-Oeste do país Alan Santos/PR

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se depara com o pior momento de sua gestão no mês de julho. A rejeição, que no último dia 9, sinalizava que 51% dos brasileiros consideravam seu governo ruim ou péssimo, de acordo com o Instituto Datafolha, caiu para 48% (Ideia) na última sexta-feira (16), após o chefe do Executivo ser internado para exames médicos que, segundo ele, teriam ligação com o atentado sofrido em 2018 durante o período eleitoral.

Mesmo com a oscilação, Bolsonaro ainda precisa lidar com a crise política agravada pela má condução da pandemia no Brasil. O presidente é alvo de dois inquéritos no Supremo: um por suspeita de interferência na Polícia Federal para favorecer aliados e outro por prevaricação - este último tem ligação com a suspeita de que o mandatário não teria feito nada quando alertado sobre irregularidades na compra da Covaxin, vacina indiana contra a Covid-19.

Além disso, às vésperas das eleições de 2022, manifestações nacionais de rua pedem o impeachment do presidente. Concomitantemente, a assombrosa taxa de desemprego, que atinge 14,7% da população brasileira, quase 15 milhões de pessoas sem trabalho, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), acentua a situação de pobreza extrema no país.

Na direção oposta, o chamado “núcleo duro” do mandatário, que se concentra nas regiões Norte e Centro-Oeste, e usufrui de uma renda mensal que vai de cinco a dez salários mínimos, segundo o Datafolha, permanece disposto a credibilizar as ações do presidente, que abusa do discurso golpista e contra as urnas eletrônicas para impulsionar uma possível reeleição.

O LeiaJá conversou com Jorge Oliveira Gomes, doutorando em Ciência Política pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e professor na FACAL e FAESC, para entender em quais setores Bolsonaro ainda se apoia.

LJ: É possível dizer que o presidente “esperava” um mandato turbulento ou foi pego de surpresa?

J.O.G: Bolsonaro sempre foi um político dependente de situações "turbulentas" para se destacar. A polêmica, a crise, a instabilidade, servem de fermento para ele. Ele sabe disso intuitivamente. Porém, cometeu um erro de cálculo: achou que essa postura divisiva e belicosa também lhe seria benéfica num contexto de pandemia. A questão é que, nesses contextos, a população quer um líder que pregue união, esforços coletivos e soluções minimamente técnicas. Bolsonaro apostou no que sempre deu certo para ele: o caos. Porém, na pandemia, isso não funcionou. Foi fator determinante para a crise atual a gestão amadora do Executivo durante a pandemia. Agora que a situação se estabilizou, ele voltou com a velha cantilena do voto impresso,  basicamente mais uma toada para gerar confusão e clima de insegurança. Esse tipo de estratégia, no entanto, tem limites, porque uma hora a população cansa.

LJ: Quais são as bases de sustentação do governo Jair Bolsonaro após dois anos e meio de mandato? E por que esses setores dão apoio ao presidente?

J.O.G: Bolsonaro tem um núcleo duro de apoiadores aficionados muito resilientes, mas cada vez menor. Quanto mais esse grupo se sente acuado, mais se torna coeso e vocal. As bases de sustentação atual do presidente são as Polícias Militares, os evangélicos e pessoas preocupadas com valores ditos "tradicionais". Houve debandada dos lava-jatistas após as acusações de corrupção, bem como de alguns setores das Forças Armadas, preocupados com os custos reputacionais do apoio irrestrito ao presidente. A força do bolsonarismo no Centro-oeste e no Norte se dá por alguns fatores, como a força do agronegócio e as fronteiras com outros países, o que aumenta o receio da população local em relação ao tráfico, violência e imigração, temas nos quais Bolsonaro ainda consegue seduzir a população. 

LJ: O ministro do STF Alexandre de Moraes enviou ao TSE, no último dia 14, evidências das investigações sobre o disparo de fake news e dos atos antidemocráticos que ocorreram durante o ano passado. Pode-se afirmar que uma “cruzada” anti-bolsonarista está se formando nos Poderes? Como interpretar isso?

J.O.G: Acredito que não. No geral, as reações institucionais ao bolsonarismo ainda são muito tímidas. Bolsonaro aparelhou diversas instituições de controle. O STF, com todos os seus problemas, tem tido um papel fundamental e importante como força contramajoritária nesse processo, mas há receio da Corte de "esticar demais a corda", por isso ela ainda age com autocontenção em relação a Bolsonaro. O Congresso tem deixado a desejar no seu papel fiscalizatório, não obstante os esforços vistos na CPI da Covid-19. 

LJ: Como a relação de Bolsonaro com as Forças Armadas pode interferir nas eleições de 2022? É possível dizer que existe um uníssono dos militares a favor do presidente ou isso seria um equívoco?              

J.O.G: Já há uma certa sensação de desconforto do Exército em relação a Bolsonaro. Não dá para a gente falar num consenso, mas é um início. Bolsonaro fez um trabalho antigo de aproximação com cadetes. Discursava, muitas vezes sem ser sequer convidado, nas formaturas das turmas da AMAN e IME. Gerou uma massa de jovens que o viam como um "tiozão" engraçado que fala umas bobagens mas defende a corporação. Toda a carreira de Bolsonaro nos seus 30 anos de Congresso foi basicamente como uma espécie de "sindicalista" do Exército. Então é muito difícil, a essa altura, esse namoro antigo desatar. Bolsonaro encheu os militares de regalias e cargos no governo. Apesar disso tudo, começa a haver preocupação dos fardados, com a cada vez mais evidente bancarrota do governo, sobre qual será o saldo desse relacionamento antigo. Mais preocupante, porém, é a força do bolsonarismo nas PMs. As Polícias Militares possuem, juntas, um contingente maior que o do Exército e têm um histórico de indisciplina antigo (basta observarmos os motins - que eles chamam de "greves"- recorrentes). Olavo de Carvalho ofereceu seu curso de graça para policiais militares. Isso é claramente uma estratégia de guerra cultural e uma tentativa de infiltrar valores antidemocráticos nas forças coercitivas.

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