Eleição torna aborto tema sensível entre candidatos

Ao mesmo tempo que a temática é delicada, ela é polêmica e tende a ser muito cara aos concorrentes de cargos Executivos, sobretudo ao Planalto Central

por Alice Albuquerque sex, 08/04/2022 - 20:52
Universo Produção/Flickr Temática é muito cara aos candidatos ao Planalto Central Universo Produção/Flickr

Recentemente, o pré-candidato ao Palácio do Planalto e ex-presidente Lula (PT), defendeu o direito das mulheres ao abordo no Brasil. No evento que aconteceu na terça-feira (5), o petista ainda classificou o assunto como “uma questão de saúde pública”. Ao mesmo tempo que a temática é delicada, ela é polêmica e tende a ser muito cara aos concorrentes de cargos Executivos, sobretudo ao Planalto Central. 

Desta forma, a cientista política Letycia Raila, explicou que o tema é muito caro aos candidatos por conta dos valores da sociedade majoritariamente com costumes judaícos-cristãos. “É muito complicado trazer isso para uma eleição, principalmente no Planalto Central, tendo em vista a sociedade que temos. Geralmente os candidatos evitam essas pautas mais polêmicas porque eles têm muito mais a perder do que ganhar falando disso”, afirmou. 

Ao defender a legalização do aborto no Brasil, o ex-presidente ressaltou que as mulheres pobres morrem tentando fazer o aborto porque é proibido. “Então, a mulher pobre fica cutucando o seu útero com agulha de crochê, fica tomando chá de qualquer coisa. Numa cidade chamada Jabaquara, na Bahia, eu conheci uma mulher que usa fuligem do fogão à lenha, colocando na vagina para ver se abortava”, argumentou. 

“A madame pode fazer um aborto em París, pode ir para Berlim procurar uma boa clínica e fazer um abort. Aqui no Brasil ela não faz porque é proibido, enquanto, na verdade, deveria ser transformado numa questão de saúde pública e todo mundo ter direito sem ter vergonha”, ousou o ex-presidente. 

No entanto, após ser alvo de críticas, Lula minimizou a fala sobre aborto. “A única coisa que eu deixei de falar, na fala que eu disse, é que sou contra o aborto. Eu tenho cinco filhos, oito netos e uma bisneta. Eu sou contra o aborto. O que eu disse é que é preciso transformar essa questão do aborto numa questão de saúde pública”, disse, à rádio Jangadeiro BandNews.

->> Lula defende o aborto como uma questão de saúde pública

Dentre os concorrentes à presidência, além de Lula, Ciro Gomes (PDT) foi outro que se mostrou favorável à legalização em declarações anteriores quando, em 2019, chegou a afirmar que “aborto é uma tragédia humana, social, moral, religiosa, mas eu acho que o Estado não tem nada que se meter para agravar essa tragédia, a não ser para proteger, para agasalhar, para aconselhar, para arranjar alternativas de adoção”. “No fundo, quem deve decidir isso é a mulher. Acho que ela tem direito ao respeito a seu próprio corpo”, disse Ciro Gomes, em entrevista à BBC Brasil em 2019.

Para ela, a fala de Lula defendendo o aborto é muito impactante. “Hoje, a gente já consegue ver dentro do Congresso uma bancada evangélica muito grande, e o número de evangélicos no País tem crescido progressivamente nos últimos 20 anos. Com certeza, essa é uma fala que traz impacto em muitas vertentes tanto dentro da sociedade, quanto trazendo uma ferramenta para que o governo consiga rivalizar bastante esse ponto”. 

“Temos um governo muito ligado a pautas religiosas evangélicas, e quando a oposição traz essa fala sobre o aborto, a rivalidade pode ser construída. Essa rivalidade e inflamação de discurso é uma ferramenta que o presidente [Bolsonaro] utiliza bastante e tem dado muito certo com a sua base eleitoral”, completou a especialista. 

A afirmação de Letycia vai de encontro, naturalmente, à posição do presidente da República sobre as pautas de costume. Com a descriminalização do aborto até a 24 semana (seis meses) de gestação na Colômbia, o presidente Jair Bolsonaro (PL) chegou a reforçar, em publicação no Twitter, não ser a favor da medida. “Que Deus olhe pelas vidas inocentes das crianças colombianas, agora sujeitas a serem ceifadas com anuência do Estado no ventre de suas mães até o 6º mês de gestação, sem a menor chance de defesa. No que depender de mim, lutarei até o fim para proteger a vida de nossas crianças”, publicou. 

Em 2017, Doria chegou a afirmar em uma ping-pong à Época ser contrário ao aborto. “Sou contra, exceto em casos em que mulheres estupradas devam ter o direito ao aborto. Fora disso, deve-se preservar a lei como está”. Em outras matérias, ele afirma que o PSDB é progressista. 

Já Sergio Moro, sempre que vai falar sobre aborto, foge do tema abordando pelo ponto de vista jurídico, como falou em uma live do YouTube da Necton Investimentos em agosto de 2020 ao ser questionado sobre o caso da menina de 10 anos que foi vítima de estupro e realizou um aborto. “Essa interrupção foi realizada nos termos da lei. A lei autoriza em caso de risco à vida da mãe e em caso de estupro. Foi um procedimento legal. Algumas pessoas discordam em absoluto, mesmo nessas circunstâncias. Outras entendem que são circunstâncias razoáveis. Eu sou um seguidor da lei, basicamente”. 

Ao salientar o conservadorismo da sociedade, a especialista explicou que “qualquer coisa que fuja desse padrão judaíco-cristão acarreta revolta”. Com relação aos votos, ela pontuou que, às vezes, “o eleitor concorda com a proposta econômica, mas discorda da questão do valor, que está intimamente ligado a uma questão de caráter para o eleitor”. “A partir do momento que você usa esses valores não-cristãos, isso pode acarretar numa quebra de expectativa do eleitor que é cristão e votaria num partido de esquerda, que no momento está sendo representado pelo Lula”, detalhou.

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