O que a diz Constituição Federal sobre o artigo 142?
O artigo 142 da Constituição Federal está sendo usado pelos bolsonaristas como uma justificativa falsa para pedir o golpe militar
Após o resultado das eleições de 2022 e a derrota do presidente Jair Bolsonaro (PL) para o presidente eleito Lula (PT), além de fechar as BR’s em frente aos quartéis generais em todo o Brasil, os bolsonaristas vêm se fazendo do Art. 142 da Constituição Federal de 1988 e a Lei Complementar 97/1999 para pedir um golpe militar na tentativa de impedir a posse de Lula, que acontecerá no dia 1º de janeiro, em Brasília.
O Art. 142 da Constituição fala sobre as Forças Armadas, que são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. E a Lei Complementar 97/1999 dispõe sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.
Inclusive até representantes da Justiça estão se fazendo da Constituição erroneamente para pedir o golpe militar, como o ex-desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), Ivan Sartori, que chegou a falar que “a solução seria realmente a aplicação do artigo 142 combinado com a lei complementar 97/1999, que permite a ação imediata para que cessem essas arbitrariedades que estamos presenciando".
Ao LeiaJá, uma advogada especialista em direito constitucional explicou que o artigo da Constituição fala sobre o papel que as Forças Armadas tem na democracia constitucional, que é a função da defesa da pátria, dos poderes e dos cidadãos nacionais, e que não dá margem para outra interpretação, como a de um possível golpe militar. “Os termos impostos pela Constituição de 88 não cabe nenhum tipo de interpretação que deturpe os valores constitucionais segmentados desde o preâmbulo estabelecido no texto constitucional. Não cabe, em hipótese nenhuma, a possibilidade de ter as Forças como se fosse um poder moderador, como alguns costumam dizer. Não há essa possibilidade”, salientou.
O advogado membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-PE, Raphael Costa, corroborou que o uso do artigo 142 da Constituição pelos bolsonaristas está sendo um uso deturpado. “Os manifestantes querem garantir que o presidente ou as Forças Armadas, por iniciativa própria, venham garantir o poder constitucional do Executivo dizendo que houve fraude eleitoral, que não houve e já foi comprovado. Eles querem que as Forças ajam como poder moderador, mas não existe poder moderador no Brasil. Não cabe nos moldes da República”.
“Nada mais é do que uma interpretação falsa”, destacou. “Uma falácia. O grupo de pessoas que está fazendo o uso da Constituição para que aconteça uma intervenção militar, na verdade está pedindo um golpe de estado”, explicou Raphael.
Segundo a especialista, qualquer tipo de interpretação do artigo 142 que aborda a ruptura dos valores constitucionais de 88 “são atos institucionais golpistas”, assim como sobre a Lei Complementar 97/1999. “A Lei dispõe sobre normas gerais para a organização e preparo das Forças Armadas, que vem regulamentar o artigo 142 da Constituição. A interpretação dessa norma, que está inferior à Constituição, tem que estar de acordo com os valores constitucionais. Não há numa democracia constitucional qualquer possibilidade de se valer de um dos artigos da Constituição, muito menos para o artigo 142 para estabelecer uma ruptura democrática. Não posso falar nem em manifestações antidemocráticas, são manifestações golpistas ”, afirmou.
“Chamar as Forças Armadas para dar um golpe, significa dizer que estou deturpando, fulminando de morte o Estado Democrático Brasileiro, e isso não é compatível com esse constitucionalismo de transformação social, da esperança e cidadã. Como bem estabeleceu Ulysses Guimarães ao promulgar a Constituição: ‘traidor da Constituição é traidor da pátria’”, relembrou.
A especialista em direito constitucional fez questão de destacar que “não há nada, nenhum artigo, nada que sustente qualquer tipo de falas golpistas no Brasil”. Ela também chamou atenção para a importância da diferenciação da liberdade de expressão e práticas de crime. “Na Constituição não há nenhum direito de garantia individual e absoluta. Todos eles podem ser relativizados nos termos estabelecidos pela Constituição, inclusive a própria liberdade de expressão. Eu não posso confundir liberdade de expressão com práticas de crime e violação a direito de terceiros, e aos que congreguem a subversão das estruturas democráticas no Brasil. Atos que atentem contra a democracia são punidos, não tem relação com liberdade de expressão, e eu só a tenho no momento em que eu não violo o direito de outras pessoas e nem no momento que eu utilize a minha suposta liberdade para subverter a ordem democrática estabelecida no meu país”, afirmou.
Assim como os demais especialistas, o advogado especialista em direito internacional, Rafael Andrew, também reafirmou que, a priori, o objetivo dos manifestantes bolsonaristas é burlar o verdadeiro sentido do artigo. “O artigo 142 fala sobre a manutenção da lei da ordem, do estado democrático de direito, e mais ainda da autonomia da União, porque a União é quem deve reger no nível máximo todos os entes federados em razão do Pacto Federativo. Nesse sentido, o artigo 142 jamais vai ser uma espécie de intervenção militar. Quando se fala em Forças Armadas, a gente tem que lembrar que elas são um grupo à serviço da República, abaixo hierarquicamente e respondendo diretamente e tão somente à Presidência da República e para a manutenção do Estado”, explicou.