Bullying: violência da infância que deixa marcas na vida
Quase sempre cometida durante período escolar, relatos das humilhações são semelhantes e começam cedo na vida de uma criança
Era como se Amanda fosse o problema. Não importava para qual escola era transferida, a ida ao colégio era um martírio diário que envolvia agressões verbais e físicas de crianças que, assim como ela, tinham por volta dos seis anos de idade. Piadas, empurrões, até mesmo cortes de cabelo forçados por colegas de classe fizeram parte da rotina da menina, hoje fotógrafa, de 23 anos. O termo “bullying” já existia antes mesmo de ela nascer, mas no Brasil, ao contrário das ações que a machucavam psicologicamente e fisicamente, não era popular.
No caso de Amanda, as agressões ocasionadas pela “aparência masculina” que a menina tinha a tornaram uma criança retraída e ansiosa que chegou a pensar em suicídio. “É muito sério que uma criança pense assim por causa de situações como essa. Isso acontecia todos os dias e a vontade que eu tinha era de não ir para a escola nunca mais. Simplesmente parar de estudar”, conta. Além de reprovar um ano, ela perdeu a conta de em quantos aspectos da própria vida essa violência a afetou. Nem mesmo uma série de tratamentos foi capaz de apagar gatilhos que a atingem até hoje quando passa por situações análogas às humilhações sofridas ainda no começo dos anos 2000. Após muitos relatos para professores e coordenações sem nenhum retorno, a mãe da menina chegou a colocá-la em aulas de artes marciais para que ela pudesse “se virar sozinha”.
O estudante Gustavo, de 22 anos, também precisou de ajuda psicológica para desfazer os traumas trazidos pelo bullying diário sofrido no colégio. No caso dele, que tinha cerca de sete anos, o motivo da chacota também era a sua aparência física. Ao contrário de muitos, ele precisou guardar a violência em segredo por medo de apanhar mais. “Minha mãe dizia que se eu chegasse apanhado em casa eu apanhava de novo”, relembra. As marcas diminuíram de tamanho, mas ainda dóem. “Ainda hoje fico com muito ódio quando vejo pessoas que passam por esse tipo de preconceito nas instituições. Para o opressor é muito fácil, mas só quem sabe disso é quem passa”, desabafa.
Algumas pesquisas, porém, apontam que o opressor também pode ser a vítima. Segundo estudo publicado em 2011 pela pesquisadora brasileira Bruna Land, 20% dos envolvidos em situação de bullying podem desempenhar tanto o papel de vítima, quanto o de agressor, também necessitando de cuidado psicológico. “Às vezes a criança emite esse comportamento na escola porque está acontecendo algo diferente em casa. Isso pode ser desde a separação dos pais até a própria violência dentro da família. Como se ela estivesse repetindo esses comportamentos na escola ou expressando que, de fato, algo não está bem”, explica a psicóloga Ana Paula Ferreira.
Em relação às medidas “emergenciais” tomadas pelos pais de Amanda e Gustavo, os especialistas advertem que a violência não é a resposta indicada para resolver problemas como este. O caminho para o combate ao bullying deve ser construído com diálogos e iniciativas em conjunto entre familiares e representantes de instituições de ensino. “O combate da violência com outro tipo de violência pode gerar outras consequências sérias, como fazer com que a pessoa se isole socialmente. É necessário, de fato, uma intervenção da escola em conjunto com os pais, porque a escola sozinha não consegue fazer isso”, explica Ana Paula.
Se o trabalho é feito em parceria, como a escola deve atuar nesses casos? Para a diretora acadêmica do Grupo Ser Educacional, Simone Bérgamo, as instituições devem estar focadas em prevenir que esse tipo de violência aconteça. Um método de prevenção é trabalhar na organização de encontros que promovam a reflexão nos alunos, principalmente nos considerados “espectadores passivos”, que não cometem a violência, mas a observam. “O bullying não existiria se não houvesse plateia. Aquele aluno que é espectador também é responsável”, analisa.
Quando os casos são detectados pela escola, porém, também há formas de agir. “É importante que os departamentos construídos por psicopedagogos e psicólogos tentem acompanhar a rotina acadêmica e intervir de forma imediata quando perceberem pequenos focos de intolerância”, explica Simone.
Confira alguns dos perfis dessas agressões: