Estudos: falta de concentração não pode melar seus sonhos

Passar em concursos e ser aprovado no Enem exigem dura dedicação. Mas, na rotina de muitos estudantes, concentrar-se nos estudos é quase impossível. Professores e especialistas mostram a saída

por Nathan Santos qua, 25/09/2019 - 10:10

Estudantes sofrem com falta de atenção nos estudos. Foto: Pixabay

Quando o seu pai assumiu a responsabilidade de possibilitar estrutura, qualificação e o tempo necessário de preparação para concursos públicos, *Katarina Santos, 23, inicialmente, adorou a oportunidade. Recém-formada em um curso de nível superior, a jovem abriu mão de investir em um empreendimento para agarrar a chance dada pelo pai e dedicar-se aos livros e vídeo aulas. Seu sonho é ingressar em uma carreira pública, de preferência na sua área de atuação profissional. 

A oportunidade dada pelo pai, no entanto, tornou-se um dilema para Katarina. Desde fevereiro deste ano, ela tenta estudar em casa para processos seletivos federais, mas sofre de falta de concentração. Ansiedade e a própria pressão imposta pela família, cujo discurso geralmente é repleto de cobranças para que a jovem dedique total atenção aos estudos, são situações que também a incomodam, além de distrações que a impedem de se concentrar.

Segundo a Organização Mundical da Saúde (OMS), o Brasil é o país com o maior número de pessoas com algum tipo de transtorno de ansiedade. O levantamento aponta que 9,3% da população sofre com o malefício, correspondendo a 18 milhões de brasileiros.

Katarina, ao ser questionada por que não consegue concentrar-se, é incisiva na resposta: “Por causa da minha mente ansiosa e da falta de disciplina”. A estudante também aponta situações que atrapalham a rotina de estudos. “Estudar em casa, com o celular ao lado, por mais que esteja no silencioso. Estudar sabendo que tenho algum compromisso ou problemas a resolver”, detalha a jovem. 

Para Katarina, está claro que ela não criará uma rotina inteligente de estudos em sua residência. “Não vou conseguir em casa, por ‘N’ fatores. Um deles é minha mãe, que acha que só pelo fato de eu estar em casa, estou sempre disponível, ou seja, me atrapalha sempre. Eu preciso estudar fora de casa, não necessariamente fazer um curso. Uma biblioteca ou sala de estudos já ajudam bastante; é até mais motivador”, desabafa.

*Nome fictício. A entrevistada preferiu preservar a sua identidade.  

Passos que levam à concentração 

Com mais de dez anos de experiência em aulas para concursos públicos e Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o professor de português Tiago Xavier acompanha a rotina de estudantes afetados pela falta de concentração. Segundo o educador, estudar em casa, de fato, é tarefa difícil. Nas residências, diversas situações podem tirar o foco dos estudos. 

Professor Tiago Xavier soma mais de dez anos de experiência em ensino. Foto: Nathan Santos/LeiaJáImagens

“Converso bastante com os alunos e noto que a maior reclamação deles é que em casa dispersam por qualquer coisa. Por vários motivos: o cara está estudando no quarto dele, mas ele é casado, e se é casado tem a esposa e filhos. E se ele está em casa, sempre alguém vai chamar para fazer alguma tarefa. Tem cachorro, o cão late, o cara dispersa. Qualquer detalhe, barulho de televisão ou de alguém que está conversando, faz o estudante perder a concentração”, explica Xavier. 

De acordo com o professor, no universo dos preparatórios para concursos públicos, existem dois tipos de candidatos. Ambos estão sujeitos a perder o foco. Há o aluno que estuda para concurso de maneira eventual. “Saiu o edital agora e assim ele começa a estudar”, comenta o educador, complementando que esse tipo de estudante, geralmente, não inicia os estudos antes da publicação do edital.

Outro perfil de estudante é o concurseiro. Ele começa a se preparar antes mesmo da publicação do edital. “É o cara que já vem há seis, sete meses, um ano, dois anos estudando para um concurso. Ele já está habituado com os tipos de banca e está esperando um concurso que nem o edital saiu ainda. Eu considero o tempo de quatro a cinco meses para o aluno estudar tranquilamente”, comenta Xavier. Nas duas situações, os candidatos devem seguir passos que os ajudem a manter o foco nos livros. 

Um desses passos, segundo Tiago Xavier, é cuidar do ambiente físico onde os estudos serão realizados. “O ambiente físico influencia muito. Iluminação, o som, acho que isso influencia bastante. É indicado um local iluminado, sem som externo, com clima agradável”, orienta o docente. 

Não é indicado que os candidatos estudem deitados. Tiago Xavier alerta: “Tem gente que estuda deitado já esperando dormir. Estudar é estudar e dormir é dormir! Para mim, obrigatoriamente, o concurseiro precisa ter um birô, com cadeira confortável, para estar sentado e estudando. Não existe o concurseiro que vai estudar deitado. Cama não é ambiente adequado para estudo”. 

Ainda de acordo com o professor de português, a utilização das redes sociais tem lados positivos e negativos. Como benefícios, estão vídeo aulas, questões, dicas curtas, entre outros conteúdos educativos disponibilizados na internet que podem ajudar candidatos a concursos e ao Enem. Em outra esfera, dedicar horas a ferramentas como Instagram e Facebook sem fins de estudo atrapalha muito os concurseiros.  

Até a forma como o aluno escreve no caderno os conteúdos dados pelos professores pode atrapalhar a compreensão das dicas. “Algo que faz o candidato se perder é a desorganização. Quando estou dando aula e escrevo no quadro, utilizo três cores de piloto. Muitas vezes o aluno escreve de maneira desorganizada”, explica o professor de português. Segundo ele, o aluno precisa escrever organizadamente, com as frases ordenadas conforme o professor colocou no quadro e, se possível, ainda deve escrever o texto com cores diferentes para facilitar a leitura. 

Questionado sobre se é melhor estudar em casa ou acompanhado por um professor em um preparatório, Xavier afirma que isso vai variar conforme o perfil de cada estudante. No entanto, independente do perfil do candidato, se ele está em um curso ou em casa, existe uma lista de atitudes que podem contribuir para a concentração nos estudos. Veja no vídeo do professor Tiago Xavier: 

 

Cronograma é essencial 

Segundo o coordenador pedagógico do preparatório para concursos ‘Nuce’, situado no Recife, Breno Ralino, estabelecer um cronograma de estudos, com horários e disciplinas bem detalhados, é algo primordial para qualquer estudante. Ralino também orienta que os candidatos realizem revisões após assistirem suas aulas. 

“Tem que exercitar o que viu na aula anterior. Sempre enfatizo esses exercícios. Em casa, os alunos geralmente fazem o cronograma com mais de uma disciplina. É importante ter a teoria e resolver bastante questões”, reforça o coordenador pedagógico. 

Em entrevista ao LeiaJá, Ralino montou um cronograma básico de estudos. Ele explica cada detalhe no vídeo a seguir: 

Aporte psicológico por um estudo focado

De acordo com o psicólogo e professor de geografia Dino Rangel, existem vários aspectos que levam um estudante a perder concentração durante os estudos. Um deles é o foco. Segundo o especialista, o foco deve estar atrelado a algo que o candidato tem vontade de fazer. Se não há esse desejo, dificilmente ele terá concentração 

“Muitas vezes, aquilo que chama atenção da gente é aquilo que nós objetivamos. Aquilo que não interessa muito não nos chama atenção. Então, o concurseiro, muitas vezes, pode não ter atenção devida para uma questão da ordem do desejo de ser. Se é algo que o estudante deseja fazer, que ele sonha fazer, naturalmente isso pode levá-lo a ter um foco maior”, explica o psicólogo. 

A questão do ambiente físico para estudos também pode pesar para os candidatos, segundo Rangel.  “Um ambiente conturbado, seja no contexto de som, ou familiares, gera fatores que podem impedir o aluno de ter atenção. Isso pode bloquear o estudante. A estratégia que ele deve buscar é encontrar um ambiente no qual ele se sinta familiarizado. Existem pessoas que rendem mais de madrugada que pela manhã, e aí o candidato precisa focar mais nos estudos, organizar o horário e otimizar o tempo”, comenta. 

Dino Rangel também destaca que existe um fator de ordem psicológica. “Por exemplo, se o estudante tiver traços de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade), ele pode estar passando por um problema, como crises de ansiedade e depressão, que são transtornos que podem pesar psicologicamente no humor e pensamento dele, provocando alguma alteração no senso de realidade, no desejo de querer e na motivação”, explana o psicólogo.  

Ainda sobre a questão psicológica, Rangel alerta que distúrbios podem ofuscar a vontade de um indivíduo de estudar. “Se o aluno tem traços de depressão, desmotivação e desânimo, muitas vezes um transtorno depressivo maior, falta de vontade, questão da alimentação e isolamento expressivo podem dificultar a atenção. Se ele passa por uma situação familiar delicada, como cobrança dos pais, isso pode complicar também. Há ainda o problema da falta de planejamento, uma vez que o candidato quer fazer tudo ao mesmo tempo. A psicologia pode auxiliar de forma expressiva, levando esse aluno a uma conscientização de ser. O aluno se conscientiza sabendo aquilo que ele realmente quer. A psicologia ajuda na reflexão da condição na qual o indivíduo se encontra. ‘O que eu estou fazendo é o que eu quero? O que está me atrapalhando a ter atenção? Uma ansiedade, depressão, um transtorno, bipolaridade? É uma questão dos meus pais? É uma questão minha?’. A psicologia vai levar o indivíduo a pensar sobre o que está o atrapalhando de ter a devida atenção”, detalha o especialista, enfatizando que terapias com psicólogos podem ajudar pessoas que sofrem com a falta de concentração. 

LeiaJá também entrevistou o médico psiquiatra Antônio Alvim, membro titular da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). O especialista, sob o olhar psiquiátrico, explicou como a falta de concentração pode ser considerada um transtorno. Alvim revelou que existe medicação para combater o problema. Confira: 

LJ - No que diz respeito à psiquiatria e à questão clínica, quando a falta de atenção pode ser considerada uma doença?  

AA - A falta de atenção pode ser um sintoma e ela pode estar presente em um quadro de ansiedade muito grande ou presente em uma pessoa que está deprimida, uma pessoa que não dormiu direito na noite anterior. Existe também o quadro da falta de atenção que a gente chama, na medicina, de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), que um dos sintomas principais desse transtorno é justamente a dificuldade de prestar atenção.  

LJ - Podemos considerar esse transtorno uma doença? 

AA - Em psiquiatria a gente não usa o termo doença. A gente sabe que ele tem uma base biológica bem estabelecida e tem uma prevalência que é semelhante em vários países do mundo, então, a gente não usa o termo doença, mas sim transtorno. 

LJ - E como esse transtorno age no corpo e na mente da vítimae? 

AA - Ele é marcado por dificuldades em três esferas do comportamento, que é na atenção, na impulsividade e na hiperatividade. Então, é um padrão de comportamento que a pessoa tenha alterações nessas três esferas. Na questão dos estudos, isso vai ser marcado principalmente em forma de desatenção, como dificuldade de prestar atenção, não prestar atenção a detalhes, errar bobeiras, pular questões porque não leu direito. Começar a ler uma questão e de repente ficar “voando”, distraído. 

LJ – O transtorno também está relacionado à questão do estresse, já que algumas pessoas não têm paciência de estudar?  

AA - É importante, justamente, o que a gente usa, em medicina, o termo diagnóstico diferencial, porque, muitas vezes, a impaciência pode ser sintoma de um transtorno de ansiedade, por exemplo, que pode levar à dificuldade de atenção. Mas, por outro lado, a pessoa que começa a estudar ou, às vezes, estuda bastante mas não consegue prestar atenção e aí chega na hora da prova e erra bobeira, porque não conseguiu prestar atenção ou não leu direito, isso pode também levar a um quadro de estresse, porque o indivíduo se dedica e acaba tendo prejuízo ou um desempenho que está aquém do esperado. 

LJ - Quando é notório que a pessoa precisa de acompanhamento psiquiátrico? 

AA - A gente sempre baseia, na psiquiatria, na questão do prejuízo. Mesmo quando a gente tem tristeza, ela faz parte da nossa vida. Quando a pessoa começa a ter uma tristeza muito intensa e muito prejuízo com isso, a gente chama de depressão. E falta de atenção, eventualmente, pode estar presente nas nossas vidas, mas quando ela começa a ficar muito frequente, quando isso começa a trazer prejuízos à vida de uma pessoa, talvez seja a hora de procurar um psiquiatra.  

LJ - O TDAH é um transtorno que o indivíduo já nasce com ele ou se desenvolve ao longo da vida? Como ele age no corpo? Há algum processo químico?  

AA - O TDAH é considerado um transtorno do neurodesenvolvimento, que é algo que está se acontecendo em um cérebro que está se desenvolvendo de maneira diferente. Então, esses sintomas da desatenção já estão presentes desde muito cedo na vida do indivíduo. Muitas vezes é difícil fazer o diagnóstico em crianças muito novas e a maior parte dos diagnósticos é feita a partir do momento que as crianças entram na escola, porque começam a ter mais cobrança. Isso está presente desde cedo na vida da criança. Não é comum que um adulto que nunca teve problemas e, de repente, na véspera de um concurso, diga que está com déficit de atenção. Pode ser outra causa que está levando a essa desatenção e não o TDAH. Hoje, já é bem estabelecido como o transtorno age. Alterações, tanto do ponto de vista anatômico, tanto funcional, em diversas áreas cerebrais, estão relacionadas, por exemplo, à atenção, à impulsividade e à memória.  

LJ - Como a psiquiatria trata o transtorno? Existem medicamentos para falta de atenção?  

AA - A primeira coisa que a gente precisa é de um diagnóstico correto de TDAH. A segunda questão é que existe, sim, tratamento para déficit de atenção. Temos os chamados psicoestimulantes, que são medicamentos muito seguros e bem estudados, e paralelo a isso, acompanhamento com psicoterapia e também exercícios físicos.  

 LJ - O medicamento age com rapidez? 

AA - Sim. O uso dele eu costumo comparar ao uso de um óculos. A pessoa coloca óculos, enxerga, e quando tira o óculos, tem dificuldade de enxergar. O início do efeito da medicação é muito rápido. 

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