MPF: manutenção do Enem na pandemia viola a constituição

Para a Procuradoria não há oferta de educação digna em contextos como o atual, em que estão acentuadas as desigualdades

sab, 16/05/2020 - 09:17
Marcelo Camargo/Agência Brasil Mesmo diante da pandemia, o governo federal anunciou a abertura de inscrições Marcelo Camargo/Agência Brasil

O fornecimento de conteúdo escolar em período de pandemia segue cercado de precariedade, diversidade de situações e, principalmente, desigualdade – contrariando o que estabelece a Constituição Federal de 1988 ao tratar dos objetivos fundamentais da República. 

O posicionamento é da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF), órgão do Ministério Público Federal, e está em uma nota técnica publicada nesta sexta-feira (15) e encaminhada ao Ministério da Educação, ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (Inep) e ao Conselho Nacional de Educação. 

O documento traz orientações e parâmetros acerca da garantia do direito à educação em tempos de pandemia e os impactos desproporcionais do não adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2020.

No ambiente da pandemia, em que a desigualdade se acentua e a diversidade fica pouco visível, há tudo, menos educação minimamente digna. Considerar que, nesse período, há dias letivos, ou que é possível a realização da prova do Enem, é orientar a política nacional de educação na contramão do artigo 3º da Constituição Federal”. 

Na nota técnica, a PFDC destaca que a falta de acesso à tecnologia ou a uma boa conexão de Internet é um obstáculo para a aprendizagem contínua, principalmente para os estudantes de famílias desfavorecidas. Além disso, a  suspensão das aulas presenciais suprime, também, o componente mais fundamental da educação: o encontro e o intercâmbio.

“Mecanismos para manter a escola de alguma forma presente no imaginário do aluno são importantes em tempo de pandemia – de modo a evitar evasão, desinteresse, desconexão. No entanto, não podem ser considerados dias letivos e tampouco instrumentos hábeis à transmissão qualificada do conhecimento”. 

Nessa perspectiva, aponta a PFDC, perdem, e muito, os estudantes com escasso acesso a meios remotos, como internet e televisão. Mas perdem todos, inclusive os mais favorecidos economicamente. “Estes podem ter facilitada a transmissão de conteúdo das disciplinas, mas igualmente ficam carentes da dimensão social da educação. E, tal como os demais, pouco habilitados a serem avaliados em exames que não podem e não devem desconhecer a socialização que a educação deve promover”. 

A nota técnica destaca que 191 países já determinaram o fechamento de escolas e universidades. A decisão atinge cerca de 1,6 bilhão de crianças e jovens, o que corresponde a 90,2% de todos os estudantes, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), que vem monitorando os impactos da pandemia na educação. 

No Brasil, o Conselho Nacional de Educação aprovou em 28 de abril, por unanimidade,  as diretrizes para orientar escolas da educação básica e instituições de ensino superior durante a pandemia do novo coronavírus. “Tais diretrizes, contudo, não têm a aptidão de superar o quadro normativo a respeito de calendário escolar e horas presenciais”. 

A nota técnica é assinada pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e por um conjunto de 12 integrantes dos Grupos de Trabalho da PFDC sobre Educação em Direitos Humanos e sobre Enfrentamento e Prevenção ao Racismo.

Enem - O Exame Nacional do Ensino Médio foi criado em 1998 para avaliar a qualidade do Ensino Médio brasileiro a partir do desempenho de seus estudantes. Desde 2009, o Enem se tornou critério de seleção para quem deseja ingressar nas instituições federais de ensino superior ou participar do Sistema de Seleção Unificada. 

Mesmo diante da pandemia da covid-19 o governo federal anunciou a abertura de inscrições para o Enem. De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas, órgão ligado ao Ministério da Educação e responsável pela elaboração do exame, as inscrições seguem até 22 de maio.

Da assesoria do MPF

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