Terreiro celebra paz e amor em réveillon antecipado
Sítio do Pai Adão saúda Oxalá e pede mais valorização à cultura afro do Estado
O azul e o branco predominavam nas vestimentas e nos adereços pendurados na grande árvore do terreiro. Alfaias e abes eram, de pouco a pouco, aquecidos para a comemoração da noite. No Sítio de Pai Adão, o réveillon foi celebrado neste sábado (27), numa festa inundada pela tradição que, aos trancos e barrancos, mantém-se viva com o caminhar dos anos.
“Aqui é uma festa da união. A cultura afro é a primeira de todas e a menos valorizada. Com respeito a todos os outros tipos de manifestação cultural e musical, mas sabemos que o preconceito ainda é muito grande. Nada melhorou”, revela Taichichuan, diretor do grupo de coco do terreiro, que é um dos mais antigos do Brasil (fundado em 1874). Na concepção de Chuan – como é conhecido por todos – ainda há um abismo entre a sociedade (predominantemente católica e evangélica) e os costumes do candomblé.
A festa, aberta ao público com entrada franca, tem seu ápice à meia noite, quando, após uma queima de fogos, as luzes se apagam e uma saudação religiosa é feita a Oxalá, pai da paz e do amor. Pela primeira vez, a funcionária pública aposentada Márcia Santos estava no terreiro. “Tenho contato com o maracatu através do Carnaval de Olinda e alguns familiares que são umbandistas. É maravilhoso, a gente vê as crianças fazerem um esforço danado para tocar os instrumentos. A pena é em relação à falta de investimento público”.
Para se manter, os grupos do terreiro dão aulas de música e de confecção de instrumentos. Se forem depender das apresentações musicais, só terão renda no Carnaval. “E como todo mundo sabe, recebemos os menores cachês. Não dá pra se manter assim”, comenta Taichichuan.
A ideia para o evento deste ano era expor alguns trabalhos artesanais das pessoas do local, barracas com comidas de terreiro e comercializar outros produtos característicos. Sem investimento algum do Estado nem da Prefeitura do Recife, o grupo que tem sede na Estrada Velha de Água Fria (Zona Norte do Recife) tenta se manter com o que pode, com a ajuda de quem conhece e admira o trabalho secular dos filhos de pai Adão.
Coordenador do Afoxé Povo do Ogunté, Cosme Neto é um dos organizadores da festa e diz que o objetivo do evento é agregar todos interessados pela cultura. Mesmo sendo um dos principais integrantes do Sítio de Pai Adão, não está livre das armadilhas do preconceito e se esconde. “Ainda é muito difícil. Nos trabalhos, por exemplo, digo que sou católico. Se eu disser que sou de candomblé, é possível até ser demitido”.