Morre Albert Uderzo, um dos criadores do Asterix
Carregando o peso dos anos com equilíbrio e desapego, Albert Uderzo continuou sendo um homem pouco conhecido, de caráter reservado e comportamento tranquilo
Desenhista de traço genial, Albert Uderzo faleceu nesta terça-feira (24) com a certeza de que Asterix e seus amigos gauleses, que ele criou em 1959 com René Goscinny, símbolo da cultura francesa conhecido internacionalmente, sobreviverão por um longo tempo.
"Eu não sou reconhecido nas ruas. Os personagens podem se tornar mitos, mas nós não, seus pais", dizia Uderzo.
Carregando o peso dos anos com equilíbrio e desapego, Albert Uderzo continuou sendo um homem pouco conhecido, de caráter reservado e comportamento tranquilo, preferindo falar sobre seu trabalho do que sobre si mesmo.
Grande entusiasta da Ferrari (quase 20 carros da marca passaram por sua garagem), filho de um casal de imigrantes italianos, morava em uma mansão em Neuilly-sur-Seine.
Era rico graças aos cerca de 370 milhões de quadrinhos vendidos em todo o mundo (traduzidos para 111 idiomas ou dialetos), 15 filmes (animação e cinema), um parque temático, videogames e produtos derivados às centenas.
A morte em 1977, aos 51 anos, do grande roteirista René Goscinny, durante um teste de estresse realizado para um exame de saúde, o afetou bastante. Juntos lançaram 24 álbuns. Graças a eles, os quadrinhos conquistaram o público em geral.
Uderzo então deixou a Dargaud, sua editora histórica, para fundar sua própria casa, as edições Albert-René, e assumiu sozinho a publicação das histórias de Asterix.
"Não me fizeram nenhum presente. Sim, é claro, eu sofro de um complexo 'Goscinny', mas eles também o criam para mim", disse ele em referência à imprensa, que considerava suas histórias inferiores às da dupla, mas que, no entanto, fizeram sucesso com o público.
Como Hergé com Tintim, Uderzo não queria um novo Asterix após sua morte. Ele finalmente mudou de ideia. Em 2011, sofrendo de artrite reumatoide na mão direita, passou o bastão (em acordo com Anne Goscinny, detentora exclusiva dos direitos de seu pai) a autores mais jovens, enquanto acompanhava de perto o trabalho deles, mais uma vez coroado de sucesso.
"Minha mão não foi feita para este trabalho", dizia. "Olhe para as patacas que eu tenho! São mãos de açougueiro, tenho ossos grandes, como meu pai. Pintei todos os meus desenhos com pincel, o que exige muita habilidade. Prejudiquei minha mão trabalhando assim".
Conflito com a filha
Nascido em 25 de abril de 1927 em Fismes (nordeste), Albert nasceu com 12 dedos. A anomalia foi corrigida em uma operação. Seu pai era um luthier. A infância em Paris foi modesta, mas feliz.
O jovem, que era daltônico, descobriu o desenho na editora Société, onde publicou "Les pieds nickelés". Após a guerra, lançou heróis como "Belloy, l'invulnérable", "Flamberge", "Clopinard" ou "Arys Buck".
Era um período difícil: "viver dos quadrinhos era muito difícil na época, e eu tinha que desenhar uma quantidade astronômica para pagar as contas no final do mês".
Em 1951, conheceu Goscinny, o início de uma colaboração fraterna de 26 anos. Criaram "Jeahn pistolet" o corsário, depois "Oumpah Pah" pele vermelha.
Em 1959, em Bobigny, nos subúrbios de Paris, onde Uderzo vivia, entre cigarros e álcool, inventaram um novo universo todo em "ix", com um bando de armoricanos obstinados. A ideia veio das estadias na Bretanha.
Anti-arquétipo do gaulês viril, Astérix apareceu na primeira edição da revista "Pilote", em outubro de 1959, na página 20. Nesse mesmo ano, Uderzo criou, com o roteirista Jean-Michel Charlier, "Les aventures de Tanguy et Laverdure", um sucesso (foi o irmão mais novo de Albert, Marcel, que cuidou de parte das cores).
Em 1961, foi lançado "Asterix o gaulês", o primeiro álbum de uma longa série. Rapidamente, o desenhista com traços expressivos passou a se dedicar apenas às aventuras do gaulês de nariz grande e seus amigos, arquétipos dos franceses.
Em 2008, "La zizanie", título do 15º álbum, resumiu o conflito entre Albert Uderzo e sua única filha, Sylvie. Eles brigaram a respeito da aquisição pela Hachette Livre de 60% da editora Albert-René, da qual Sylvie é proprietária dos 40% restantes.
Após sete anos de guerra aberta e processos legais, reconciliaram-se em 2014, mas, segundo ele, esse caso "acabou comigo".