A luta pelo acervo tricolor de Bacalhau
Ex-esposa de Bacalhau, torcedor-símbolo do Santa Cruz, deseja criar museu com o patrimônio dele, que está internado há seis meses e sofre de Alzheimer
Jairo Mariano da Silva, 75 anos, tornou-se um personagem folclórico do futebol pernambucano, em que é melhor conhecido pela alcunha de “Bacalhau”, celebrado por suas aventuras improváveis para acompanhar os jogos do Santa Cruz. Entre os feitos, saiu de sua terra natal no Agreste pernambucano rumo ao Recife de bicicleta. Apesar das fotografias e da casa sempre lotada de admiradores, Jairo, de repente, sentiu-se sozinho. “Eu não sei dizer o porquê, quem tem depressão nunca sabe. Ele foi internado e se recusa a comer. Além disso, há oito meses ele sofre de Alzheimer”, conta a ex-esposa de Bacalhua, Maria dos Santos, conhecida como Dôra, que batalha para que o acervo do amigo ganhe um espaço fixo para exposição.
Apesar de separada de Jairo, Dôra se viu obrigada a incluí-lo em seu plano de saúde, como dependente, para mantê-lo internado na Casa de Saúde e Maternidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em Garanhuns, cidade natal do torcedor tricolor. Além disso, ela diz que arca com todos os custos adicionais do tratamento. “Talvez ele já tivesse morrido se dependesse do sistema público de saúde. Muita gente diz que não faria o que faço. Se eu não fizer algo, quem vai fazer?”, lamenta.
Reprodução/Arquivo pessoal
No hospital, faça chuva ou faça sol, noite ou dia, Dôra e um dos quatro filhos costumam ser as únicas companhias de Jairo, cada dia mais distante do personagem que o tornou conhecido e sempre rodeado de gente. “Nem o pessoal da cidade vai visitar. Ele chama familiares que já morreram e lembra do nome dos filhos, mas não consegue reconhê-los”, lamenta Dôra.
Os oito meses de alzheimer, contudo, ainda não conseguiram roubar de Jairo sua maior paixão. “Ele pergunta: ‘o Santa vai jogar hoje?’. Em outros momentos, fica falando sozinho, deitado na cama: ‘Bora, bora, rapaz, se não a gente vai perder o carro’, como se lembrasse do costume que tinha de ir aos jogos”, conta Dôra. Irreconhecível se comparado ao homem gordinho, sempre sorridente, de dentes, unhas e cabelos tingidos de vermelho, branco e preto, Jairo está magro e bastante envelhecido, alimentando-se por sondas. “Ela recusava a comida e não bebia água. Agora até que ele está comendo alguma coisa, como banana e bolacha. Até mamadeira eu comprei, para dar iogurte”, completa.
Incurável, o Alzheimer se agrava impiedosamente com o tempo e impede que Jairo cuide de si mesmo. Cabe à sua fiel amiga a dupla missão de batalhar para que ele receba o tratamento adequado e para que suas memórias, que escapam-lhe aos poucos, sejam, de alguma forma, preservadas. Dôra acredita que isso é possível reunindo suas fotografias e objetos pessoais curiosos, tornando-lhes um acervo de um pequeno museu dedicado à história de um dos maiores torcedores do tricolor pernambucano. “Eu gostaria de fazer um museu, mas estou quase acabando com essa ideia, porque ninguém vai querer fazer isso. Não tenho dinheiro para fazer isso e até agora o Santa Cruz não se interessou, nem a prefeitura. Não tenho ajuda de ninguém, pelo menos para fazer um cantinho para eu deixar as coisas dele”, explica.
Casa em más condições
Portas quebradas, falhas no sistema elétrico e pinturas esmaecidas. Vazia por praticamente seis meses, a casa de Bacalhau, integralmente pintada com as cores do Santa Cruz, incluindo os móveis, também se desfigura com o passar do tempo. De ponto turístico de Garanhuns, onde o torcedor-símbolo recebia visitantes de todas as regiões do país, atraídos pela inusitada decoração, à ruína, a habitação cede às intempéries, sem manutenção. “Bacalhau chegou a colocar um livro de visitas na porta da casa, para as pessoas assinarem o nome, de onde eram e o time para o qual torciam”, recorda Dôra.
Além das más condições, a estrutura da casa dificulta um possível retorno de seu dono. “Bacalhau fez as camas e prateleiras da casa de cimento. O tempo passou tão rápido que daqui a pouco completa um ano de internação dele. Em algum momento a gente vai precisar fazer um home care, mas como? Para isso, a gente teria que ter um quarto espaçoso, colocar cerâmica e ar-condicionado”, explica Dôra. A solução poderia estar em um quartinho nos fundos da casa. “Não acho certo ele ser o dono e morar nos fundos, mas seria o jeito. Só que teria que ser reformado todo o espaço, feito um banheiro e uma rampa de acesso e não tenho condições financeiras para isso, no momento”, reclama Dôra.
Assim, é impensável utilizar o espaço como museu. “Meu filho mora lá, não tem como receber ninguém no momento, até pelo estado da casa. Estou pensando em me desfazer das coisas de Bacalhau, porque é muita coisa que tem lá, tudo se acabando”, lamenta Dôra.
A assessoria de imprensa do Santa Cruz informou que o clube não tinha conhecimento do desejo de Dôra de transformar o patrimônio de Bacalhau em um memorial. Até o fechamento desta reportagem, o clube não divulgou se pretende ou não ajudar de alguma forma em prol do possível museu. Em 2016, no entanto, o clube tricolor realizou uma campanha para ajudar no processo de recuperação de Bacalhau.