Torcedores buscaram maconha para 'relaxar' em Montevidéu
A final da Libertadores impulsionou a busca pela cannabis no Uruguai, primeiro país do mundo a legalizar o cultivo e consumo da erva
"Como faço para comprar maconha"? Essa foi a pergunta que os funcionários da farmácia Antártida, no centro de Montevidéu, mais ouviram nos últimos dias. O questionamento partiu de torcedores brasileiros que chegaram à capital uruguaia para acompanhar a final da Copa Libertadores entre Flamengo e Palmeiras, neste sábado, no Centenário. A decisão continental impulsionou a busca pela cannabis no Uruguai, primeiro país do mundo a legalizar o cultivo e consumo da erva. Alguns torcedores contaram que queriam "relaxar" antes do jogo.
Os brasileiros que foram às farmácias em busca de maconha se decepcionaram porque a droga não é vendida a estrangeiros no país. Segundo a lei que o Parlamento do Uruguai aprovou em 2013, a aquisição da maconha, por qualquer de suas vias, está restrita a uruguaios maiores de 18 anos ou residentes legais no país.
Dessa maneira, o jeito para flamenguistas e palmeirenses que queriam experimentar a cannabis uruguaia foi consegui-la com residentes do país vizinho. Uma comunicação rápida com uruguaios foi suficiente para constatar que os turistas conseguiam adquirir legalmente a droga de pessoas cadastradas no sistema do governo.
Na Avenida 18 de Julio, via mais famosa e movimentada em Montevidéu, era comum ver torcedores informais oferecendo a erva para turistas num mercado informal. Ela possui níveis de THC, o componente psicoativo da droga, superiores aos da maconha comercializada na farmácia. O governo não permite que a porcentagem seja maior do que 9%.
"O que chama a atenção é a qualidade, o preço da maconha uruguaia e a tranquilidade de fumar na rua sem se preocupar com a fiscalização", conta um torcedor rubro-negro que falou sob anonimato com a reportagem do Estadão.
Foi curioso notar como a torcida do Flamengo se apropriou da maconha legalizada e até vendedores locais entenderam isso para lucrar. Havia uma senhora no centro de Montevidéu vendendo uma camiseta com o escudo do Flamengo, o rosto do ex-presidente José Mujica e a planta da maconha.
"É legal ver como essa imagem do Uruguai está sendo bem representada nesse clima da final da Libertadores", considera o torcedor flamenguista, que saiu do Rio de avião para Porto Alegre, onde comprou uma passagem de ônibus em direção à capital uruguaia.
O gesseiro Luciano, de 39 anos, havia acabado de comprar uma pequena porção da erva na farmácia quando foi abordado por um palmeirense, que buscava fumar para "relaxar", segundo ele contou. O torcedor deu dinheiro ao uruguaio, que retornou ao estabelecimento e fez a compra para o brasileiro.
"Os brasileiros são nossos irmãos. Gostamos deles aqui", diz Luciano, que namorou uma brasileira e, por isso, entende e fala várias palavras em português.
"Nessa semana, ajudei muitos brasileiros que me viam fumando e queriam fumar também", relata a telefonista Natália, outra residente do Uruguai a dar uma mão para rubro-negros e palmeirenses.
O Uruguai permite o consumo de drogas desde a década de 70, mas a falta de regulamentação sobre o que era uso pessoal levava a processos por até 10 gramas. Há sete anos, o Parlamento aprovou a lei que fixou três vias excludentes entre si para a aquisição da erva. Todos os uruguaios ou residentes legais podem adquirir até 40 gramas por mês em farmácias, ou 10 por semana, pertencer a um clube de consumidores com 15 a 45 integrantes ou cultivar em casa até seis pés. Nas farmácias, cada pequeno pacote com 5 gramas é vendido por 370 pesos uruguaios, algo próximo de R$ 45. O valor não é muito diferente do que cobram os vendedores informais nas ruas da capital do país vizinho.
Há mais de 8 mil cultivadores registrados e 78 clubes de consumo. A venda em farmácia, via que contempla a maior quantidade de consumidores, foi iniciada em 2017. Das mil farmácias no país, 16 aderiram ao plano inicialmente. Hoje, porém, em Montevidéu, apenas nove continuam habilitadas a vender a erva. A desistência de comercializar o produto é resultado, em parte, da pressão do sistema financeiro, que começou a fechar algumas contas bancárias.